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Análise: Kena: Bridge of Spirits (Multi) é uma encantadora aventura por um mundo mágico

Restaure o equilíbrio guiando espíritos perdidos e corrompidos em uma jornada de conhecimento e superação.


A Ember Lab nasceu em 2009 como um estúdio de animação e conteúdo digital. Com atuação na criação de animações para propagandas de grandes marcas, sua maior paixão foi usar esse talento para contar histórias. Debutando no mercado de games, o estúdio orgulhosamente apresenta seu primeiro projeto: Kena: Bridge of Spirits.


Anunciado durante a edição do State of Play de junho de 2020 que revelou o PlayStation 5 ao mundo, ficamos igualmente apaixonados pelo que vimos e, pouco mais de um ano depois de sua revelação, agora temos a oportunidade de sentir um pouco da paixão a que o estúdio se referia.

A Guia Espiritual

Quando alguém se vai, uma máscara de madeira é feita para homenagear a pessoa que faleceu. Conforme o tempo passa, a máscara naturalmente se deteriora e volta à terra, simbolizando a pacífica passagem de seu espírito para o além-vida. Entretanto, nem todos conseguem realizar a travessia por ainda estarem lidando com as tragédias que culminaram no fim de sua vida e seus espíritos permanecem vagando no mundo dos vivos, tornando-se agressivos e violentos.

Os Guias Espirituais são pessoas com habilidades para lidar com essas entidades e ajudá-las a resolver seus conflitos, atuando como uma ponte para realizar a passagem e lhes dar a paz eterna. Kena é uma jovem Guia que segue os passos de seu falecido pai, que foi um grande mestre neste ofício. Ela parte rumo ao Templo da Montanha Sagrada para expandir seu conhecimento, mas na jornada se depara com um poderoso espírito maligno que a impede de chegar a seu destino, expulsando-a do acesso ao local.


A garota, então, se vê em uma vila abandonada ao pé da montanha e descobre que o caminho para o templo está bloqueado pelo poder de poderosos espíritos que continuam vagando pela terra por não terem conseguido fazer a passagem. A tarefa de Kena, se quiser alcançar seu objetivo, é fazer a passagem destes espíritos com suas habilidades para então restaurar o equilíbrio do mundo real com o espiritual naquele lugar.

Felizmente, Kena não sairá sozinha em sua missão. Ela contará com a simpática ajuda de pequenos seres da natureza chamados de Rot, criaturinhas de aparência minúscula e que estão em toda parte. Esses seres simpáticos ajudarão a jovem emprestando seu poder para que ela execute ataques aprimorados contra os maléficos seres corrompidos e purifique a floresta da energia negativa que assola o lugar.


Explorando, lutando e conhecendo um belíssimo mundo

A experiência de Kena: Bridge of Spirits possui três alicerces muito bem estabelecidos em sua proposta: exploração, desbravando um grande mapa do mundo; combate contra inimigos cada vez mais desafiantes; e uma narrativa envolvente muito bem contada que cativa quem gosta de uma boa história.

No decorrer do jogo, somos gradualmente apresentados à mitologia daquele mundo e os costumes do lugar. A história é recheada de personagens e histórias emocionantes, principalmente sobre os espíritos que rivalizam com o objetivo da heroína. De forma tocante, cada história é contada de forma que nos faz sentir o peso do ofício de Kena para neste mundo.


Antes de confrontar cada um, a menina precisa recuperar artefatos que vão ajudá-la a resgatar as memórias dos espíritos e entender o conflito que não os permitiu ir para o além. Durante a exploração de diferentes áreas do mapa em busca destes itens, acabamos confrontando criaturas corrompidas que habitam áreas contaminadas da região. Ao triunfar nos confrontos, Kena, com a ajuda dos Rot, purifica o local e a vida volta a tomar conta dele. Muitos destes locais, após serem purificados, revelam passagens para outras áreas a serem desbravadas.


A exploração conta ainda com elementos clássicos de quebra-cabeça, fazendo com que Kena precise manipular objetos com a ajuda dos Rot ou atravessar rapidamente alguns locais com o uso de suas habilidades, como o tiro de flechas espirituais ou bombas mágicas que podem afetar o tempo-espaço no ponto onde explodem. As criaturinhas, quando fortalecidas, conseguem aprimorar essas técnicas que também auxiliam nossa heroína durante suas lutas, em especial contra os chefes, os próprios espíritos, em batalhas visualmente espetaculares e extremamente desafiantes.

Capricho onde precisa

Kena: Bridge of Spirits pega carona em convenções já consolidadas no gênero de ação 3D em mundo aberto e é feliz em algumas delas. Já outras foram inesperadamente falhas por conta de detalhes e podem prejudicar a experiência de quem está habituado com este estilo.

Inegavelmente belo, mesmo no PS4, já considerado um console obsoleto para os padrões atuais, a direção de arte é magnífica e pode ser considerada uma das marcas registradas da Ember Lab. Apesar de não apresentar a mesma performance de seu irmão mais novo, o PS5, o nível de capricho e detalhes para os cenários e personagens no console é algo que merece muitos elogios.


Um exemplo é como a feição de Kena muda, ficando com cara de marrenta nos momentos de combate contra os inimigos, ou o balançar das folhagens quando a garota realiza um pulso de energia com seu escudo. A iluminação, ponto forte desta nova geração, também é muito bem executada no game em sua versão para o PS4.

A trilha sonora, envolvente e bastante pontual nos momentos-chave da narrativa, é outro ponto de destaque. A soma desses elementos contribui de tal forma com a experiência que nos passa a sensação de estarmos assistindo uma animação com qualidade hollywoodiana. Se não soubesse que é um jogo, para mim Kena: Bridge of Spirits passaria fácil como um filme animado de grandes estúdios de cinema.

Falhas onde não precisava

Exploração e combate são outros dois pontos de destaque, mas diferente dos supracitados, estes não são tão perfeitos assim. O problema não chega a ser necessariamente nas mecânicas em si, mas na execução que ficou prejudicada por causa de detalhes. O combate é gostoso e divertido, algo realmente esperado para o gênero e vai melhorando após a aquisição das demais habilidades de Kena. Cada confronto com um grupo de inimigos ganha mais níveis de desafio e isso é algo muito legal.


Quem jogou Horizon Zero Dawn (PS4/PC) vai sentir uma pegada bem semelhante na hora de lutar, principalmente pelo fato de Kena e Aloy usarem armas bem parecidas. Também notei algumas similaridades com Tomb Raider e Uncharted nos momentos em que estamos nos movimentando pendurados pelo cenário ou resolvendo alguns quebra-cabeças. Boas inspirações, diga-se de passagem.


O problema é quando um de seus inimigos também é a câmera do jogo. Inúmeras vezes me prejudiquei por conta do mal posicionamento dela, principalmente nos confrontos contra muitos inimigos de uma só vez, e mais ainda contra os chefes. Em jogos de ação em terceira pessoa, é normal que a câmera saiba dar prioridade ao aspecto mais importante da situação. Em um combate, a prioridade são os inimigos, e contra um chefe a prioridade é o dito cujo.

Para exemplificar, vou citar Batman; qualquer um dos jogos da série Arkham vai servir para ilustrar. No momento dos combates, a câmera assume um ângulo mais aberto, permitindo que eu tenha a melhor visualização possível da área de luta. Nos chefes, mesmo que eu não esteja olhando diretamente para ele, a câmera o prioriza na hora que ele vai realizar alguma ação importante, como um ataque fulminante, me dando uma janela de oportunidade para reagir àquela ação.

Já em Kena, temos algo que lembra God of War (PS4), mas no game do deus da guerra existe um sistema de alerta que indica a direção e o grau de perigo do ataque, o que nos dá uma chance de realizar uma defesa ou se esquivar.


Aqui, mesmo utilizando a trava de mira, ela é facilmente desativada quando executo alguma outra ação, como mirar com o arco. Alguns inimigos, principalmente os chefes, parecem tirar vantagem desse problema ao se favorecerem com pontos cegos da câmera para me atacar. Até o momento em que me dou conta de que tem alguém atrás de mim e altero o campo de visão, o inimigo já desferiu um golpe, muitas vezes mortal. As batalhas também demonstram um padrão com poucas janelas de improviso, nos forçando a "seguir o roteiro" da luta.


A garota pode fazer uso de seu escudo, mas a energia dele é limitada. Quando esgotada, exige um tempo para recarga e Kena fica mais vulnerável. Há uma mecânica de desvio (parry) que exige muita precisão para que consigamos virar o jogo com um contra-ataque e se torna uma opção válida que exige muita prática para ser eficiente. Depender apenas dela se torna uma faca de dois gumes por depender de um ataque inimigo para sua ativação e exigir muita precisão para encaixar. A recuperação de vida também é bem limitada, tornando os erros mais punitivos e onerosos ao jogador.


Não há nenhum alerta ou sistema que me permita reagir rapidamente para evitar sofrer dano. É contar com a sorte e o sexto sentido mesmo. Ou então, aumentar a sensibilidade da câmera manualmente e “é o que tem pra hoje”. São pontos que considero ser bastante prejudiciais para quem for se arriscar na dificuldade Mestre, habilitada após terminar a campanha pela primeira vez.

A exploração também é prejudicada justamente pela falta de elementos simples para ajudar na orientação pelo mapa. Em jogos de mundo aberto, é comum ter alguma ferramenta que auxilie na orientação, seja uma bússola rudimentar ou mesmo um minimapa para indicar qual a direção em que estamos indo. Você sairia numa expedição na mata fechada sem algo pra se orientar? Pois é!

Com cenários muito semelhantes entre si, é fácil se perder ao se deslocar para algum ponto do mapa. Para evitar isso, precisei abrir o menu diversas vezes para ter certeza de que estava indo para o lado certo. Além disso, por se tratar de um título que conta com diversos itens colecionáveis, principalmente os Rot, que são coletados na casa das dezenas, a implantação de alguma ferramenta que auxiliasse na administração dessa atividade ajudaria bastante.

O mapa é dividido por regiões e em cada uma delas há um monitor da quantidade de colecionáveis a coletar. Além dos Rot, pequenos santuários, chapéus para os pequeninos e encomendas fazem parte da imensa quantidade de coisas para coletar. O trabalho para obter tudo seria menos chato se fosse possível marcar ou houvesse algo no mapa que indicasse que eu já passei por ali, otimizando meu tempo e agilizando essa atividade.

O máximo que o jogo fornece é uma habilidade de visualizar pontos de interesse ao utilizar alguma das máscaras do jogo. Ao colocá-la, temos uma perspectiva em primeira pessoa da visão de Kena e podemos ver objetos em destaque, como baús, cestos e caixas, e pontos de interesse na forma de um ícone indicando a direção do próximo objetivo principal e pegadas de Rot, que nos levam até locais onde uma das criaturinhas está escondida.


Áreas de meditação aumentam a vida máxima de Kena, mas também não estão marcadas no mapa. As únicas coisas disponíveis nele são a localização das carroças para comprar chapéus para os Rot e pontos de viagem rápida. São as únicas referências que temos que nos ajudam a ver se já passamos ou não por uma região.

Fica a dúvida se foi um desleixo da Ember Lab ao não se atentar para esses detalhes, visto que são novatos nesse ramo, ou se estavam tentando recriar padrões e tornar isso uma parte da experiência em Kena. Para mim, foi uma decisão mista, pois estimula o jogador a passear por mais tempo pelo jogo, mas ao mesmo tempo pode acabar se tornando uma tarefa longa e cansativa se o jogador não tiver disciplina na hora de sair para realizar as coletas. De qualquer modo, o colecionismo é opcional e não prejudica a jogatina como um todo. É algo que vai provocar apenas os “platinadores”.

Um belo começo

A Ember Lab mostrou uma enorme competência com Kena: Bridge of Spirits, o primeiro jogo de sua história. Um belíssimo enredo que nos transporta para um mundo totalmente novo e um jogo com desafios e atividades que vão agradar a todos. Estou ansioso para ver o que mais eles podem trazer no futuro, seja na forma de uma continuação ou mesmo uma nova narrativa.

Prós

  • Visuais e trilha sonora acolhedores;
  • História envolvente e emocionante;
  • Jogabilidade simples e bastante intuitiva;
  • Combate com habilidades especiais que deixam a jogatina divertida;
  • A exploração para obter todos os colecionáveis proporciona um tempo de jogo maior.

Contras

  • O combate tem poucas janelas para improviso;
  • O sistema da câmera cria situações de desvantagem nos combates;
  • Exploração com poucos elementos para auxiliar na navegação e obtenção de colecionáveis;
  • Tradução para o português com erros de escrita e tradução pontuais.
Kena: Bridge of Spirits — PS4/PS5/PC — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: PlayStation 4
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise feita com cópia digital cedida pela Ember Lab

Fã de Castlevania, Tetris e jogos de tabuleiro. Entusiasta da era 16-bit e joga PlayStation 2 até hoje. Jogador casual de muitos e hardcore em poucos. Nas redes sociais é conhecido como @XelaoHerege
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