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Análise: Frostpunk: Complete Collection (Multi) é a experiência definitiva do jogo nos consoles

Com elementos narrativos e de construção de cidades, obra de sobrevivência steampunk inova no gênero de estratégia.




No final do século XIX, durante a Era Vitoriana, uma série de eventos catastróficos afundou as temperaturas globais e desencadeou um colapso no mundo. Milhões morreram e a sociedade foi lançada em uma nova Era do Gelo. É nesse cenário frio e punitivo que se passa Frostpunk, um jogo sobre resistir a desafios durante o dia, sobre a determinação de sobreviver durante a noite e sobre a esperança de um novo amanhã.


O game da polonesa 11 Bits Studios é um RTS (estratégia em tempo real) de construção de cidades com muita atmosfera e ambiguidade moral. O jogador tem a missão de liderar algumas das últimas cidades do mundo em um cenário steampunk. Com mecânicas competentes e uma interface fácil de ser navegada — apesar de alguns problemas aqui e ali —, o destaque está principalmente nas escolhas que devem ser feitas para garantir a sobrevivência da raça humana. E a consequência delas.



Um sistema de leis permite ao jogador decidir quais regras a cidade deve seguir. Os operários poderão fazer turnos de 14 horas? As crianças devem ficar em um abrigo durante o dia ou trabalhar em lugares perigosos? Essas decisões afetam diretamente os índices de esperança e descontentamento da população, e cabe ao jogador saber equilibrar esses medidores e lidar com as consequências a curto, médio e longo prazo.

O jogo foi lançado originalmente em abril de 2018 para PC, ganhando uma versão para PS4 e Xbox One em 2019. Em julho deste ano, suas três expansões pagas — Fendas, O Último Outono e No Limite — chegaram aos consoles, e também uma nova versão do game, Frostpunk: Complete Collection, com as DLCs inclusas.

A última cidade da Terra

A versão base de Frostpunk conta com quatro cenários diferentes: Um Novo Lar, As Arcas, Os Regufiados e A Queda de Winterhome. Cada um representa diferentes facetas de como a humanidade está sobrevivendo. Um Novo Lar é a campanha principal. E a melhor. O jogador lidera um grupo de pessoas que saiu de Londres e marchou rumo a um grande reator baseado em carvão, que, se bem administrado, gera temperaturas habitáveis.

Mas não basta focar apenas na gestão de recursos. Os índices mais importantes não são os de carvão, madeira, aço e alimento, mas, sim, os de descontentamento e esperança da população de Nova Londres.

Jogar Frostpunk é estar em constante queda de braço com os moradores da cidade. Cada objetivo , seja principal ou secundário, afeta o descontentamento e a esperança dos habitantes, o que serve também como uma balança moral. Permitir o trabalho infantil, por exemplo, poderá ajudar a angariar mais recursos, mas vai abalar os ânimos da sociedade.

Essa batalha contínua é um dos pontos mais interessantes da obra. Nas quase dez horas em que levei para terminar a campanha principal, em nenhum momento estive confortável. Quando começava a me sentir seguro, novos problemas surgiam. A temperatura caía drasticamente, a mina de carvão não podia mais ser explorada, um grupo de pessoas ameaçava abandonar a cidade.



A grande nevasca

Assim como a descrição no primeiro parágrafo deste texto, a história de Frostpunk é intencionalmente vaga e aberta a interpretações. Não há nenhuma narrativa direta além das cutscenes iniciais. Ao invés disso, o jogador pode remontar os acontecimentos que levaram à Grande Nevasca a partir de fragmentos de lore obtidos durante o jogo.

Frostpunk é uma alusão direta ao gênero steampunk. Tecnologias avançadas com base em carvão e vapor são parte do mundo, como o próprio gerador central da cidade. Os autômatos, gigantescos robôs independentes, são de grande utilidade para coletar recursos sem precisar de mais operários.




Além do visual retrofuturista, as temáticas recorrentes do gênero também estão presentes aqui: o futuro pós-apocalíptico, as classes mais baixas lidando com um possível tirano, o progresso a qualquer custo. Elementos que remetem a outro steampunk atual que também se passa em um mundo coberto por neve, o filme O Expresso do Amanhã, de 2013.

Como acontece em This War of Mine, lançamento anterior da 11 Bits Studios, Frostpunk não tem medo de abordar temas políticos. Todo o cenário é uma clara alusão ao aquecimento global, mas, além disso, o game obriga os jogadores a questionar a própria moral humana. Realmente vale qualquer coisa pela sobrevivência? Até mesmo abandonar os mais fracos à própria sorte e institucionalizar arenas de luta para manter o povo entretido?



A engenharia

Para um jogo de escopo modesto, Frostpunk tem uma profundidade surpreendente em suas mecânicas. E as introduz muito bem. Nos primeiros dias, os sistemas são apresentados aos poucos, sem oferecer grandes desafios e dando espaço para erros, com tutoriais escritos quando necessário e que podem ser acessados a qualquer momento.

Um dos elementos centrais é, por motivos óbvios, a temperatura. Uma das principais preocupações ao longo do gameplay é manter a cidade aquecida, pelo menos na medida do possível. Tempestades acontecem em certos dias, deixando o clima ainda mais frio e exigindo mais trabalho para manter tudo funcionando.

É possível investir em melhorias na cidade por meio da árvore de tecnologias, já tradicional em games do gênero. Investindo tempo e recursos, consegue-se, por exemplo, aumentar o alcance e a potência do gerador, melhorar a eficiência das minas de carvão e dos caçadores — Mas cuidado: uma série de decisões erradas aqui pode virar uma bola de neve, com o perdão do trocadilho, e afetar toda a cidade.

Apesar de ser uma experiência muito imersiva, a campanha principal se estende um pouco além do que deveria. Alguns dias a menos só iriam beneficiar a campanha, que se torna um pouco monótona lá pela metade do cenário, antes de outros grandes eventos da história acontecerem.

No que diz respeito ao port para consoles, a 11 Bit Studios merece aplausos. As dificuldades de adaptar títulos de estratégia para um controle são conhecidas há anos, mas Frostpunk o faz muito bem. Eu já havia jogado alguns poucos minutos do jogo no PC e, apesar de não ser tão intuitivo, navegar pelos vários menus no PS4 é fácil. O game usa menus radiais para aproveitar a velocidade dos joysticks, uma solução encontrada por muitos jogos do gênero quando são adaptados para consoles.




Porém, existe um grande problema na hora de identificar cada prédio, já que não existem indicativos visuais óbvios. Eles são diferentes uns dos outros, mas conforme a cidade cresce, fica cada vez mais difícil discernir as construções. Quando se quer encontrar todos os postos médicos, por exemplo, resta ao jogador clicar em cada um dos prédios.

As outras campanhas

O cenário principal, Um Novo Lar, é a base para as outras campanhas de Frostpunk, incluindo DLCs, mas cada uma delas apresenta elementos novos que modificam o ritmo do jogo.

As Arcas é relativamente semelhante à história principal, mas em uma escala menor. O objetivo é cuidar de quatro edifícios onde os cidadãos podem se esconder de uma tempestade que está chegando. Neste cenário, é impossível conseguir novos habitantes para a cidade, então é preciso dar mais atenção à produção de autômatos.



Os Refugiados foca na população. Você controla uma das últimas cidades do mundo e refugiados começam a chegar até ela. Nesse cenário, as pessoas são classificadas em dois grupos sociais, que entram em conflito, e o desafio é impedir que esses problemas cresçam, além de decidir aceitar os grupos de pessoas que não param de chegar.

A Queda de Winterhome coloca o jogador na liderança de uma cidade depois de uma revolta contra o antigo líder. É o cenário que mais se distancia do principal e o mais interessante depois dele. Com uma cidade mal-planejada e um gerador prestes a pifar, a única forma de ajudar a população é reformando um grande veículo terrestre. O problema é que só algumas pessoas vão poder entrar.



As expansões

Os DLCs de Frostpunk fazem um bom trabalho de expandir a história original e adicionar novas mecânicas. Elas são uma ótima forma de continuar aproveitando o game depois de já ter jogado Um Novo Lar, principalmente com O Último Outono.

Lançado em agosto de 2019, Fendas acrescenta novos mapas ao Modo Sem Fim, basicamente a campanha principal, mas sem nunca acabar. O mais notável deles é o mapa Fendas, que inclui uma nova mecânica de fazer pontes. Por outro lado, sem a presença dos elementos narrativos, a melhor parte do game, o Modo Sem Fim definitivamente não é a forma ideal de se jogar Frostpunk.




O Último Outono é comparável à história principal. Às vezes até melhor. A expansão é um prólogo de Um Novo Lar e foi lançada em janeiro de 2020. Você é encarregado de construir um gerador, que é a última esperança de Liverpool, cidade onde se passa o DLC.
 
Em um cenário com árvores verdes, ainda sem a chegada da neve, novas mecânicas são apresentadas. Ao invés de se preocupar com a temperatura, o jogador deve estar atento ao prazo de construção do gerador e à segurança dos trabalhadores. Todo o livro de leis é mudado e há até uma nova trilha sonora.


A última expansão lançada foi No Limite, em agosto de 2020. Uma ideia legal, mas que poderia ser melhor. Esse DLC adiciona o conceito de diplomacia, mas ele acaba não sendo muito interessante. Você não pode escolher as próprias leis por alguns dias, há poucos recursos disponíveis e uma população pequena, o que resulta em pouca construção de cidade.
 
A história em No Limite também é abaixo da média quando comparada ao restante do jogo. A expansão introduz um antagonista tirano que não parece nada autêntico. Toda essa campanha acaba sendo uma versão menos interessante de As Arcas.



A experiência definitiva

Frostpunk é aclamado desde seu lançamento, em 2018. Essa nova versão para consoles veio para reafirmar o clamor. Com mecânicas bem-desenvolvidas e ótimos DLCs, um deles tão bom quanto a campanha principal, o título da 11 Bits Studio é essencial aos fãs de RTS.

O foco narrativo, como abordado aqui, não é comum em outras obras do gênero, como em SimCity, Tropico ou Age of Empires. Frostpunk cria uma lore consistente e aberta às mais loucas teorias de fãs, e escreve uma mensagem impactante a respeito de mudanças climáticas e a natureza humana — temas já muito abordados, mas dificilmente vistos dessa forma em um jogo de construção de cidades.


Frostpunk 2 já foi anunciado. Para quem quer jogar o primeiro antes, Frostpunk: Complete Collection é, com certeza, a experiência definitiva nos consoles. Porém, por causa de alguns problemas de interface, a versão original de PC ainda é superior.

Prós

  • Ótimo foco narrativo e político;
  • Mecânicas interessantes, principalmente o livro de leis;
  • A expansão O Último Outono é tão boa quanto o jogo base;
  • Versão muito bem adaptada para consoles.

Contras

  • Problemas para diferenciar os prédios;
  • Campanha principal poderia ser mais curta.
Frostpunk: Complete Collection - PS4/XBO - Nota: 9.0
Versão utilisada para análise: PS4 
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela 11 Bits Studio

Jornalista londrinense se aventurando na terra dos Beatles. Fã de metroidvanias e survival horrors, tentando entrar no mundo dos JRPGs. Opino sobre coisas que ninguém quer saber no Twitter.
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