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Análise: Evertried (Multi) é um roguelike brasileiro cativante e desafiador

Enfrente formidáveis desafios na escalada de uma perigosa torre mística.


O gênero roguelike é uma verdadeira faca de dois gumes para mim. O desafio que é sempre a principal característica deste tipo de jogo é o que me contagia ao mesmo tempo que me tira do sério. Quase um caso de amor! Outros aspectos que costumam me atrair para o gênero são o tema e a jogabilidade.


Evertried é um roguelike desenvolvido pelo estúdio brasileiro Lunic Games, fundado em 2019. O projeto foi financiado graças a uma campanha no Kickstarter, em que recebeu o apoio da Moonsailor no departamento musical durante o período. Com visuais simplistas em pixel art e uma trilha sonora cativante, fui novamente fisgado pelo gênero e agora trago minhas impressões sobre este interessante título com sangue brasileiro nas veias.

Sem memória, mas com um propósito

Em Evertried assumimos o papel de um ser que desperta no além-mundo sem qualquer memória de quem era ou o que fazia quando estava vivo. Deduz-se que ele seja um guerreiro por conta de suas vestes e a arma que empunha, uma foice flamejante. Com a orientação de outras entidades espirituais, descobrimos então que nossa tarefa é escalar uma torre, enfrentando inimigos e armadilhas até o derradeiro encontro com a Deusa, a única criatura capaz de realmente revelar qual nosso objetivo neste plano de existência.


A escalada da torre acontece em um ambiente 3D isométrico, com embates contra os inimigos realizados em um sistema de turnos, ou seja, cada ação realizada no “tabuleiro” equivale a um turno de ação, tanto para o jogador quanto para os adversários. Um movimento, um ataque, o uso de uma habilidade, enfim, qualquer ação faz um ciclo de tempo girar durante a passagem por um andar.

O desafio do jogador é atravessar os 50 andares da torre enquanto se fortalece fazendo uso de habilidades passivas e ativas adquiridas com fragmentos obtidos ao derrotar os inimigos. E, por ser um roguelike, acho que não preciso dizer que o fator sorte também influencia muito na jornada. Os andares são gerados de forma procedural, ou seja, cada nova jornada é totalmente nova na disposição de elementos, inimigos e armadilhas. Às vezes vem coisa boa, ou não.

Para cima nenhum santo ajuda

Os ambientes da torre são caracterizados a cada 10 andares. Cada um com seu tema, rol de inimigos e armadilhas, culminando em uma batalha contra o chefe nos andares a cada 10 rodadas. Os ambientes caracterizam bem o tipo de perigos de cada local. Nos primeiros andares temos um clima glacial, com pontos congelantes ou que nos fazem escorregar um passo a mais.


Nos dez seguintes, somos apresentados a um ambiente mais caótico, com plataformas que despencam do tabuleiro e chamas. Nos dez próximos temos uma área industrial de pisos com esteiras e escombros caindo do céu, e assim por diante. Os inimigos possuem comportamentos que querem confundir e desafiar o jogador, visto que o objetivo é derrotar todos para prosseguir ao próximo andar.

Da mesma forma que as armadilhas estão lá para prejudicar você, também podem ser usadas a seu favor, permitindo que os adversários sejam derrotados com mais facilidade. Na medida do possível procurei usar essas artimanhas para me ajudar a liquidar os inimigos de um andar com mais facilidade. É uma estratégia que pode ajudar muito, principalmente nos andares com muitos adversários.

Como estamos falando de um roguelike, a sorte muitas vezes não quis andar de mãos dadas comigo. Minhas jornadas muitas vezes culminaram em um fim precoce na primeira metade da viagem. Raramente chegava nos andares mais altos, acima do andar 30. Chegar no último, pelo menos até a redação desta análise, ainda era um objetivo a ser almejado por mim.


Uma mecânica que achei interessante, e que existe justamente para não deixar o jogador poderoso demais com facilidade, é o Focus. Ao derrotar inimigos, uma barra se preenche e ganha níveis. Quanto mais alto o nível, maior o número de fragmentos obtidos ao derrotar adversários e, consequentemente, suas compras nas lojas ficam mais fáceis por estar com os bolsos mais cheios.

Entretanto, o Focus também está diretamente relacionado às habilidades passivas que podemos obter durante a subida. O simples fato de equipar uma habilidade não implica em seu funcionamento imediato, pois exige que um nível de Focus seja atingido para que ela permaneça ativa.

Como exemplo vou citar o modificador Passos de Fogo. Quando a barra de Focus atinge o nível 3 a habilidade se comporta de uma forma, e quando chega no nível 8 faz essa modificação ser levemente aprimorada. Na imagem a seguir você confere em detalhes.


Outro porém é que a barra de Focus está sempre caindo. Para mantê-la alta o jogador não pode ficar parado por muito tempo sem realizar uma ação e deve derrotar inimigos quase que de forma constante. É uma mecânica com boa recompensa, mas ao custo de exigir que o jogador esteja sempre ativo.

As habilidades especiais são outra mecânica interessante em Evertried. Elas também são adquiridas nas lojas e, diferente das passivas, não dependem do Focus, mas de pontos chamados de Cargas. Cada vez que nos movemos sem fazer uso do Dash, uma técnica de movimento que permite se mover por dois espaços e ignorar a colisão, e abrindo mão de uma ótima vantagem, obtemos uma Carga, podendo ser acumuladas até cinco. As habilidades consomem determinados pontos e podem ser usadas com determinada frequência ao custo destes, e ao usar em demasia obtemos a Maestria dessas habilidades, alterando ligeiramente seu funcionamento.


Como exemplo vou citar a técnica das Runas Restauradoras. Quando usada, ela cria uma área de cura em forma de cruz e, ao ficar naquela área por três turnos, um ponto de vida é restaurado. Quando a primeira maestria é obtida, seu custo de uso aumenta, mas a área de atuação também é alterada, passando a agir em uma área quadrangular de 3x3 no tabuleiro.

As habilidades supremas, como o nome já implica, proporcionam uma grande virada de jogo, por isso são raramente obtidas, estando disponíveis apenas nas lojas dos andares mais altos, ou “acidentalmente” invocadas quando usamos a técnica da Conjuração Selvagem.


Quanto mais usamos essas habilidades, mais poderosas elas ficam e, consequentemente, nos ajudam em nossa jornada na escalada da torre. A derrota de um chefe adiciona um espaço adicional, permitindo que mais habilidades sejam adquiridas e equipadas. A partir daí, fica a critério do jogador dar preferência para as que achar mais convenientes para seu estilo de jogo: paredes de gelo para se defender de ataques, bolas de energia, portais, distrações de inimigos, dentre outros. São vários tipos de técnicas para os mais variados estilos de gameplay.

Não deve ser subestimado

Da mesma forma que fui atraído por Evertried por conta de seu visual, fiquei de certa forma espantado com o nível de desafio proporcionado por ele. É um daqueles jogos que faz jus àquele velho ditado do “não julgue um livro pela capa”. O que aparenta ser um jogo bonito e simpático na verdade é um formidável desafio, principalmente para o gênero roguelike.

Como disse no tópico anterior, chegar ao topo não é nada fácil, principalmente quando se está jogando as primeiras horas. Você ainda está conhecendo as habilidades, as técnicas e o padrão de comportamento dos inimigos. É aquele amadurecimento natural para este tipo de jogo. Depois de um bom tempo (e muitas mortes) a expertise do jogador vai melhorando e as primeiras etapas do jogo são ultrapassadas facilmente, deixando o desafio apenas para o que você ainda não enfrentou.


Eu mesmo, quando me dei conta das maestrias das técnicas especiais, comecei a usar com mais frequência para torná-las fortalecidas mais rápido. O mesmo se aplica aos modificadores, que atuam como habilidades passivas. Quando aprendi quais são realmente mais interessantes para meu tipo de jogo, ou mesmo o segmento da torre em que eu estava naquele momento, minha subida ia progredindo um pouquinho mais a cada nova tentativa. Horas e mais horas de tentativas, com um pouquinho a mais de progresso a cada vez.

Momentos injustos podem surgir por conta do fator sorte: uma habilidade boa que demorou a aparecer na loja, um grupo específico de inimigos que encurralou você ou mesmo o controle que no início prega algumas peças por conta do esquema de movimentação. Mas considero que dizer que Evertried é impossível é um tanto injusto. Apanhei muito, mas isso não foi desculpa para abandonar a jogatina viciante que ele proporciona. E eu já passei por situações piores, pra falar a verdade.


E isso nem é tudo. Após a conclusão do jogo pela primeira vez são liberados um modo difícil e um modo infinito nos quais é possível escalar a torre até onde você conseguir. Puxa vida, e eu achando que já não estava bom o suficiente. Lá vou eu tentar bater esse jogo pra ver como ele é difícil de verdade.

É do Brasil!

É muito bom ver um produto de qualidade vindo diretamente de talentos nacionais. Evertried é mais uma prova de que o Brasil tem potencial para bons jogos, principalmente no cenário indie. Não querendo puxar sardinha pro nosso lado, mas saber que um jogo tão bom quanto esse foi feito “aqui do lado” dá um calorzinho no coração. Além disso, é uma ótima adição ao gênero roguelike. Experimente!

Prós

  • Visual carismático e trilha sonora aconchegante;
  • Jogabilidade simples e intuitiva;
  • O sistema de maestria estimula o uso das habilidades especiais;
  • Nível de desafio excelente;
  • Modos extras adicionam um forte fator replay.

Contras

  • O esquema de controles pode gerar confusão ao jogar pela primeira vez;
  • Sorte é um fator que afeta diretamente o progresso;
  • Sem um tutorial mais elaborado, algumas informações só estão disponíveis nos compêndios.
Evertried — PC/PS4/XSX/XBO/Switch — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: PlayStation 4
Revisão: Thais Santos
Análise feita com cópia digital cedida pela Dangen Entertainment

Fã de Castlevania, Tetris e jogos de tabuleiro. Entusiasta da era 16-bit e joga PlayStation 2 até hoje. Jogador casual de muitos e hardcore em poucos. Nas redes sociais é conhecido como @XelaoHerege
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