Discussão

Marvel’s Avengers (Multi): Como o universo dos cinemas pode influenciar o título?

Conseguirá o novo projeto da Marvel em parceria com a Square Enix dar sequência ao sucesso de Marvel's Spider-Man e emplacar a Casa das Ideias no universo dos games?


Sejamos justos, jogos baseados em super-heróis são escassos. Apesar de serem considerados grandes protagonistas da chamada mitologia moderna, as empreitadas dos heróis nos games acabam se mostrando um pouco capengas, se formos observar de uma forma ampla. De fato, existem alguns casos de sucesso, como a série Arkham e Marvel’s Spider-Man (PS4), mas ainda é considerável como há uma dificuldade notória em conseguir emplacar títulos com a mesma facilidade dos filmes.


Comprando a história da briga entre as editoras, a Marvel acaba saindo ainda mais prejudicada. Embora tenha algum destaque com Marvel Vs. Capcom e alguns títulos pontuais lançados de maneira dispersa, a DC ao menos conseguiu fazer seu nome com os games da supracitada série do Batman e Injustice. É claro que Superman 64 conta negativamente, mas aí a Casa das Ideias não consegue ser lembrada nos videogames nem com um demérito como esse no currículo — afinal, não é todo jogo ruim que chega ao ponto de ser considerado um dos piores games da história de forma unânime. Até mesmo os da DC licenciados pela Lego conseguem ser melhores do que os da Marvel.

A questão é que hoje, enquanto a marca detentora de nomes fortíssimos como Superman, Mulher Maravilha e Batman afunda em uma crise de percepção para com o público devido a decisões ruins em Hollywood, a Marvel desenvolveu um universo cinematográfico de respeito que, embora os filmes individualmente sejam muitas vezes de uma qualidade duvidosa e formato enlatado, é de se aplaudir o planejamento feito para segurar o fã com essa gigantesca novela que perdura por mais de dez anos.

Ainda, o sucesso desses filmes conseguiu mudar completamente a esfera popular. Os Vingadores até então eram considerados segundo escalão dentro da editora ao ponto de tornar um membro da equipe qualquer herói restolho que esteja sobrando no momento sem um gibi corrente próprio, o que fez com que o time em questão passasse a contar com um número considerável de formações diferentes ao longo de sua história. Assim, a equipe acabou ganhando mais projeção na última década e, eventualmente, acabou sendo cotada para conseguir um game próprio — o que acabou conseguindo.

Marvel Cinematic Universe — o MCU — nos games

O primeiro filme do Homem de Ferro chegou em uma era em que jogos baseados em filmes eram bem comuns e carregavam o estigma de serem produtos medíocres (quando não ruins), sem carisma e feitos às pressas pela exigência de terem que chegar ao mercado paralelamente à estreia nos cinemas. Por conta disso, os dois primeiros Homem de Ferro conseguiram jogos próprios para consoles ao lado de O Incrível Hulk. Capitão América e Thor também foram acompanhados por Captain America: Super Soldier (Multi) e Thor: God of Thunder (Multi).


Com a percepção de que os jogos não influenciavam nem um pouco na aderência dos filmes em si por parte do público — na verdade, eles eram até execrados — a produção de títulos baseados no MCU cessou com Iron Man 3: The Official Game (Mobile). Os Vingadores mesmo só foram conseguir um game próprio quando a Lego adquiriu a licença e lançou Lego Marvel’s Avengers (Multi) em 2016, que acabou se preocupando em adaptar na íntegra os dois primeiros filmes da equipe e em pincelar um pouco outros filmes do universo cinematográfico. A crítica, contudo, acabou considerando um problema o fato de o título se restringir estritamente a tal série de filmes pois era algo que barrava todo o seu potencial.

Nesse meio tempo, o MCU acabou se mostrando uma forte influência na produção de Marvel Vs. Capcom: Infinite (Multi) ao adaptar elementos conhecidos do universo cinematográfico em questão e cruzá-los com as IPs da Capcom. O game trazia Ultron como vilão, que naquele momento tinha sido o antagonista do segundo filme dos Vingadores, além de incorporar as Joias do Infinito, elementos centrais da Marvel no cinema, no próprio gameplay.

O MCU é um sucesso. Os games, não. Como fica a equação?

A primeira vantagem que o MCU pode proporcionar ao jogo dos Vingadores é a questão de público. Isso acontece, inclusive, não apenas ao game em si, mas a toda propriedade intelectual que envolva a equipe, uma vez que ela não dispunha de tanto conhecimento na esfera popular quanto a Liga da Justiça, por exemplo, ficando atrás até mesmo de outros times da casa, como os X-Men.

Contudo, essa popularidade ainda pode servir como uma faca de dois gumes. Apesar de o visual dos personagens ser algo inconstante nas histórias em quadrinhos por conta dos diversos desenhistas que por eles se tornam responsáveis, é notável como o público está acostumado a ver o Tony Stark com o rosto do Robert Downey Jr ou o do Chris Evans como Capitão América.


Aliás, um dos maiores feitos do universo da Marvel nos cinemas é justamente na consistência da aparência dos atores ao longo de dez anos de produções distintas. Durante esse tempo, pouquíssimas baixas acabaram acontecendo. A que provavelmente seria mais sentida foi Mark Ruffalo substituindo Edward Norton como Bruce Banner, mas ela acabou sendo irrisória pelo simples fato de que ninguém tinha realmente visto O Incrível Hulk, de 2008, quando o primeiro filme dos Vingadores saiu alguns anos depois e se tornou um fenômeno que ajudou a calcar o sucesso das películas seguintes. Outras mudanças que poderiam ser levadas em conta é a do Thanos, que foi vivido no pós-créditos por outros atores antes de Josh Brolin assumir o papel, e a do Caveira Vermelha, mas ambos os personagens têm um visual tão artificial que não dependem da aparência de quem pegar o papel.

É possível afirmar que essa mudança acontece também com os desenhos animados, mas eles dispõem de identidade visual e traços próprios que nós aceitamos com muito mais facilidade por estarem dentro de uma espécie de conjunto padronizado esteticamente.


O jogo produzido pela Square Enix, contudo, aposta na replicação de um visual realista e pouco cartunesco, abrindo brecha para comparação não em relação aos desenhos animados ou aos gibis, mas aos próprios filmes. Traçando um paralelo bem mais direto, essa ideia pode ser comprovada com Marvel Ultimate Alliance 3: The Black Order (Switch). Apesar de ainda se utilizar de um estilo em computação gráfica tridimensional da mesma forma que seu primo rico aqui, não há esse estranhamento em relação a aparência dos personagens porque ele assume uma estética mais caricata e exagerada, aproximando-se de histórias em quadrinhos.

Em decorrência disso, é notável a confusão imediata que houve com a aparição de Hank Pym em um dos vídeos da E3. Com um visual muito diferente da sua contraparte no MCU, houve um questionamento em relação a como ele não tem a aparência do Michael Douglas, mas do personagem em si, lembrando que o Homem-Formiga era justamente um dos heróis fundadores da equipe e, sim, de segundo escalão dentro da editora — afinal, receber um filme próprio foi suficiente para prestigiá-lo muito mais do que já estava acostumado.



Hank Pym, na maneira como apareceu, acaba então nos fazendo entender por cima de que o título não está tão condicionado assim ao universo cinematográfico. O próprio diretor de Marvel’s Avengers já declarou que gostaria de usar os personagens de uma maneira singular e não atrelada a uma única fonte, como os filmes ou os gibis de forma específica. Mais uma vez, isso tem seus prós e contras. Previsivelmente, é novamente perceptível o estranhamento daqueles que já estão acostumados ao MCU somente, o que pode acabar afastando um jogador ocasional que é fissurado nos personagens ao ponto de acompanhar incondicionalmente certas tranqueiras do universo compartilhado (como Agents of SHIELD), mas que ainda se restringe apenas a ele.

Por outro lado, isso também pode atrair um pouco mais o próprio fã que conhece a mitologia a fundo e sabe que ela é muito mais vasta do que a apresentada nos filmes e seriados. Comprovando esse ponto, é perceptível a ênfase da Capcom nas produções da Marvel Studios ao destacar alguns personagens em detrimento de outros em Marvel Vs. Capcom: Infinite. É conhecido o status de aposentados que Wolverine, outros X-Men e o Quarteto Fantástico têm como uma tentativa da Disney de abafar tais nomes para o público no intuito de reduzir a popularidade deles até conseguir os direitos para o audiovisual de volta.


Contudo, por que outros como a She-Hulk, Treinador, Punho de Ferro e M.O.D.O.K ficaram de fora após suas aparições em Marvel Vs. Capcom 3 (Multi)? Só porque eles não foram utilizados pela Disney? E quanto a outros nomes populares que não têm nada a ver com o MCU e poderiam estar presentes, como a Soprano, Demolidor, Justiceiro ou incontáveis vilões do Homem-Aranha (lembrando que o amigão da vizinhança tem provavelmente uma das melhores galerias de vilões que se tem notícia)?

A ausência dos X-Men acabou causando um impacto forte na percepção do público jogador que já estava habituado com a equipe no elenco desde o primeiro game da série Vs., que é justamente X-Men Vs. Street Fighter. Não é fácil assimilar um game que acaba se mostrando incompleto em relação à sua própria premissa, que é justamente trazer os maiores heróis desses dois mundos, Marvel e Capcom, e fazê-los colidir uns contras os outros.

Dessa forma, há uma tentativa sincera em tentar trazer algo novo, por mais desinteressante que o projeto esteja atualmente, por mais que nesse momento ele se mostre esteticamente bem aquém ao que a atual geração de consoles pode produzir — isso independentemente do visual específico dos personagens se parecer ou não com os atores — e por mais que o gameplay prático ainda seja uma incógnita. É importante darmos a Marvel’s Avengers um voto de confiança ou, no mínimo, um benefício da dúvida. 

É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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