Discussão

JRPG x WRPG: faz mesmo sentido essa diferença?

Com uma origem comum e seguindo caminhos diferentes, a classificação de RPGs de acordo com a região de origem vem perdendo cada vez mais sentido.


Para quem cresceu com títulos como Chrono Trigger ou Final Fantasy VI, existia apenas um gênero para descrever estes jogos – RPG. Quem entrou em contato com o estilo na era de ouro da Square Soft (atual Square-Enix), jogando pérolas como Xenogears, Chrono Cross, Parasite Eve, e os Final Fantasy do PlaySatation, não fazia sentido a diferenciação entre WRPG e JRPG. Era tudo a mesma coisa. Eu aprendi a jogar video game nesta época e, apenas na sétima geração de videogames, ouvi o termo JRPG pela primeira vez. Será que faz realmente sentido essa diferenciação? Onde, afinal, os dois mundos se encontram ou colidem?


Mesma origem, filhos do mesmo pai

A grande verdade é que a arte imita a vida, e com videogames, não podia ser diferente. Os RPGs eletrônicos, já em 1975, tentavam trazer para as mídias digitais experiências semelhantes aos jogos de tabuleiros das aventuras fantásticas medievais. Os primeiros eram RPG eletrônicos inspirados em Dungeon & Dragons, e levavam o mesmo nome.

Já para os computadores pessoais tivemos Akalabeth (que começou a conhecida série Ultima) e Wizardry, para o Apple II. A febre dos consoles na época de 70 trouxe AD&D (Advanced Dungeons & Dragons): Treasure of Tarmin (1982), para o Intellivision. Porém esses jogos eram pouco acessíveis para o público geral, pois os vídeos games nessa época eram focados principalmente no público infantil. Mas no Japão, na década de 1980 a história era diferente.

As diversões eletrônicas eram levadas bem a sério na terra do sol nascente, e franquias como Wizardry e Ultima angariavam fãs em proporções cada vez maiores. O gênero chamava tanto a atenção dos japoneses que, em 1986, tivemos o lançamento de Dragon Quest para o Famicom, jogo claramente baseado em Wizardry e Ultima, porém adaptado ao gosto local. Não deu outra: foi um sucesso absoluto. No ano seguinte surgia Final Fantasy para a plataforma de 8 bits da Nintendo.

Separados na maternidade

Tanto na terra do sol nascente como no ocidente, o gênero RPG eletrônico se inspira nas obras de Tolkien e nos RPGs de tabuleiro e cartas. Apesar de se desenvolverem em polos distantes do globo, o RPG nos vídeo games sempre apresenta um mundo de fantasia, com magia e criaturas mitológicas, e jogos fortemente baseados em narrativa. Porém, no Japão virou uma febre, enquanto que nos EUA tornou-se nicho.

Muitos motivos podem explicar essa relutância inicial do público ocidental com os jogos de RPG, porém um dos motivos foi a sua ausência nos consoles de mesa. Nos EUA e Europa, os RPGs ficaram relegados aos PCs, pelo menos até a metade dos anos 90. Lá se desenvolveram bastante, trazendo jogos como Baldur's Gate, Diablo, Neverwinter Nights e Elder Scrolls. Nesse ambiente também nasceu os RPGs Multiplayer e os tão populares MMORPG.

Porém, em 1996 com o lançamento de Pokémon para Game Boy e 1997 com o lançamento de Final Fantasy VII para Playstation, os dois mundos finalmente iriam se encontrar, popularizando o gênero nos consoles de mesa. Jogos da franquia Final Fantasy ficaram extremamente populares, e influenciaram vários outros jogos, trazendo a narrativa oriental para dentro da terra do tio Sam.

Ascensão e queda dos JRPG

Os JRPGs eram predominantes nos lares dos detentores de consoles de mesa até praticamente o fim da sexta geração de vídeo games. Por isso, se você questionasse um fã do gênero durante essa época, ele dificilmente iria saber distinguir um jogo de RPG ocidental de um oriental. Como os jogos japoneses inovavam sua fórmula a cada novo lançamento, e misturavam traços culturais e artísticos de diversos lugares, ficava realmente difícil identificar uma característica puramente oriental nesses jogos. Contudo, com a chegada da sétima geração, esse cenário iria mudar.

The Elder Scrolls V: Skyrim chegou no PS3 e Xbox 360 em 2011, revolucionando o que os jogadores de console entendiam como RPG, inovando ao trazer uma narrativa aberta, um mundo totalmente explorável e não linear, e mecânicas nunca antes vistas para o gênero, pelo menos nos equipamentos de sala. Enquanto isso, o aguardadíssimo Final Fantasy XIII decepcionava ao trazer um jogo extremamente linear, com sérios problemas de narrativa, deixando os fãs da saga desnorteados.

Esses dois eventos marcam uma transição interessante no mundo do RPG eletrônico: o popular JRPG se torna um gênero de nicho, e os jogos ocidentais experimentam uma ascensão exponencial. Empresas pequenas como a Bioware e a Bethesda se agigantam, e títulos como Mass Effect e Dragon Age começam a trazer inovações que são sentidas na indústria dos games até hoje. Vários títulos que não eram necessariamente RPG começam a utilizar elementos do gênero, como Bioshock e Borderlands.

Muitos analistas e formadores de opinião apontam essa época como a decadência do JRPG. Não apenas isso – o próprio termo JRPG (Japanese Roling Playing Games) começa a tomar evidência, separando e relegando os jogos produzidos no oriente a um nicho bem definido, trazendo as produções ocidentais para o mainstream. O fracasso de Final Fantasy XIII causou feridas no mundo dos RPGs que são sentidas até hoje.   

Um possível renascimento

Hoje em dia, a diferença entre os jogos de RPG ocidentais e orientais está bem delineada, apesar de, a meu ver, frágil. Os especialistas sempre apontam a predominância de narrativas fechadas com protagonistas bem definidos, como uma das características mais marcantes das produções japonesas. Em contraste, personagens totalmente customizáveis e uma história aberta, feita basicamente de sidequests, seria a característica marcantes dos jogos gringos.

Podemos apontar outros detalhes, como os ambientes coloridos versus os ambientes escuros e góticos, muitas vezes insalubres, presentes nos games do ocidente. Narrativas dramáticas contra histórias pouco profundas; forte presença de elementos das obras de Tolkien contra histórias baseadas em mitologia japonesa, além da identificação com animes. São muitas as características que podem diferenciar um estilo do outro.

Contudo, conforme a indústria vem evoluindo, as categorizações vêm perdendo cada vez mais sentido. Temos como exemplo a franquia Dark Souls, que caso você não saiba que a Fromsoftware é uma empresa japonesa, nunca poderia imaginar se tratar de um JRPG. Mas ele tem características fortemente ocidentais! Mas foi produzido no Japão por japoneses. Difícil não?

Final Fantasy XV, apesar dos protagonistas emularem o visual de uma banda de JPop, ele absorve as inovações de jogos como The Witcher 3 e Skyrim, se aproximando mais dos WRPGs do que da tradição que a própria franquia construiu. Isso desagradou uma considerável parcela de fãs da saga, mas trouxe a franquia de volta para os holofotes, tornando-se um sucesso de vendas. Com a explosão recente de lançamentos orientais, podemos dizer que a indústria se reergueu depois do fiasco de Final Fantasy XIII.

Contudo, como disse acima, cada vez mais a diferenciação do gênero, tomando como referencial a região de produção dos games, vem perdendo sentido. Apesar das marcantes características culturais que permeiam cada produção, a busca incessante por inovações e novas experiências vêm tornando essa classificação baseada em região, um tanto quanto obsoleta. E como tudo na vida se resume a ciclo, o que dizer do atual cenário da indústria de vídeo games?

Franquias que antes surfavam na crista da onda, como Mass Effect e Dragon Age, não dão as caras a um tempo, pelo menos não da maneira como os fãs esperavam. Fallout 76 se tornou uma grande decepção para os jogadores, enquanto que o mundo do RPG observa ao sucesso de Persona 5. Parece que o jogo virou, e as produtoras orientais de RPGs agora dominam o mercado novamente. Assim, pode ser que os jogos produzidos pelas gigantes japonesas passem a ser chamados apenas como RPGs, e o que era nicho agora volte a ser mainstream. 

Revisão: Henrique Moreno

Apaixonado por JRPG, fanboy de Final Fantasy, gosta de um bom papo de boteco com cerveja e Rock'n Roll. Escreve para a Game Blast pois sonha em ser escritor.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


  1. Eu acho que hoje em dia, o que na verdade está se esfarelando não é o conceito de JRPG, mas sim a ideia de um gênero RPG. Nos anos 90, você tinha abundância de jogos arcade - muito gameplay mas pouca história. Diferenciavam-se os RPGs, cujo foco principal era contar uma história e evoluir os personagens para superar desafios.

    Olhe para o cenário hoje em dia. Praticamente qualquer jogo AAA vai ter uma história pesada e evolução de personagens. Jogos adventure, puzzle, platform... todos eles absorveram muitos conceitos de RPG, a ponto de que o diferencial dos anos 90 já não consegue criar um gênero diferenciado.

    Os RPGs de hoje se diferenciam, basicamente... em formas mais complexas de evoluir o personagem. Mas basicamente RPG se tornou algo que boa parte dos jogos absorveram para si.

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