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Análise: Weedcraft Inc (PC) é incapaz de causar barato

Sim, você está lendo um texto publicado no Dia Internacional da Erva a respeito de um jogo sobre a conhecida Marijuana — e que, infelizmente, não é “da Jamaica”.

Weedcraft Inc (PC) se trata de um jogo sobre maconha. Sim, não adianta ficar com eufemismos aqui ou se render ao tabu de evitar sequer pronunciar tal termo — afinal, se me foi concedida a chance de analisar esse interessantíssimo título, é óbvio que também me foi dada a chance de abordá-lo em sua integridade e em seus temas considerados espinhosos para a sociedade.


Dito isso, nunca fiz uso de qualquer substância ilícita. Entretanto, eu sempre achei o gênero cinematográfico chamado “stoner film” um negócio brilhantemente engraçado. Ele geralmente envolve uma dupla de protagonistas que se envolvem em aventuras completamente nonsense e muitas vezes de caráter surreal em que a Marijuana geralmente assume um papel central na narrativa.

Exemplos notáveis vão desde os originais Cheech & Chong (da década de setenta) até nomes mais recentes como Tenacious D: Uma Dupla Infernal (com Jack Black e Kyle Gass); Queimando as Pontas (Seth Rogen e James Franco); Madrugada Muito Louca (John Cho e Kal Penn); e Cara, Cadê o meu Carro? (Ashton Kutcher e Seann William Scott).



Obviamente, Weedcraft Inc, por sua vez, não é um filme. Também não conta com nenhuma aventura surrealmente engraçada como nos títulos supracitados — embora também tenha seus momentos. O que o game traz aqui é uma visão interessante e até mesmo sociopolítica a respeito dos negócios que envolvem a produção e distribuição da Cannabis.

O jogo se trata de uma espécie híbrido entre um simulador e uma visual novel, ficando numa espécie de limbo entre ambos os gêneros. O gameplay básico acaba se sustentando em dois cenários específicos propostos. Cada um, com seu determinado contexto, nos coloca no papel de personagens que, por algum motivo, decidem se aventurar no ramo do empreendedorismo canábico.

O primeiro deles diz respeito a um estudante que acabou de abandonar a escola de administração por conta do falecimento do pai. Nisso, ele acaba reencontrando o seu irmão — um usuário veterano — e juntos decidem começar um negócio de produção e venda de maconha. O segundo, por sua vez, conta a história de um traficante que decide retomar seus empreendimentos após sair da cadeia e não conseguir se reinserir na sociedade com trabalhos moralmente aceitos e legais.



O cenário que envolve o ex-estudante universitário funciona mais como um tutorial que tenta ensinar passo a passo o funcionamento das diversas mecânicas do game. Plante a maconha e revenda-a. Você pode aprimorar as condições do cultivo da mesma forma que é possível direcionar as variantes da erva para o melhor público-alvo predisposto a comprá-las. Com uma curva de progressão íngreme, logo vamos aprendendo sobre a ação da polícia, sobre contratar novos empregados e sobre como é importante fazer a social com os outros traficantes da região.

Na teoria, todos esses conceitos são bem intrigantes e seriam carregados de muito sentido dentro de um simulador em seu estado mais puro. Entretanto, o que impede o título de ser chamado como tal é justamente a ausência de um modo livre onde podemos comandar empreendimentos à nossa forma, como um sandbox que não esteja constantemente baforando, no cangote do jogador, as missões que precisam ser completadas — e que são bem desinteressantes e pouco criativas, geralmente se resumindo a produzir tantas gramas de erva, vendê-la até conseguir determinado lucro ou dar cabo da concorrência de alguma forma — nunca de forma violenta, ressalta-se, visto que Weedcraft, bem como toda a cultura do haxixe, acaba abominando o uso da violência e não seria interessante associá-la a tal.

Dessa maneira, o game acaba ficando restrito apenas a esses dois cenários que contam com uma progressão estritamente linear e que não recompensa soluções criativas ou caminhos alternativos que o jogador possa tomar. Assim, Weedcraft Inc torna-se rapidamente chato e repetitivo, sem atrativos para repetir qualquer uma dessas duas campanhas. Isso acaba minando completamente o sentimento de replay que aqui poderia existir.



A isso, soma-se também uma interface que, apesar de contar com algumas ilustrações realmente muito bonitas, infelizmente se assemelha demais a um shovelware mobile barato qualquer. Os menus de navegação também são um problema. Nada é realmente intuitivo ou de fácil acesso. Ainda, eles vão se tornando cada vez mais poluídos, visto que, com os negócios se expandindo para outras cidades, mais tarefas precisam ser feitas e, consequentemente, mais lembretes acabam ocupando a tela, promovendo uma considerável bagunça visual.

Por mais que haja um ponteiro piscante indicando como realizar as ações exigidas, torna-se difícil memorizar os diversos procedimentos cíclicos por conta do leiaute pouco amigável. Mesmo sendo necessário transitar entre os pontos de produção e os de venda espalhados pela cidade com enorme frequência, a tela de loading é um problema factual e deveras incômodo.

Essa dificuldade pontual no design estético de Weedcraft Inc acaba prejudicando ainda mais a progressão natural do título, visto que acaba rolando certa dificuldade quando o caldo realmente engrossa, jogando rapidamente o saldo bancário do jogador naquela conhecida espiral infinita de débito negativo impossível de ser recuperado e que, eventualmente, rende em um inevitável fim de jogo.



Relacionado a isso, é notável como a passagem do tempo acaba sendo cruel, já que o uso do botão de pausa acaba sendo exigido com uma frequência maior do que o necessário por conta da quantidade de ações que deveriam ser feitas de maneira simultânea, estendendo artificialmente a duração das já entediantes campanhas.

No fim das contas, a impressão que fica é que, apesar do potencial interessante e capaz de, em alguns momentos, esboçar uma leve tentativa, mesmo que falha, de discutir a respeito do mercado da maconha e da necessidade de legalização, Weedcraft Inc acaba parecendo mais um produto destinado para o mercado mobile do que uma propriedade intelectual de visão inovadora que poderia ter sido assumida caso o game tivesse abordado o tema com menos mecânicas pontuais de forma individual, mas atrelando-as à própria narrativa cujo potencial de desenvolvimento é inerente aos games de maneira única.

Principalmente porque faltou tato na abordagem em relação aos próprios usuários da erva, resumindo-os a simples estereótipos baratos incapazes de colaborarem na representação de toda uma cultura formada em volta dessa prática. Tudo acaba se tornando caricato demais de uma maneira ruim e muito longe de ser atraente.



Parando para pensar, os “stoner films” conseguem ser mais convidativos ao universo da maconha do que Weedcraft Inc. Ao menos, eles são engraçados e não simplesmente tediosos.

Prós

  • Proposta interessante;
  • Mecânicas diversas que envolvem desde o aprimoramento do cultivo, através da alteração do solo, até a negociação com os outros traficantes;
  • Trabalho de localização muito competente. 

Contras

  • Falta de integração clara entre as mecânicas em si;
  • Telas de carregamento constantes para funções que deveriam ser básicas;
  • Ausência de sandbox;
  • Se fosse mais engraçado, ao menos seria um pouco mais interessante.

Weedcraft Inc. — PC — Nota: 5.0

Revisão: Diogo Mendes
Análise produzida com cópia digital cedida pela Devolver Digital

É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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