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Análise: Atelier Mysterious Trilogy DX (Multi) conta com RPGs experimentais, mas é o ponto baixo da franquia

Com algumas falhas de design e problemas técnicos, a trilogia está abaixo do usual da série Atelier.

Com lançamentos anuais, a série Atelier inclui uma variedade de RPGs curiosos usualmente focados na síntese de itens através da alquimia, muitos deles com narrativas cotidianas. Infelizmente, Atelier Mysterious Trilogy DX acaba sendo menos interessante do que o usual. Apesar de contar com personagens carismáticos, os seus problemas técnicos acabam tornando a experiência menos agradável.

Sophie, Firis, Lydie e Suelle

Iniciada em 1997 com Atelier Marie (PS1), a série Atelier tem títulos lançados anualmente e divididos em trilogias (ou duologias em alguns casos) de histórias conectadas. Como forma de relançar alguns dos jogos da franquia e torná-los acessíveis nas plataformas atuais, a Koei Tecmo tem lançado pacotes DX das trilogias.

Após Arland e Dusk, a empresa optou por relançar a trilogia Mysterious. Com títulos lançados originalmente entre 2016 e 2018 no Ocidente, o pacote é uma escolha um pouco estranha. Afinal, todos os jogos em questão (Sophie, Firis e Lydie & Suelle) já estavam disponíveis no PC e no PS4. E mesmo que Sophie seja novidade para o Switch, sistema que ainda não estava no mercado durante seu lançamento, não há boas justificativas para lançar o pacote e tirar as suas versões anteriores das lojas.

Falando sobre os títulos especificamente, novamente a Gust construiu três obras com conceitos bem diferentes entre si. No entanto, há uma sensação mais forte de experimentação, no lugar de jogos devidamente polidos. Mesmo se tratando de relançamentos, as adições não deram conta de corrigir isso.

O primeiro título da coletânea é Atelier Sophie, em que a garota que dá nome ao ateliê encontra um misterioso livro entre os pertences de sua avó já falecida. Além de falar e voar, o suposto objeto afirma se chamar Plachta e ter memórias importantes relacionadas à alquimia. No entanto, suas memórias são falhas e ela precisa da ajuda de Sophie para recuperá-las.

Dos três jogos, esse é o mais simples em ambição, seguindo a fórmula básica da série sem utilizar nenhum sistema de limite de tempo. Enquanto procura as memórias de Plachta, o jogador terá que obter itens, lutar contra monstros e realizar quests para os cidadãos do vilarejo de Kirchen Bell, onde Sophie mora.

Por outro lado, o título introduz um sistema bastante complexo de alquimia. Nele cada item é representado como se fosse uma peça de um puzzle como Tetris e é necessário encaixá-lo em um tabuleiro (que varia ao longo do jogo conforme Sophie compra e sintetiza novos caldeirões). As qualidades do item dependem bastante das escolhas de posicionamento de peças.

Efeitos específicos como maior dano de bombas ou a habilidade de reduzir a defesa dos adversários podem ser ativados se o jogador souber utilizar esse sistema corretamente. Porém, caso duas peças ocupem um quadrado igual, a última a ser colocada sobrepõe a primeira, eliminando-a completamente e gerando um espaço vazio no tabuleiro.

O caldeirão utilizado também faz bastante diferença, sendo possível utilizar tabuleiros maiores ou alterar a orientação das peças graças a seus atributos. De forma geral, o sistema de alquimia de Sophie é desnecessariamente complexo, complicando a produção de itens com uma espécie de puzzle que demanda muito tempo para se aproveitar. Comparando com os outros jogos da série, o domínio dos seus elementos é mais demorado e não há nenhum benefício particular dessa mecânica.

O sistema de batalha também é problemático. Nele, o jogador deve selecionar as ações de todos os personagens para o turno, sendo possível organizar as jogadas em função do seu posicionamento temporal. Além disso, todos os personagens podem assumir posturas ofensivas ou defensivas, cuja função na verdade está relacionada à ativação de habilidades especiais em equipe (como ataques consecutivos ou defesa de aliados).

Porém, a defesa funciona de forma aleatória. Ou seja, todos os personagens que estão no modo defensivo podem ativar a guarda para outros aliados. Isso significa que em algumas ocasiões, um personagem de HP menor pode morrer para defender outro que tinha HP suficiente para receber o golpe.

Já o segundo título, Firis, é mais ousado, abordando o conceito de uma alquimista que se aventura por um vasto mundo para realizar um exame em Reisenberg dentro de 1 ano, retornando ao sistema de limite de tempo da série. As áreas do jogo são maiores do que o usual e repletas de sidequests, assim como fogueiras que servem como pontos para abrir o seu ateliê portátil. Além de alquimia, o local permite recuperar os HPs dos personagens e o LP da equipe, que funciona como uma espécie de stamina que leva a um retorno forçado ao ateliê caso chegue a 0.

Vale destacar que, a princípio, é possível apenas viajar entre pontos marcados dentro de um mesmo mapa. O Fast Travel entre mapas, elemento típico da série, precisa ser desbloqueado realizando sidequests específicas. Durante meu tempo com o jogo encontrei problemas de interação com objetos a coletar e áreas com desníveis desnecessários que atrapalhavam a movimentação e precisavam ser pulados.

No entanto, o que realmente foi um grande problema foi quando cheguei a Reisenberg para realizar o exame e a personagem necessária não estava presente, me impedindo de concluir o jogo, mesmo já tendo obtido todos os requisitos. Acredito que eu precisava ativar alguma cutscene no meio do caminho e acabei passando por ela de alguma forma. Uma pena que essa possibilidade não foi considerada pelos desenvolvedores, até porque não há nenhum indicativo de onde eu deveria ter ido nem uma fala da recepcionista do local que me indicasse o paradeiro da personagem que deveria ativar o exame.

Uma das quests principais do jogo, que leva à obtenção de uma recomendação para o exame final, também teve seu texto trocado. Graças a isso, o menu acaba atrapalhando o jogador e indicando uma atividade que nada tem a ver com a missão necessária. Isso acontece no vilarejo de Dona, na região inferior do mapa da White Fog Forest.

Em termos dos sistemas principais do jogo, a alquimia é bem similar à de Sophie. Ainda é necessário realizar o encaixe de itens, mas quanto mais o jogador produz um determinado item, maior é o nível de proficiência nele, abrindo a possibilidade de girar os materiais na hora de produzi-lo. No lugar de caldeirões, o jogador pode utilizar alguns itens como catalisadores para mudar a disposição dos bônus no tabuleiro, que são fixos em vez de baseados no posicionamento consecutivo de materiais.

Já as batalhas contam com várias melhorias que as tornam mais agradáveis. Não há mais as posturas de batalha e a defesa permite escolher um aliado para proteger Firis quando ela é alvo de ataques. Para isso é necessário gastar um pouco da energia da barra de chain, que também serve para ativar o chamado Chain Burst. Quando a barra enche, o jogador pode realizar combos com habilidades e/ou itens entre aliados que têm turnos consecutivos antes de um inimigo. Esse sistema como um todo é mais funcional do que o de Sophie.

Por fim, Lydie & Suelle traz a história de duas irmãs gêmeas que sonham em ter seu ateliê reconhecido como o melhor. Elas decidem participar de uma competição no seu reino que serve para avaliação e ranking dos ateliês. O detalhe mais curioso da obra é que as personagens acabam se envolvendo com pinturas misteriosas que possuem mundos próprios.

Graças a isso, elas acabam indo parar em áreas bastante exóticas, como um cemitério e uma caverna de gelo. Com isso, o jogo oferece áreas mais variadas e interessantes do que os outros dois jogos. O sistema de alquimia finalmente permite virar os materiais à vontade no tabuleiro e, em vez de apagar completamente os blocos antigos dispostos no tabuleiro, mantém os pedaços coloridos que não são totalmente cobertos por novos blocos.

No entanto, com cada material podendo ser associado a múltiplos blocos de cores variadas e um fator astrológico que afeta os efeitos dos materiais na produção do item, há novamente vários elementos desnecessários. Mesmo assim, a retirada da restrição que destruía blocos já colocados anteriormente e os bônus fixos ao tabuleiro fazem dele o sistema mais maleável e interessante dos três.

As batalhas mantêm a questão da defesa apresentada em Firis, mas reduz a equipe (antes quatro, agora três personagens) em troca do acréscimo de personagens parceiros, sistema já apresentado em títulos anteriores da série, como Escha & Logy. Com isso, determinadas ações podem levar à ativação de técnicas de follow-up pelos aliados que estão em posição de suporte.

Com deadlines apenas para tarefas enviadas pelos cidadãos, o jogo é o mais bem resolvido dos três, apresentando sistemas sólidos e funcionais. Mesmo os elementos mais supérfluos de alquimia que mencionei não atrapalham realmente a experiência.

Vale destacar também que nos três títulos existe um sistema de Recipe Ideas. Conforme realizam determinadas ações, que incluem coleta, síntese, batalhas e exploração, as alquimistas irão aprender novas receitas. É possível ler os requisitos no menu, mesmo que nem sempre eles sejam claros e diretos.

Pequenas adições

O pacote DX conta com algumas novidades em comparação com os lançamentos originais. Além de um modo foto, artbooks digitais e a possibilidade de acelerar as batalhas, cada um dos jogos teve alguns conteúdos adicionados. Em Sophie, há uma nova roupa e quests relacionadas à sua avó. Já Firis conta com quests opcionais que liberam veículos para a exploração. Por fim, Lydie & Suelle tem agora uma nova área desbloqueável baseada em Nelke & The Legendary Alchemists. Também vale destacar a possibilidade de utilizar as trilhas de jogos anteriores da Gust.

Apesar de elementos interessantes para fãs da série, é uma pena que a equipe optou por manter os jogos como estavam e apenas adicionar essas novidades. Por um lado, os personagens são bastante carismáticos e as suas narrativas cotidianas são divertidas, estando bem alinhadas com o que a série costuma fazer. Por outro, Sophie e Firis são títulos cujo gameplay é bastante problemático, e recomendá-los é difícil, sendo o relançamento incapaz de resolver mesmo alguns dos seus problemas técnicos. Pelo contrário, em alguns momentos os jogos sequer abriam no meu computador, agarrando na tela de loading do vídeo de abertura.

De forma geral, tendo já jogado todos os títulos da série lançados no Ocidente, Atelier Mysterious Trilogy DX é o ponto mais baixo da franquia. Enquanto Lydie & Suelle apresenta um jogo melhor estruturado, os dois primeiros tentam experimentar com a fórmula, mas acabam fazendo decisões de design problemáticas. Firis em particular conta com um bug desagradável que pode impedir o jogador de realizar o seu exame final. Fãs da série provavelmente irão se divertir com os títulos à sua maneira, mas a nova edição também não se justifica para quem já jogou a trilogia originalmente.

Prós

  • Personagens carismáticos que movimentam narrativas cotidianas;
  • Lydie & Suelle conta com áreas diversificadas e gameplay funcional;
  • Firis apresenta mapas maiores e várias sidequests.

Contras

  • Novidades pouco relevantes para um relançamento em plataformas que já possuíam os títulos;
  • Firis conta com um bug que pode fazer o jogador não ter como ativar o exame final;
  • Sistema de síntese baseado em encaixe é desnecessariamente complexo;
  • Vários pequenos bugs, assim como a possibilidade de o jogo agarrar na tela de loading inicial;
  • Sistema de postura em Sophie funciona de forma estúpida.

Atelier Mysterious Trilogy DX – PC/PS4/Switch – Nota: 7.0
Versão utilizada para análise: PC

Revisão: Ives Boitano
Análise produzida com cópia digital cedida pela Koei Tecmo


é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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