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Análise: Nioh 2 — The Complete Edition (PC): visceral, viciante e extremamente divertido

Pouco menos de um ano após seu lançamento original, a aventura da Team Ninja chega ao PC em uma edição completa, definitiva e imperdível.

São quase quatro horas da manhã de um domingo. Meus olhos cansados e meus reflexos já não tão precisos denunciam que eu já devia ter parado de jogar Nioh 2 - The Complete Edition (PC) há pelo menos duas horas. Mas um chefe em especial, chamado Yatsu-no-Kami, me impede de ter um sono tranquilo; após mais de quinze tentativas seguidas, o Yokai insiste em me derrotar facilmente, como se fosse a primeira vez que adentro seus domínios.


Se tem algo que eu odeio, é desistir. Justamente por isso, a certa altura daquela madrugada fui dormir meio irritado, mas não sem antes buscar mais informações sobre como tornar o embate contra o deus serpente um pouco menos complicado pro meu lado. Dito e feito: na tarde do dia seguinte, consegui eliminar o Yokai após uma série de novas tentativas, em uma luta que julgo digna de um anime. O que se seguiu, além do alívio profundo de toda a tensão acumulada de véspera, foi a sensação de dever cumprido e de estar realmente se tornando um guerreiro mais forte.

Hoje, dias após todo o ocorrido, posso afirmar que a obra mais recente da Team Ninja é repleta de momentos que podem proporcionar esses sentimentos aos jogadores. Embora não seja perfeito, aqui está um título que se mostra cada vez mais especial conforme exploramos seus sistemas, o que torna a sua chegada ao PC nesta edição completa ainda mais marcante. Por isso, caro leitor, lhe convido a preparar suas melhores armas e magias e adentrar o universo Yokai em nossa análise.

O mundo Yokai

Nioh 2 — The Complete Edition se passa em um mundo baseado no período Sengoku, uma das fases mais conturbadas e instáveis da história do Japão. Neste universo fictício, os Yokai são figuras proeminentes; portanto, caso você nunca tenha ouvido falar do termo, aqui vai uma breve explicação: Yokai são, basicamente, seres sobrenaturais do folclore japonês. Por sua abrangência de significados, o vocábulo não consta com uma tradução literal em português, abarcando desde “assombrações” a “monstros” e “deuses”. Presentes em diversos mangás, animes e games, os Yokai frequentemente são tidos como criaturas misteriosas e fascinantes pelos humanos.

Nossa aventura se inicia na província de Hino, onde assumimos o controle do protagonista, chamado de Hide. Conforme descobrimos ao longo da história, Hide é um mestiço, fruto do relacionamento proibido de um humano com uma bela e poderosa Yokai. Infelizmente, quando o guerreiro ainda era criança, sua mãe foi assassinada na sua frente por uma figura misteriosa, em uma visão que até hoje o atormenta em sonhos. 

Desde esse fatídico dia, o jovem sobrevivente acabou vivendo uma vida isolada, ganhando seu sustento peregrinando como mercenário e caçador de Yokai até conhecer o mercador Tokishiro, que o alerta para a existência de pedras espirituais detentoras de grande poder, incluindo o potencial para possivelmente acabar com a guerra entre humanos e Yokai. Por fim, os dois terminam por firmar uma improvável parceria para ir em busca de tais tesouros.

Sem entrar no mérito dos spoilers, apesar de seu início lento, a história de Nioh 2 logo assume traços bem interessantes, que certamente agradarão fãs da cultura oriental e da história do Japão. Um ponto importante é que a narrativa se passa antes dos eventos do primeiro Nioh (PS4/PC), então novatos na franquia podem começar por este título sem preocupações. Por sua vez, jogadores veteranos terão uma ou outra surpresa reservadas e bem-vindas referências ocasionais ao primeiro jogo.

O caminho do guerreiro

Sou daqueles que acreditam que o óbvio precisa ser dito, então vamos lá: como todo bom soulslike, Nioh 2 — The Complete Edition é um jogo difícil. Muito difícil. Talvez extremamente difícil, dependendo do seu grau de paciência e do seu nível de intimidade com o gênero iniciado pela célebre franquia Souls.

Há diversos jogos nos quais você consegue progredir somente com a força bruta adquirida com níveis ou equipamentos, mas não é esse o caso aqui. Embora possuir um bom set de armadura e níveis a mais ajude (como em todo ARPG), qualquer inimigo relativamente comum carrega o potencial de matar seu personagem caso você seja displicente em confronto. 

Se por um lado esse fato pode ser traduzido como “mais fracassos que o habitual” e a impossibilidade de praticar a arte do button mash, por outro ele demonstra a riqueza de nuances do sistema de combate do título, que frequentemente aflui para algo comparável a uma luta de artes marciais, onde saber a hora de atacar, defender e esperar é imprescindível para o sucesso.

Arte das mãos ocupadas

Tão importante quanto essa sabedoria é o domínio das ferramentas à disposição. Logo ao iniciar o título e passar pelo elogiável sistema de criação de personagens, o jogador entrará em um breve tutorial, no qual aprenderá o básico dos sistemas do jogo e poderá escolher a sua arma dentre as nove destinadas ao combate corpo a corpo: Espada, Espadas Duplas, Machado, Kusarigama, Odachi, Tonfas, Machadinhas, Switchglaive e Lança. Achou muito? Ainda há três armas extras que serão obtidas posteriormente, voltadas para alvos a longa distância: Arco, Rifle e Canhão de Mão. 

Com um total de 12 (!) opções de armas e três posturas possíveis (alta, média e baixa), há uma imensidão de variações possíveis de jogabilidade. Jogadores que gostam de armas leves e de estar próximos a seus inimigos provavelmente se sentirão em casa com as espadas duplas ou com as tonfas; já aqueles que prezam pelo alto dano em poucos golpes possivelmente escolherão o machado ou a lança. 

Há opções para todos os estilos, na verdade, e algo que definitivamente merece elogios é o fato de que não há uma arma inviável ou pior que as outras — todas são perfeitamente utilizáveis ao longo do jogo. Outra menção positiva é a do incentivo à experimentação por parte da Team Ninja; frequentemente você receberá novas variantes como recompensas por derrotar inimigos, e como o protagonista pode portar simultaneamente duas armas principais e mais duas de longa distância (e alternar entre elas com uma simples combinação de botões), não há desculpa para não testar ao menos uma combinação nova de vez em quando.

Em minha jornada particular, por exemplo, acabei desenvolvendo um grande apreço pelo machado, por sua grande capacidade de dano e moderado prejuízo à velocidade, mas fiz questão de experimentar diversas armas extras para cada situação e de estocar sempre uma boa quantidade de munição para meu arco e meu rifle, que foram de grande ajuda para minar confrontos com múltiplos adversários.

A fera interior

Como Nioh 2 é também um RPG de ação, é preciso que o jogador se mantenha atento a diversos atributos, sendo uns mais importantes do que outros. Um aspecto essencial para a sobrevivência é o Ki, que na prática funciona como uma barra de stamina ou de energia, ficando logo abaixo do medidor de vida na tela. Praticamente toda ação crucial, como atacar, defender e se esquivar, consome Ki, que se regenera com o tempo de acordo com seus stats

Se por algum motivo Hide esgotar seu Ki, ficará imóvel e poderá sofrer um agarrão, que muitas vezes é mortal. Como essa máxima também é válida para inimigos (tanto Yokai quanto humanos), na grande maioria dos confrontos vence quem gerencia melhor sua energia. Isso significa saber o momento certo de se movimentar (nada de se esquivar como um louco ou somente ficar defendendo) e, principalmente, dominar três mecânicas-chave do título: o Ki Pulse, o Burst Counter e a forma Yokai.

Iniciando pelo Ki Pulse (ou Pulso de Ki), toda vez que o jogador desfere um ataque é possível observar pequenos sinais azuis luminosos que rapidamente se juntarão ao redor dele antes de desaparecer. Apertar o R1, RB ou tecla equivalente no momento certo, quando houver uma grande quantidade desses artefatos em volta do personagem, emite uma onda de energia purificadora, que permite que a barra de Ki se recupere muito mais rápido que o usual.

Posto que, como dito, a maior parte das ações básicas do jogo faz uso do elemento, este é um recurso indispensável para o sucesso. Em certas ocasiões, Hide também precisará adentrar instâncias do Reino Sombrio — locais belos, misteriosos e sinistros, nos quais Yokai ficam mais fortes e humanos perdem Ki de forma mais rápida —, o que significa que você será uma presa extremamente fácil caso não tenha cuidado ao manejar sua energia.

Já o novo Burst Counter é um movimento que varia de acordo com o seu espírito guardião, escolhido no início do jogo. Se utilizado no momento certo, quando o adversário emite um brilho vermelho, se torna um poderosíssimo contra-ataque, capaz de drenar o Ki de humanos e Yokai (incluindo chefes) e deixá-los expostos durante um certo período de tempo. 

Por último, por ser um mestiço, Hide consegue entrar em sua forma Yokai quando sua barra de Amrita (substância que é adquirida em baús, caixas e ao derrotar inimigos) estiver cheia. Nesse modo temporário, que pode ser comparado a um superpoder, tanto a vida quanto o Ki do jogador são substituídos pela barra Yokai, que se degenera com o tempo ou ao sofrer dano. Além de ser muito legal, se transformar no momento certo pode mudar o rumo de uma batalha, se configurando em mais um recurso valioso para os jogadores enfrentarem os desafios propostos pelo título.

Misterioso e convidativo

Em termos de gameplay, Nioh 2 geralmente segue a cartilha do gênero soulslike, com estágios recheados de inimigos e um chefe principal como objetivo final de uma missão. Graças às funções multiplayer, é possível convidar até outros dois jogadores para sua partida, ou se candidatar a ajudar outros guerreiros. Mas, tanto sozinho como acompanhado, devo dizer que fiquei impressionado e positivamente surpreso com o level design das missões — frequentemente é possível descobrir atalhos, rotas alternativas cheias de Yokai e áreas secretas, o que é sempre um bônus para aqueles jogadores que gostam de explorar cada canto de uma determinada localidade.

Confesso inclusive que, com certa frequência, demorei mais que o necessário em uma área somente pelo prazer de abrir todos os portões, derrotar todos os inimigos e encontrar todos os Kodama, pequenos Yokai perdidos que rendem bênçãos se encaminhados para os Santuários — estruturas para oração que funcionam como checkpoints e restauradoras de vida durante uma missão. Isso é algo que eu definitivamente não me permito fazer em todos os jogos. Até mesmo as sidequests, que normalmente se passam em versões “remixadas” dos cenários das missões, aqui são interessantes e divertidas, um atestado do bom trabalho dos desenvolvedores.

Outro ponto de destaque para mim é a disposição e variedade dos inimigos. Esse é um aspecto em que o primeiro jogo da saga argumentavelmente pecou, mas que felizmente não é o caso aqui. Já nas primeiras fases há grande variedade de adversários, de modo que você nunca estará lutando somente contra os mesmos oponentes durante uma longa seção. O resultado são lutas menos repetitivas e mais desafiadoras, já que constantemente é preciso aprender novos padrões e encarar novos desafios.

Falando em aprendizado e desafios, preciso no entanto fazer aquela que é a minha única crítica de fato ao jogo: com diversos sistemas in-game que, sendo bem sincero, justificariam todo um texto somente para sua explicação, às vezes é de se questionar se Nioh 2 não possui mais coisas do que o necessário, resultando em um título “inchado” demais para seu próprio bem.

Para citar alguns exemplos rápidos, temos aqui uma árvore de habilidades com diversas ramificações que pode levar horas apenas para ser entendida, quem dirá completada; múltiplos itens consumíveis e confeccionáveis, como magias e artifícios Ninja; e toda uma vastidão de loot para ser obtido e devidamente analisado para ser equipado, descartado ou vendido.

É claro que há um certo público que amará toda essa complexidade (eu mesmo me incluo nele), mas como nem tudo é tão claro uma vez dentro do jogo, não consigo não me questionar se por vezes deveria haver uma maneira mais suave de aprender todos os segredos de Nioh 2. Temo que uma parcela considerável dos jogadores não chegará a descobrir metade dos recursos deste grande título, e não será necessariamente pela dificuldade dos inimigos. 

Essa é realmente minha única ponderação, posto que em todos os outros aspectos, incluindo esteticamente, esta sequência se destaca. Voltando às notas positivas, ao longo do período de análise, troquei a placa de vídeo do meu computador e pude jogar nas configurações mais altas, o que me fez parar por diversas vezes para contemplar a vastidão temperada com melancolia e desolação que habita em grande parte dos cenários. Devo inclusive fazer uma menção especial ao design dos personagens: cada Yokai é único, e vale a pena inclusive conferir posteriormente cada modelo na seção correspondente. 

A trilha sonora também é digna de aplausos, alternando entre faixas enérgicas e misteriosas com a mesma facilidade que um jogador experiente alterna suas armas equipadas dentro do jogo. Sem alongar muito, é do tipo que merece o download para escutar posteriormente no ônibus, no carro ou em casa. Meu destaque particular é para a faixa do chefe Enenra, um dos primeiros desafios reais do jogo.

No tocante ao port de fato, esta versão também conta com todo o conteúdo adicional lançado ao longo do ano passado para PlayStation 4, como as expansões The Tengu’s Disciple, Darkness in the Capital e a mais recente The First Samurai, adicionando horas de conteúdo ao já extenso jogo base.

Em um aceno à plataforma Steam, jogadores do PC também poderão fazer uso do novo e exclusivo Valve Helmet, embora honestamente seu visual não seja lá essas coisas. Por fim, além do bem-vindo suporte a 120 quadros por segundo e resoluções ultrawide, é bom mencionar que não foram encontrados bugs e crashes durante o período de análise, o que é sempre um ponto positivo.

Realeza sombria

Sendo bem sincero, Nioh 2 — The Complete Edition é a versão definitiva de um dos melhores jogos da geração. Complexo, difícil e recompensador, aqui está um título que possui conteúdo e potencial para entreter os jogadores por dias, semanas e até meses a fio. Sua chegada ao PC é extremamente bem-vinda, pois, acima de tudo, significa que mais pessoas poderão desfrutar desta obra-prima.

Talvez em alguns momentos esta aventura da Team Ninja se torne complexa demais pro seu próprio bem, mas é inegável a qualidade de todos os elementos aqui presentes. Não é sempre que vemos uma franquia respeitar suas inspirações e entregar um produto que supere as expectativas. Portanto, caso você tenha o mínimo de interesse na proposta e esteja ciente da dificuldade envolvida, vale a pena se aventurar por este fascinante universo. Recomendadíssimo.

Prós

  • Sistema de combate complexo, mas divertido e prazeroso;
  • Diversas opções de armas, movimentos e abordagens;
  • Sistema de criação de personagens confere pessoalidade ao título;
  • Desafio elevado, porém justo com o jogador;
  • O design dos cenários e dos Yokai impressiona;
  • Bastante conteúdo, incluindo um desafiador New Game Plus;
  • DLCs anteriores estão inclusos no pacote;
  • Port sem problemas de otimização;
  • Suporte a modo multiplayer;
  • Suporte ao português brasileiro.

Contras

  • A história pode parecer lenta e banal no início;
  • A dificuldade e a complexidade dos sistemas in-game podem afastar jogadores.
 Nioh 2 — The Complete Edition — Nota: 9.5 
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Koei Tecmo

é bacharel em Produção Cultural pela UFF e estudante de Comunicação Social pela FSMA. Na infância, ganhou um Super Nintendo dos pais e, desde então, nunca mais deixou o mundo dos games. Ainda sonha em ser um Mestre Pokémon.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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