Blast from the Past

Final Fantasy VI (Multi): um expoente da era 16 bits que as novas gerações precisam conhecer

Alguns jogos do gênero RPG se tornam tão cultuados que atravessam gerações. mesmo que Final Fantasy VI mereça integrar este seleto grupo, é injustamente ignorado pela própria Square-Enix.


São tempos estranhos no mundo do entretenimento eletrônico: o diferencial dos novos consoles ainda é uma incógnita, os títulos então lançados na atual geração — embora muitos se destaquem — aparentemente não exploraram completamente o potencial dos aparelhos ainda no mercado e remasters/remakes/ports, embora sejam objetos de críticas constantes, estão entre os assuntos mais comentados nos últimos meses, especialmente quando se fala em Final Fantasy VII (Multi) e Final Fantasy VIII (Multi).


A abertura deste artigo ensejaria, por si só, um artigo completo de discussão, mas por se tratar de mais um capítulo da Blast from the Past, destacarei as razões pelas quais Final Fantasy VI (Multi), desenvolvido à época pela outrora nomeada Square Soft, merece muito mais destaque do que o fatídico FF VIII e mesmo FF VII — sim, eu disse isso. Acompanhe conosco!

Antes que o 3D a todos dominasse

Final Fantasy e Dragon Quest são séries icônicas desde os consoles desenvolvidos em 8 bits e, embora tivessem como concorrentes outros títulos em igual grandeza — seja dos mesmos estúdios ou concorrentes, como Phantasy Star, Breath of Fire ou Grandia —, basicamente são os títulos que nos vêm à mente quando mencionamos este gênero de jogo.
Não fosse por Dragon Quest, a Square jamais seria o que é. Vocês conhecem a história...


Particularmente, já fui um grande fã de jogos de RPG msd, a cada ano, dedico pouco ou nenhum interesse sobre os mesmos. No entanto, a despeito de todo o frisson que o remake de FF VII causou na comunidade, bem como o anúncio do remaster de FF VIII (reconheço, estou surpreso), percebo que algo não foi muito justo.

Assim como sou um controverso fã de Grand Theft Auto, sou igualmente um controverso entusiasta” da série Final Fantasy. De todos os que joguei, Final Fantasy IV (Multi) é o meu favorito, seja porque foi meu primeiro contato com o gênero ainda no Super Nintendo (quando foi lançado como “Final Fantasy II” no Ocidente), seja porque Cecil Harvey e Kain Highwind sejam alguns de meus personagens favoritos de todos os tempos.
Cecil e Kain no remake para DS: imagine FF VI nesses gráficos...

Obviamente, fiz questão de fechá-lo ainda no Snes e, tão logo me foi possível, adquiri uma cópia para Nintendo DS, naquele remake incrível em 3D — para ficar… guardado. Embora seja meu título favorito — e talvez soe estranho —, FF IV não é, ao longe, o melhor enredo ou jogo da franquia dentre todos os “aclamados” e, pela chamada deste artigo, é inevitável que perceba que me refiro a FF VI.


Em termos equivalentes, FF VII fez com a série FF o que Symphony of the Night (Multi) fez com Castlevania: reformulou padrões e impôs duas eras, pré-FFVII/SotN e pós-FFVII/SotN. O emprego da tecnologia 3D, a melhorIa considerável de canções e efeitos sonoros — que finalmente se desvencilharam do formato .mid e adentraram de vez na era digital —, os CGI’s pré-renderizados, os personagens carismáticos — até mesmo os antagonistas contam com a simpatia dos jogadores — fizerm com que FF VI, lançado três anos antes de seu sucessor, ficasse praticamente “esquecido”.

De fato, há ports do mesmo para PlayStation, Android, iOS, Wii, PC e Game Boy Advance, mas o título merece muito mais do que simples ports para saudosistas e entusiastas e dou-lhe as razões para isso.

O enredo (sempre e sempre)

A história gira em torno de uma guerra travada entre o Gestahlian Empire — que intenta dominar o mundo — e um grupo de combatentes chamados Returners, que lutam contra a tentativa de dominação do império.

O fortalecimento das tropas imperiais e suas vitórias em combate decorrem de sua pesquisa e massivo uso das Espers, semi-deuses lendários com poderes mágicos e, para equipararem as forças, os rebeldes procuram os próprios meios para obterem auxílio deste poder. Por um acaso, Terra Branford, uma soldado imperial que sofre de amnésia, acaba por acidentar-se durante a busca por mais uma Esper, sendo então resgatada por Locke Cole, um ladrão aliado aos rebeldes.
Esse sujeito é problema — e com "P" maiúsculo.
Entre Terra e Locke, que iniciam o enredo, o jogador terá em seu poder nada menos senão 14 personagens jogáveis, tornando a história cada vez mais intrincada conforme avança na luta contra a dominação global do império, senão por um único detalhe: o antagonista atinge seu objetivo — algo até então único, já que em qualquer outro título, sob qualquer outro gênero, recebíamos sempre a orientação em “lutarmos para vencermos o mal”. Em FF VI, o império se mostra como um mero peão de um dos mais desprezíveis antagonistas de todos os tempos: Kefka Pallazo.

Sephiroth matou Aerith, mas…

A mítica cena do assassinato de Aerith pelas mãos de Sephiroth foi uma das cenas mais impactantes de FF VII justamente porque seria a última coisa que esperaríamos acontecer àquela altura do jogo. Nesse sentido, alguns aspectos são constantes na série Final Fantasy: lutas contra impérios totalitaristas, redenção de personagens-chave, a necessidade em se preservar os recursos naturais, além de temas como amor, amizade e justiça.

Sob este viés, Sephiroth é praticamente um vingador contra as atrocidades cometidas pela Shinra Company, que vitimou não apenas ele, como Cloud e outros garotos como eles, além de grupos de trabalhadores e comunidades nativas — apenas devotou sua frustração sobre Aerith, tão vítima quanto ele.
Comparado a Kefka, Sephiroth é apenas um garoto perdido.


Kefka, no entanto, é uma mistura de Joker (dos quadrinhos de Batman) com Alex DeLarge (do romance A Clockwork Orange, de Anthony Burgess): um maníaco sociopata cujo único objetivo é extinguir a vida no planeta. Simples e direto: nada de reinar sobre todos os outros, dominar reinos adversários, acumular poder e riquezas. Para Palazzo, a extinção é o fim em si.
Sim, isso está no jogo.


O mais assombroso é que quando nos deparamos com o antagonista pela primeira vez, ele age e se veste como um bobo da corte, completamente desajeitado e pouco inclinado a representar qualquer perigo real. No entanto, desde sua ordem para que Terra incinerasse cinquenta homens do próprio exército apenas para testar seu poder, passando pelo envenenamento da água de um vilarejo para liquidar todos os seus habitantes até, finalmente, atingir seu objetivo, Palazzo se prova um indivíduo mordaz.

Como dito no início deste artigo, em qualquer outro jogo, sob qualquer gênero, nos deparamos sempre com a iniciativa em derrotar o vilão com o intuito em “evitar-se um mal maior”. Em casos mais raros, o mal já está feito, mas comumente nos é entregue meios de reverter o mesmo — e o passo a passo da vitória do “mal sobre o bem” não é entregue em detalhes como em FF VI.
Esse é o mundo pós-Kefka.


Esse é um aspecto interessante do título porque o senso de urgência é incutido a todo o momento no jogador, sendo uma surpresa em me dar conta de que todo o esforço dos 14 heróis que controlamos não surtiram qualquer efeito, já que o antagonista atinge seu objetivo com bem menos esforço do que os protagonistas para tentarem derrotá-lo, sendo esse um dos aspectos mais incríveis de FF VI: o objetivo do antagonista foi atingido. Como será possível agora recomeçar? Simplesmente genial.

Um ponto de vista steampunk

Embora todos os títulos anteriores da franquia tivessem alguns elementos futuristas — como as famosas airships, toda a sua sistemática geográfica e histórica se caracteriza por elementos medievais. FF VI, por sua vez, é completamente voltado à temática steampunk, com uma direção de arte voltada para a 2ª Revolução Industrial. Navios, airships e Chocobos dividem espaço com maquinários bélicos, industriais e locomotivas — e a magia dos Espers é a principal propulsora de novas armas.
Sim, isso ocorre no Snes.


Graficamente falando, o título foi o mais bonito da série até aquele momento e utilizou de forma constante e única do famoso Mode 7 — chip que permite efeitos visuais em 3D no Snes —, sendo muito superior do que sua utilização em FF IV, por exemplo. Navegar com airships ou montar Chocobos, por exemplo, geram efeitos incríveis no overworld.

E com a evolução gráfica, o enredo — como já apresentado — apresentou sinais de evolução e maturidade, sendo essa uma das razões pelas quais este redator, embora entenda a importância de FF VII para o mundo dos jogos, entenda Sephiroth e suas “representações” no longa Final Fantasy VII: Advent Children como algumas das mais patéticas ideias de antagonistas.

14 personagens: como tornar todos relevantes?

FF VI mantém um sistema de combate baseado no ATB — Active Time Battle —, o sistema de batalhas por barra de tempo que se iniciou em FF IV e perdurou até Final Fantasy IX (Multi) e, particularmente, é para mim o melhor sistema para um jogo de RPG, já que permite uma organização do combate e definir estrategicamente ataques e mágicas em um nível razoável de tempo.

Para um jogo com um enredo tão complexo — e um número tão grande de personagens —, a equipe responsável pelo game design optou por uma estratégia bastante interessante: não apenas permitir que cada um dos personagens disponíveis seja alocado a qualquer momento do jogo (nos locais pré-determinados, naturalmente) no próprio time constituído por quatro personagens, como também inseriu diversas situações em que fosse necessária a criação de outras duas ou três equipes para agrupar tantos integrantes quanto possível.
Todos os 14 personagens jogáveis, além de Kefka (o último da segunda coluna).


Isso oferece não apenas uma variação estratégica de cada jogador, como impulsiona a aproximação deste com os protagonistas — além de, claro, induzir que não apenas os membros “favoritos” sejam beneficiados com  grinds de níveis, afinal, sem uma equivalência de poder entre todos os protagonistas, as missões que integrem duas ou três equipes sofrerão consideravelmente, especialmente já no final do jogo, dificultando em muito o trabalho do jogador. Em outras palavras: o uso estratégico dos protagonistas será muito bem recompensado.

Tudo isso vale a pena?

Argumentei no início deste artigo sobre o frisson causado aos jogadores sobre o anúncio do remaster de FF VIII há alguns dias. Me soa estranho pelo fato de que o título em questão se trata de um dos mais obscuros da série, com um enredo que, convenhamos, se afasta da complexidade presente nos dois jogos anteriores.

Possuir uma cópia dos remakes de Final Fantasy III e FF IV para DS me faz indagar, ainda hoje, o por que de não existir o mesmo carinho com um título tão incrível como FF VI, fosse no Nintendo 3DS ou em qualquer outro console da nova geração — que merecia um retoque à altura, não meros ports.
Quem sabe um dia não vejamos isso em alta definição e com gráficos de última geração?


A despeito de FF VII ser um grande título e possuir um enredo inquestionavelmente interessante, não seria de todo errado conceber que o mesmo seja uma “continuação torta” do título anterior, diante da proximidade das premissas e a consequência de um universo steampunk para um mundo futurista, de fato.

Neste caso, até que finalmente FF VII seja entregue ao público e antes de adentrarem de cabeça em FF VIII, recomendo fortemente uma chance a FF VI — digo com tranquilidade que esses nada seriam sem o trabalho primoroso realizado pela Square nesse jogo. E quanto a vocês, quais suas experiências com Final Fantasy VI? Compartilhem conosco!

Revisão: Henrique Moreno

Mineiro, apaixonado por livros, música, filmes, discussões, Magic: The Gathering e, claro, jogos eletrônicos.
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