O legado de Final Fantasy VII para a indústria e para os desenvolvedores

Um marco na indústria de jogos, Final Fantasy VII carrega uma importância que vai além de ser o primeiro jogo em 3D da saga

em 17/04/2020

Final Fantasy VII Remake acaba de ser lançado e já é um sucesso de público e vendas, sendo destaque em diversas redes sociais. Jogadores novatos e veteranos sabem do imenso hype que o anúncio do lançamento do game gerou durante todo esse tempo de espera, e não é por menos. Final Fantasy VII tem um imensa importância para a indústria dos games, por ser o primeiro Final Fantasy em 3D e representar a debandada da Square Soft da Nintendo. Vem com a gente descobrir um pouquinho mais do legado desse jogo sensacional!


O nome do jogo é o jogo

Quem visita o suntuoso prédio da Square-Enix em Shinjuku, Tokyo, não poderia imaginar que a empresa, que possui em seu portfólio as franquias Final Fantasy (148 milhões de unidades vendidas),  Dragon Quest (78 milhões) e Kingdom Hearts (30 milhões),  era um espaço compartilhado com o escritório do pai de seu fundador, Masafumi Miyamoto, em 1983.
O salão de beleza Mod’s Hair Paris esta hoje no pequeno espaço que pertenceu a Square Soft a mais de 30 anos atrás

Segundo o artigo Final Fantasy 7, An Oral History!, publicado pela Polygon, os primeiros funcionários de Miyamoto eram amigos, como Hironobu Sakaguchi e Nobuo Uematsu, que tratavam a empresa mais como um hobby do que como um negócio. Tanto que até utilizavam computadores em cafés, pois não tinham orçamento para adquirir equipamentos. Contudo, depois de altos e baixos, o Final Fantasy, lançado para o NES, em 1987, mudou tudo.

Como costumava dizer o outro Miyamoto (o da Nintendo), o nome do jogo é o jogo. Ou seja, um único jogo pode mudar tudo para o negócio de games. E foi exatamente isso que aconteceu com Final Fantasy VII. Durante a terceira e quarta geração de video games, as desenvolvedoras (também conhecidas como third parties) não eram tão grandes. Às vezes seus negócios se resumiam a pequenos escritórios ou divisões de outras empresas maiores. O filão do negócio ficava mesmo com os fabricantes de console, principalmente durante a época de domínio de mercado da Nintendo.

Quando a Sony finalmente resolveu entrar no mercado de consoles, muita coisa estava mudando. A indústria de games já não era apenas brinquedos infantis — video games agora eram produtos entretenimento de massa, como filmes, música e livros. E estavam gerando muito dinheiro. A SquareSoft, que já vinha lucrando alto com seus JRPGs no Super Nintendo, estava pensando em abrir capital e tornar-se uma empresa grande, e seu próximo Final Fantasy numerado era o foco dessa estratégia.

Conflitos de visões e a ruptura

É muito conhecida, em redes sociais e debates informais, que a razão da ruptura da Square Soft com a Nintendo foi por conta da decisão, desta última, de usar cartuchos em detrimento dos CDs. Na verdade, as razões são muito mais complexas. Em seu livro A Guerra dos Consoles - Sega, Nintendo e a Batalha que Definiu Uma Geração,  Blake J. Harris expõe como a Nintendo amarrava as desenvolvedoras com contratos leoninos, que limitavam seus lucros e expansão.

Esse era um dos motivos para os estúdios normalmente serem pequenos, enquanto as fabricantes de consoles cresciam e lucravam muito. A SquareSoft queria alçar vôos mais altos, e não via essa possibilidade dentro das amarras da Casa do Mario. Até mesmo a quantidade de cartuchos que as desenvolvedoras podiam vender era fixado em contrato. Toda a produção, concepção, tamanho e escopo dos projetos eram limitados pela equipe da Nintendo.

Quando a Sony apresentou uma proposta mais vantajosa, incluindo financiamento de parte da produção e divulgação do novo capítulo da saga Final Fantasy, era inevitável a ruptura com a antiga parceira de tantos anos. A Square queria uma superprodução, digna de um filme hollywoodiano, sem saber que estaria inaugurando uma tendência de mercado que dura até hoje. Podemos dizer que Final Fantasy VII foi o primeiro jogo AAA.

Uma passo maior do que as pernas

Durante a concepção até o início do desenvolvimento de Final Fantasy VII, as coisas foram tomando proporções cada vez maiores. A equipe, que estava planejada para ser de 30 a 40 pessoas, passou a ser de 150. Foi nessa época que a empresa teve que se mudar para o suntuoso prédio de Arco Tower, em Meguro, para poder acomodar a equipe que crescia cada vez mais. Para se ter uma noção, a equipe de desenvolvimento de jogos, na época, era em média composta por 20 pessoas.
Foi necessário mudar para um prédio maior apenas para acomodar a enorme equipe responsável pelo jogo

Uma das principais razões do time de Final Fantasy VII ser tão grande é que ninguém sabia muito bem como desenvolver com as novas tecnologias em 3D. De acordo com Kazuyuki Hashimoto, o supervisor de animações em CGI (animações renderizadas por computador), os fornecedores das workstations ficaram impressionados com a quantidade de pedidos feitos pela Square. Não se usava essa quantidade para jogos eletrônicos, apenas em filmes de grande orçamento!

Foram gastos aproximadamente $ 40.000.000 (quarenta milhões de dólares) com o desenvolvimento do jogo, algo realmente inimaginável para a época. Realmente não dava para pôr todo esse trabalho em um cartucho. Tudo soava grandiosidade, e uma das maiores marcas de toda essa megalomania (que viraria o traço marcante da empresa) é bem visível na composição musical do último boss, a famosa One Winged Angel.
Anúncio para contratação de músicos que iriam compor a orquestra para executar a famosa One Winged Angel

Os games sempre foram pensados como um produto, um software, mas não era o caso dessa vez. Final Fantasy VII foi pensado para ser um acontecimento. Seu impacto  foi absurdo, tanto que a GameSpot, em 2002, classificou Final Fantasy VII como o segundo jogo mais influente da indústria. A GamePro o colocou em 14°, e a GamesRadar nomeou Final Fantasy VII como um dos RPGs mais importantes de todos os tempos!

Diga adeus aos pixels


Os grandes AAA de nossa época, como GTA V, Red Dead Redemption 2, Assassins Creed, são todos resultados de uma tendência criada por Hinorubu e sua turma: as produções multimilionárias. Com a entrada da Sony na disputa pelos corações e mentes dos gamers, esse novo modelo de desenvolvimento e distribuição virou a regra do jogo, e daí em diante tivemos franquias como Resident Evil, Silent Hill, as famosas franquias de FPS com orçamentos hollywoodianos, etc.

O mercado passaria a ser dividido em grandes e pequenas produções, e os estúdios agora alcançavam o protagonismo, se tornando grandes empresas que não dependiam mais de fabricantes de consoles e passavam a ditar as tendências de mercado. Lembro que na minha adolescência, no auge do PSX, o que se dizia era "quem tem tal desenvolvedora, lidera o mercado". Na época do NES, as desenvolvedoras brigavam para entrar no catálogo dos consoles, mas agora, era o inverso.

Hoje, a principal discussão é sobre como as fabricantes de consoles vão conseguir atrair bons estúdios de desenvolvimento para debaixo de seu guarda-chuva, e como isso vai definir quem vai ser o grande vencedor da próxima geração. É irônico pensar que, trinta anos atrás, eram as third parties que imploravam para ter seus títulos lançados em um console. Vide  A Guerra dos Consoles - Sega, Nintendo e a Batalha que Definiu Uma Geração,  de Blake J. Harris.


Talvez esse seja o grande legado que Final Fantasy VII tenha deixado para a indústria, além de ser o primeiro Final Fantasy totalmente tridimensional. Assim como ele foi decisivo para o sucesso do PSX no Japão, agora quem ditava as regras era o jogo. Final Fantasy VII talvez tenha sido o game mais importante da minha vida, e da vida de muitos jogadores, e talvez por isso a recente releitura, lançada em 10 de abril, tenha gerado tanto alvoroço.

Mas talvez, e apenas talvez, Final Fantasy VII Remake não tenha tanto impacto quanto a obra original, mesmo porque muita água rolou desde 1997. Porém, ele está ali, guardado na minha estante, em lugar de destaque. Provavelmente em um mostruário especial da Square-Enix, no Japão. Um projeto arriscado e grandioso, que transformou um estúdio de pequeno-médio porte em uma multinacional. Um dos grandes jogos que mostrou que video games podia não só contar boas histórias, mas também fazer história.

Revisão: Davi Sousa
Siga o Blast nas Redes Sociais

Apaixonado por JRPG, fanboy de Final Fantasy, gosta de um bom papo de boteco com cerveja e Rock'n Roll. Escreve para a Game Blast pois sonha em ser escritor.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Você pode compartilhar este conteúdo creditando o autor e veículo original (BY-SA 3.0).