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Análise: Scythe: Digital Edition (PC/Mobile) traz estratégia e conflitos em uma Europa distópica

Lidere sua facção em uma intensa campanha para ser a mais rica em um período retro futurista pós Primeira Guerra.


Jogos de tabuleiro existem desde as primeiras civilizações, datando de épocas que chegam a 5.000 a.C., na antiga Mesopotâmia. Muitos criados para ilustrar conflitos como o secular xadrez, instigar nossa curiosidade como o clássico Detetive, ou mesmo criar as famosas intrigas como no popular Banco Imobiliário. Um hobby que desperta a criatividade de quem cria e o interesse de quem joga, e até coleciona diversos jogos com diversificadas temáticas e jogabilidade cada vez mais estratégicas.


Sou um apreciador dos jogos de tabuleiro. O aspecto social, de reunir os amigos e passar horas jogando e confraternizando durante nossas partidas, foi uma das coisas que a pandemia me tirou há mais de um ano. Felizmente, a tecnologia e o talento de desenvolvedores ainda permitem que possamos nos reunir, mesmo que de forma virtual, para realizar nossas partidas. E um dos jogos que podemos continuar realizando nossas jogatinas de fim de semana mesmo em ambiente virtual é Scythe: Digital Edition.

Nesta análise relato sobre a incrível tradução literal que a Asmodee Digital conseguiu fazer deste excelente jogo e as vantagens e desvantagens desta versão em comparação com sua contrapartida de papel e plástico. “Walka, towarzysze!”

Uma Europa de outra 1920

Scythe foi criado com base nas ilustrações do artista polonês Jakub Różalski (@mr_werewolf). Sua inspiração é o início do século XX de uma Europa distópica, onde a simplicidade do campo se mistura com alta tecnologia industrial num estilo steampunk, além de animais fantásticos da mitologia local. Uma de suas principais ilustrações, chamada de Before the Storm, é a arte de capa do jogo original.


Como dá pra perceber logo de cara, estamos situados em um período que realmente não aconteceu, dadas as proporções fantasiosas que podemos ver. Com base nas ideias que inspiram a arte de Różalski, o designer Jamey Stegmaier criou e lançou uma campanha para o lançamento do jogo em 2015 no Kickstarter, resultando em uma arrecadação de 1,8 milhão de dólares, e lançando o jogo para os apoiadores do projeto em julho do ano seguinte, produzido e distribuído pela Stonemaier Games. Atualmente, é possível comprar o jogo em lojas especializadas e marketplaces.

Scythe se passa em 1920, em uma época em que as cinzas da Primeira Grande Guerra ainda escurecem o branco da neve. Uma cidade-estado capitalista conhecida como ‘A Fábrica’ fechou suas portas para o mundo. O local é um rico depósito de recursos como combustível fóssil e robôs mecanóides, e agora diferentes países vizinhos estão de olho nas riquezas deste lugar.

Aqui, cada jogador representa o líder de uma destas facções na tentativa de restaurar a honra e o poder de seu país, para assim torná-lo o mais poderoso da Europa Oriental. Por meio da conquista de territórios, os jogadores produzem recursos, recrutam novos membros para seu exército, cuidam de camponeses, constroem estruturas e despacham monstruosas máquinas de metal para a batalha pelo poder absoluto do continente.

Estratégias, conflitos e astúcia

Scythe é um jogo de estratégia e gerenciamento de recursos. Há momentos de conflito que resultam em batalhas campais contra os adversários, mas dependendo da abordagem do jogador, é possível vencer sem precisar iniciar um duelo sequer. Até cinco jogadores podem realizar partidas que duram uma média de 75 minutos. Com a adição da expansão ‘Invaders from Afar’, mais duas facções foram adicionadas ao jogo e o número total de jogadores sobe para até sete.

Cada participante dispõe de dois tabuleiros próprios para jogar, que são escolhidos via sorteio: um da facção, indicando quais são as habilidades especiais que seus subordinados e herói podem realizar em campo, e um tabuleiro de ações, que dita as atividades que o jogador pode tomar em cada rodada para realizar as diversas atividades na partida –: criação de recursos, mover tropas, aprimoramento de ações, construção de estruturas, despachar mechas, dentre outras.


Realizando diversas atividades no decorrer da partida, os jogadores têm objetivos diversos durante a campanha:
  • Complete todos os 6 aprimoramentos;
  • Implante todos os 4 mechas;
  • Construa todas as 4 estruturas;
  • Aliste todos os 4 recrutas;
  • Tenha todos os 8 trabalhadores no tabuleiro principal;
  • Revele 1 carta de objetivo completo;
  • Ganhe combates (até 2 vezes);
  • Tenha 18 de popularidade;
  • Tenha 16 de poder.
A partida prossegue até que um jogador consiga sua sexta Estrela de Triunfo. Cada uma é obtida ao realizar um dos objetivos acima. Porém, o jogador que conquistou a sexta estrela não é declarado o vencedor. O objetivo é ser o país mais rico, financeiramente, com base no número de conquistas obtidas, o número de territórios e recursos que estão sob seu poder no fim da partida, e no nível de popularidade de sua facção.

Alguns bônus adicionais podem ser atribuídos dependendo da disposição de suas unidades no tabuleiro também, mas isso depende de diversos fatores, como a ativação destes bônus e se alguma condição não permite que sejam usados. Ser o jogador que controla a Fábrica no fim da partida também rende pontos extras. Em todo caso, mesmo um jogador que tenha obtido a sexta estrela pode não ser o vitorioso por conta destas várias condições impostas pelo jogo.

Cada facção possui suas particularidades:
  • Rusviética (Implacável): Você pode escolher a mesma ação no seu Tabuleiro de Ações realizada no turno anterior. Os jogadores não podem realizar a mesma ação em duas rodadas seguidas. Essa regra não se aplica para a Rusviética;
  • Crimeia (Coerção): Uma vez por turno, você pode gastar uma Carta de Combate como se fosse um recurso qualquer. As cartas de combate podem ser usadas combinadas com seus pontos de poder durante a resolução de conflitos contra os adversários. A Crimeia pode usar uma destas cartas para complementar seus recursos na hora de desenvolver ou construir estruturas;
  • Nórdicos (Anfíbio): Seus trabalhadores podem atravessar rios, algo que apenas o Herói e os mechas podem fazer;
  • Polônia (Audacioso): Escolha até duas opções por Carta de Evento. As cartas de evento são obtidas em pontos determinados no tabuleiro. Ao obter uma, o jogador deve selecionar uma das três opções disponíveis para lhe favorecer. A Polônia pode escolher duas;
  • Saxônia (Dominante): Não há limite para o número de conquistas (estrelas) que podem ser obtidas por completar objetivos e vencer combates. A lista de objetivos acima, com exceção dos combates, que podem render até duas estrelas, só podem ser concluídos uma vez para todas as facções, exceto a Saxônia. Se ela quiser conquistar todas as seis estrelas por meio de combate ou as duas tarefas de sua carta de objetivo no início do jogo, ela pode.

Os jogadores também ampliam suas habilidades conforme despacham mechas no tabuleiro. O máximo para cada país é quatro, e os jogadores não precisam obedecer uma ordem para soltá-los no campo quando já possuem recursos para tal. As melhorias incluem um número maior de territórios para se movimentar, atravessar determinados territórios ou vantagens na produção de recursos ou na resolução de batalhas.

Cabe a cada jogador desenvolver sua estratégia para cumprir os requisitos necessários para finalizar o jogo na hora certa ou se preparar para uma possível reviravolta de um adversário para não ser pego de surpresa quando isso acontecer. Como dito acima, o vencedor é aquele que conseguir maior riqueza com base no que construiu ao longo da partida.

Físico vs. Digital

Depois de um panorama bem resumido sobre o ambiente do jogo, agora vamos abordar as principais diferenças para sua contraparte digital, o foco de nossa análise. Scythe: Digital Edition é uma tradução literal do premiado jogo de tabuleiro. As mesmas regras da versão original se aplicam para o ambiente virtual, tirando vantagem das comodidades proporcionadas por esta plataforma, como a trilha sonora, sons e o fato de não precisar de uma mesa grande para montar o tabuleiro na hora de jogar.

A primeira versão foi lançada para PC, via Steam, em setembro de 2018 e transporta em detalhes tudo o que há disponível em sua versão física para um ambiente em 3D que não exige uma máquina muito potente para rodar. Além disso, uma das maiores vantagens que vi nesta versão, quando a joguei em 2019, é que está devidamente localizada para o português brasileiro, diferente do tabuleiro original, que está em inglês.

Com regras bem elaboradas, mas que são facilmente assimiladas depois de algumas partidas de teste, a versão digital traz a comodidade de guiar o jogador em cada ação executada, permitindo que a chance de cometer algum erro seja minimizada. Claro, o jogador pode acabar fazendo algum movimento errado em questões estratégicas, mas em nenhum momento será prejudicado por ter deixado de realizar alguma ação por estar distraído. É possível jogar contra o computador e ajustar a dificuldade, auxiliando no aprendizado para quem é novato e na ambientação para quem veio do tabuleiro original.

As ações disponíveis para cada rodada ficam destacadas sempre que disponíveis, exigindo apenas o clique do jogador e a confirmação da ação, antes do prosseguimento da partida. Menus estão disponíveis para uma consulta durante sua fase de espera para saber exatamente o que cada ação faz, além de placares do jogo mostrando a situação de cada jogador na partida.


A versão digital conta ainda com a comodidade de jogar online com amigos ou mesmo outras pessoas na rede da Asmodee Games. Dá até pra assistir partidas de outros jogadores, permitindo aprender novas estratégias e truques. Basta criar um cadastro simples para ter acesso à rede do jogo e procurar pessoas para jogar alguma partida. Assim como outros jogos de tabuleiro digitais, mesmo que um jogador se desconecte durante a partida, os demais podem realizar suas ações normalmente até que a vez do ausente chegue.

A partida aguardará o retorno do jogador durante um período de tempo pré-determinado pelo criador da partida para que ele realize suas ações e o jogo tenha prosseguimento. Uma ferramenta de chat via texto também está disponível para proporcionar um meio de comunicação entre os jogadores. Caso não retorne, o jogador perde sua rodada.

Em setembro de 2020, Scythe: Digital Edition recebeu uma versão para sistemas Android e iOS, devidamente adaptado para estas plataformas e com as mesmas comodidades da versão para PC. O destaque nesta versão é a possibilidade de poder jogar com quem tem o game no Steam, ampliando a acessibilidade para quem gosta de jogar online. Em dispositivos intermediários, o jogo roda sem muitos problemas. A título de parâmetro, o que utilizo é um Motorola Moto X4.


Nesse ponto, uma das inconveniências que notei ao comparar estas duas versões do game foi a impossibilidade de aproveitar o conteúdo extra adquirido. A expansão ‘Invaders from Afar’ que citei anteriormente não é compartilhada entre as versões, ou seja, se você comprou o jogo e o DLC no Steam, essa compra não é aproveitável na versão mobile, e vice-versa. Mas pelo game ser consideravelmente muito mais barato que sua versão em tabuleiro, não chega a ser um problemão.

Fora isso, ambas as versões do game são extremamente competentes em sua proposta, apresentação e execução. No meu caso, escolhi a versão mobile por conta da comodidade e praticidade. Apenas o consumo de bateria que chega a ser incômodo por conta do tempo longo das partidas, então deixo a dica de jogar com uma bateria externa à disposição, por exemplo. É possível, inclusive, tanto no PC quanto no smartphone, jogar localmente, visto que a jogabilidade é alternada entre os jogadores. Afinal, ainda é um jogo de tabuleiro, não é mesmo?

Não substitui o tabuleiro, mas ainda é excelente

Scythe: Digital Edition se mostrou uma das melhores traduções de um jogo de tabuleiro que tive a oportunidade de experimentar. A vivência de ter contato com sua versão original obviamente me ajudou quando fui transportado para a Europa distópica de 1920 virtual e também me ajudou a ver o quão bem feito o trabalho da Asmodee Games ficou nesta adaptação.

Veteranos vão sentir falta de movimentar peças de verdade, contar moedinhas e até desmontar depois de jogar, mas garanto que vão concordar comigo na qualidade que se manteve na versão digital deste excelente jogo. Obviamente não substitui o charme do jogo original, mas é uma ótima alternativa para criar uma rotina com os amigos de tabuleiro.

Prós

  • Excelente tradução do jogo original para o ambiente virtual;
  • Trilha e efeitos sonoros criam um ambiente de imersão muito bom;
  • Partidas contra o computador e outros jogadores localmente ou online para até cinco jogadores (sete com a expansão);
  • Ótimo custo-benefício;
  • Totalmente localizado para o português brasileiro.

Contras

  • Tempo longo de partida (média de 75 minutos) pode ser pouco convidativo para jogadores mais casuais;
  • Compras em diferentes plataformas não são aproveitadas;
  • Alto consumo de bateria na versão mobile.
Scythe: Digital Edition – PC/Android/iOS – Nota: 9.0
Versão utilizada para análise: Android
Revisão: José Carlos Alves
Análise feita com cópia digital adquirida pelo redator

Fã de Castlevania, Tetris e jogos de tabuleiro. Entusiasta da era 16-bit e joga PlayStation 2 até hoje. Jogador casual de muitos e hardcore em poucos. Nas redes sociais é conhecido como @XelaoHerege
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