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Análise: Yakuza 3 HD (PS4): os dois lados de um membro da yakuza

O terceiro título da franquia trouxe novos ares ao introduzir ambientes e mecânicas bem diferentes em relação aos anteriores.


No longínquo ano de 2009, a série Yakuza estava no meio de sua transição definitiva para a sétima geração de consoles, contando com uma engine totalmente nova. O terceiro jogo principal da franquia, Yakuza 3, chegaria alguns anos depois de experimentações com o spin-off Yakuza Kenzan!, que tinha foco no período dos samurais da história japonesa. Com novos modelos e arcos de história para os personagens já conhecidos e amados pelos fãs, Yakuza 3 tinha a responsabilidade enorme de conduzir a série por um longo caminho. Todavia, um jogo que outrora era exclusivo do PlayStation 3, dá as caras novamente em uma versão atualizada para o PlayStation 4 com algumas novas funcionalidades. Como esta jornada de Kazuma Kiryu se encontra hoje em dia, mais de 10 anos após seu lançamento original?


Os ares da natureza vão te fazer bem

Continuando a tendência de oferecer novas cidades a serem exploradas, iniciada pelo segundo jogo com Osaka, Yakuza 3 possui uma nova província japonesa explorável: o distrito de Ryukyu, inspirado na isolada ilha praiana que atrai milhares de turistas anualmente, Okinawa. Nesse mesmo sentido, nas primeiras horas de jogo já fui conquistado por todo o ambiente do lugar. A mudança de um ambiente claustrofóbico e rodeado de prédios como Kamurocho (que é a outra cidade explorável do jogo) para uma vida pacata e com mais aparições da natureza, foi extremamente bem-vinda. É o que quebra a similaridade tão persistente entre um jogo e outro desta franquia.


Por isso, reafirmou-se aqui o ar de novos ares e mudança de vida que permeia o título, além de todo o sentimento de regionalização com as especificidades da ilha. E o porquê de serem novos ares? Neste jogo, Kiryu inicia o seu projeto de vida nova e recomeço: deixando os tempos de yakuza para trás, ele decide abrir um orfanato junto de Haruka, sua filha adotiva.


O orfanato como uma comunidade de personagens interessantes

Diante disso, pelo menos metade do jogo se passa em Ryukyu, e com missões principais relacionadas ao desenvolvimento do relacionamento de Kiryu com as crianças. Para alguns, este conteúdo pode ser irrelevante, pois, de fato, não tem relação direta com os acontecimentos da história principal. Não serão poucas as vezes que o jogador terá de ir do ponto A ao ponto B para conversar com alguns dos órfãos, perguntar o porquê estão tristes, ajudá-los com tarefas, ensiná-los lições de moral e valores, etc. Kazuma Kiryu realmente terá de agir como um pai, na prática. 

Com a exceção de alguns segmentos neste estilo, todo o tempo passado com as crianças foi bastante divertido, na verdade. Ao ver com mais profundidade e detalhamento o lado gentil e bondoso de Kiryu, uma nova camada do personagem é apresentada, e ter este ambiente familiar e aconchegante gerado pela ambientação do orfanato em conjunto com as tranquilas paisagens de praia fez o jogo se aproximar de um simulador de vida, em partes — pelo menos na sensação de relaxamento proporcionada por eles, como em Animal Crossing e Harvest Moon, por exemplo.

De volta ao estresse de Kamurocho

Quase que dicotomicamente, os capítulos do jogo que se passam em Kamurocho são mais fiéis à fórmula “Yakuza,” sendo bastante reconhecíveis por quem jogou os títulos anteriores. No entanto, como um efeito de contrabalanceamento com Ryukyu, as vezes que a história principal faz o jogador andar de canto a canto da cidade foram consideravelmente reduzidas. Yakuza 3 por muitas vezes vai direto ao ponto até as famosas e dramáticas cutscenes da série, seguidas de uma sessão de pancadaria no melhor estilo beat’em up, normalmente acompanhada de uma batalha contra chefe ao final do capítulo — é como se dois jogos estivessem coexistindo dentro de um só.

Falando em combate, que é parte essencial da experiência, chegamos a um ponto controverso. Para fins de esclarecimento, Yakuza 3 utiliza uma versão mais antiga da mesma engine de outro jogos da série, como Yakuza 0 e Yakuza: Kiwami, então alguns elementos como a HUD e UI são semelhantes, entretanto, o assunto é outro quando se diz respeito às animações. Tirando isso do caminho, Yakuza 3 oferece um combate satisfatório quando se fala de sua execução, puramente. Os comandos são responsivos e o controle de Kiryu transmite maior suavidade em comparação a Yakuza 0, por exemplo. Há claramente uma abordagem menos rígida nas animações, que não buscam o mesmo realismo nos movimentos que os jogos posteriores. 


Destruindo os inimigos da mesma forma de sempre

Entretanto, existe aqui apenas um estilo de combate, ou seja, as opções de diversificação nas batalhas caem drasticamente em comparação com os jogos atuais da série. Não serão poucas as vezes que o jogador irá se deparar com uma repetição constante de combos e comandos, como se estivesse no automático. Traçam-se dois principais motivos aqui: não há incentivo para experimentação, pois os combos mais básicos funcionam até contra os chefes mais durões. Feito isso, basta carregar seu Heat, a barra de especial do jogo, e utilizar um dos ataques… que o jogador verá inúmeras vezes até o fim da campanha. 

Outro grave problema que já virou característica da série como um todo é a forma com que a dificuldade se apresenta nos combates, e a forma banal com que os desafios podem ser burlados. A maior dificuldade dos chefes não vem do quão forte eles batem, mas no aumento de suas vidas à medida que a história progride. Então, as batalhas se arrastam por muito tempo devido ao pouco dano que o jogador faz em comparação à grande quantidade de vida que o chefe tem. 

Essas batalhas são mais um teste de resistência do que de habilidade em si, e, caso o chefe comece a dar algum trabalho quando acertar um golpe poderoso, basta encher o inventário de itens, pausar a quase qualquer momento do combate e voilà: sua vida e Heat estão totalmente carregados. É mais um embate de quem consegue recuperar mais vida, e não de quem desvia e acerta mais ataques.

O novo e o reutilizado se convergem

Tendo em vista este problema recorrente no combate, os desenvolvedores tentaram diversificar os capítulos mais voltados a ele. Não me refiro aos já tradicionais minigames de sinuca, dardos, baseball, mahjong, mas como um segmento predominantemente presente na história principal: perseguições, que vão de cachorros a criminosos.

Desviando de obstáculos como carros, cones, latas de lixo e até pessoas, o objetivo é alcançar o fugitivo e parar ele com uma série de investidas. Como uma das poucas novas variedades na jogabilidade que o título traz, ela rapidamente cai na monotonia. O caminho que é seguido aqui é exatamente o que o jogador espera: quanto mais se avança, mais difícil fica, graças ao aumento do número de obstáculos. 



Desta forma, pisamos agora em um território conturbado: o dos minigames em Yakuza 3. Apesar de adicionar muitas novidades no seu lançamento original, como a pescaria, boliche, treinamento de hostess e golfe, muitos deles foram reutilizados com poucas alterações nos títulos seguintes. 


Diante disso, há também uma importância intrínseca a grande parte deles, pois são a base, o esqueleto, do que seria reciclado tantas vezes nos jogos seguintes. Mesmo assim, se o jogador já tiver tido experiência com esses minigames em outros títulos, o que é bem provável, graças ao crescimento do público da franquia com o PS4 e a demora para o título ser portado para o console, pouca coisa mudará no fim das contas. No entanto, muitos desses minigames continuam divertidos, como o próprio treinamento das hostess e o jogo presente nos arcades das cidades, Boxcelios.



Bonito e arrumado para um novo público

Além disso, há claramente um motivo de este jogo fazer parte da “Yakuza Remastered Collection.” Assim como os outros dois jogos presentes nela, Yakuza 3 foi remasterizado para 1080p e roda em 60fps. Sendo majoritariamente uma transição livre de problemas, a única reclamação que se pode observar é na física de alguns minigames, como os pinos caindo no boliche, pois foram programados para 30fps originalmente, ao invés de 60. 



As cutscenes estão visivelmente mais fluidas, mas não abandonam os serrilhados e o início árduo da tecnologia de captura de rostos da Sega, que estava em seus primórdios na época, o que não permitiu tanto detalhamento neles. No entanto, a sensação nostálgica de um jogo do início da vida do PlayStation 3 também se faz presente, o que não deixou a experiência desagradável de nenhuma forma.

Uma narrativa sobre laços entre pessoas

Por fim, mas não menos importante, a narrativa. A história de Yakuza 3 é uma das mais mirabolantes da franquia, com direito a envolvimento de entidades internacionais como a CIA. Sem muito espaço para entrarmos em detalhes por causa de spoilers, o elenco quase que totalmente novo de personagens é bastante carismático, em especial com o personagem que serve com uma espécie de sidekick do Kiryu durante a campanha, Rikiya. A trama possui este foco recorrente na importância das conexões humanas, e isso é refletido nas motivações dos personagens, que se arriscam constantemente por quem amam. A relação de Kiryu com as crianças, servindo como uma figura paterna, a irmandade de Rikiya e Kiryu, que ultrapassa a barreira da yakuza, tudo culmina na intenção de proteger a quem se ama. É um dos temas mais belos e melhor abordados pela franquia.


Nesse mesmo sentido, o vilão apresenta motivações clichês, como a já utilizada à exaustão sede de poder. Entretanto, a forma com que a história lida com o tema gera uma reflexão interessante sobre egoísmo e direcionamento de perspectiva sobre a vida, por isso consegue-se facilmente imaginar um vilão como o de Yakuza 3 nascendo no mundo real.

O filho diferente



Yakuza 3 chega em 2020 como um título que reafirma sua importância dentro da franquia. Único em sua ambientação e narrativa, o título é a porta de entrada para toda uma geração de jogos da franquia. Ainda assombrado por problemas recorrentes como a repetitividade do combate, a falta de inventividade das mecânicas na história principal e o comodismo no design de dificuldade, tive muitos sorrisos nas cenas do orfanato de Asagao em Ryukyu, que é um acerto em cheio tanto em tom quanto em construção de personagens. No entanto, Kamurocho não dá nem metade deste vigor por explorar e conhecer o novo, justamente por não ser novo: é a mesma Kamurocho que todos conhecemos, com pequenas variações de minigames aqui e ali. Não que isso não aconteça em Okinawa, mas o ambiente ajuda a quebrar essa estagnação, pelo simples fato de não ser um lugar que já foi explorado de canto a canto em outros jogos. Portanto, Yakuza 3 pode ser uma experiência bastante divisiva e agridoce, mas, com certeza, seus momentos doces valem todo o tempo de amargura.

Prós

  • Incrível ambientação inspirada em Okinawa traz uma atmosfera de tranquilidade aliada à novidade, em meio a uma franquia presa em metrópoles;
  • Novos personagens do elenco são carismáticos e possuem motivações verossímeis;
  • Missões do orfanato trazem um novo tom para a série e seus personagens, como o próprio Kiryu;
  • Introdução das bases de muitos minigames característicos da franquia;
  • Cutscenes da era do PS3 ainda mantém seu charme de época, com maior fluidez graças aos 60fps.

Contras

  • Dificuldade artificializada, que não mede a habilidade do jogador;
  • Combate se torna bastante repetitivo com o tempo;
  • Desenvolvimento previsível das novas mecânicas introduzidas, pouca inventividade;
  • Combate pouco customizável pode incomodar alguns jogadores;
  • A presença de minigames já reutilizados em outros jogos da franquia pode ser uma barreira para o conteúdo extra de Yakuza 3;
  • Estrutura de metade dos capítulos cai na repetição de imediato, perdendo o brilho da novidade.
Yakuza 3 HD — PS4 — Nota: 7.5
Revisão: Farley Santos
Análise produzida com cópia digital cedida pela Sega

Escreve para o GameBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
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