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Análise: Record of Agarest War Mariage (PC) é um RPG medíocre focado em fan service

Com um foco imaturo em fan service, o RPG mais recente da série Agarest se mostra muito mal polido em termos de história e gameplay.


Lançado originalmente para PSP apenas no Japão em 2012, Record of Agarest War Mariage é o título mais recente da franquia Agarest. Ao invés de ser um RPG tático como os jogos anteriores, Mariage conta com um sistema de batalhas em turnos. Com vários problemas de execução, o jogo é uma infeliz mediocridade que tenta se apoiar em uma imatura objetificação sexual das suas personagens, mas oferece uma experiência de pouco valor.

Um conflito que atravessa gerações


Há várias gerações, nasce em Agarest um jovem destinado a vestir a manta de herói e lutar contra o grande arquidemônio Eclipse. Munido da lendária Ciel Blade e acompanhado por três lindas donzelas portadoras da sagrada Plumage, ele precisa encontrar uma forma de salvar o mundo das garras do vilão. Essa mesma história se repetiu por centenas de anos e agora é a vez do jovem Rain partir em sua jornada.

Junto do rapaz temos a sacerdotisa Felicia, a samurai Kunka e a artista circense Panina. As três oferecem suporte incondicional ao personagem e demonstram uma clara admiração pelo papel que o herói exerce naquela sociedade, mesmo ele não tendo grandes feitos ainda. Na introdução dos personagens há a sensação de que pegamos eles no meio da jornada e que a relação entre eles já existe há alguns anos. Não há muita evolução na forma como interagem, já tendo todos uma amizade forte.

Ao longo da jornada, o jogador precisará visitar várias áreas e lutar contra os monstros que ameaçam a tranquilidade da população. Também há algumas quests que podem ser feitas, listadas na guilda da cidade. A cada conflito resolvido, novas áreas são abertas, deixando a equipe cada vez mais próxima da luta final contra Eclipse que trará paz a Agarest.

Mas, como o jogo acaba revelando facilmente em seu material promocional e na abertura, o jogo não é apenas a história de Rain. De acordo com as escolhas do jogador, Rain pode ter um filho, Larc, ou uma filha, Ciela, e esse representante de uma nova geração também assumirá a manta de herói seguindo os passos de seus pais.

Durante essa segunda fase da história, três novas donzelas se juntam ao herói (ou heroína, apesar do jogo também chamá-la de herói). O trabalho de caracterização das personagens é melhor conduzido e conflitos ideológicos movimentam as discussões da equipe. O conceito de legado pesa sobre as ações dos vários personagens e é interessante observar como ele afeta tanto aliados quanto inimigos.

Infelizmente o desenvolvimento das personagens é muito curto e pouco interessante, sendo mais comum cenas de fan service do que momentos dramáticos ou que pelo menos se esforcem para construir empatia. O aspecto mais sexualizado recebe muita atenção esquecendo-se que o romance de qualidade demanda envolver o jogador com o microcosmo em que vivem seus interesses românticos.

Contatos superficiais


Mais do que as batalhas, a exploração ou qualquer outro aspecto tradicional de um RPG, o maior esforço de Agarest Mariage é claramente em como estabelecer o relacionamento do jogador com os potenciais interesses românticos de Rain (e seu herdeiro ou herdeira). As artes das personagens tem bastante detalhe e uma parte essencial do jogo é interagir intimamente com elas para desbloquear ataques especiais extremamente poderosos e mais SP (pontos utilizados para essas habilidades) e, como uma consequência colateral completamente sem sentido, fazer com que elas percam a roupa em batalha.

Infelizmente os aspectos sexualizados não são bem conduzidos. As insinuações sexuais são apenas imaturas, caindo em velhos clichês de anime e situações que são mais constrangedoras ou até repugnantes (como referências a estupro coletivo). Esse apelo também é perceptível nas cenas ilustradas que são, em sua maioria, relacionadas a algum tipo de fetiche ou mostram as personagens em uma situação de nudez parcial. Raros são os momentos em que essas cenas são justificáveis ou interessantes.

Há, no entanto, um momento em que os relacionamentos românticos são trabalhados de forma mais interessante: a transição entre as gerações. Antes do nascimento do próximo herói, o jogador tem a oportunidade de observar um pouco da vida de Rain e sua esposa. A dinâmica do casal é bem trabalhada nesses eventos que só envolvem os dois e mesmo as insinuações sexuais são mais adequadas. Também há alguns momentos similares que perpassam a segunda geração e se relacionam diretamente com o segundo protagonista da história.

Mas com pouco tempo para efetivamente conhecer as personagens a fundo e como a maioria de suas cenas de interação particular com elas são eróticas, Mariage não consegue desenvolver bem o carisma delas enquanto indivíduos.

Um mundo vazio com batalhas maçantes


Mas nem só de diálogos e personagens vive um RPG. Exploração e boas batalhas são elementos que constituem o básico das expectativas que se tem de jogos do gênero. No entanto, o jogo falha nesses aspectos.

Em primeiro lugar, todas as áreas do jogo, tanto as dungeons quanto o mapa mundi, são apenas linhas. Elas até são dispostas a partir de um certo padrão de design para oferecer alguma exploração, mas nada que torne esses locais minimamente interessantes. São apenas linhas com pontos vazios e eventuais tesouros ou eventos.

Já no quesito batalha, há vários sistemas envolvidos e é necessário compreender cada um deles para ter uma boa visão dos problemas. O primeiro deles é o fortalecimento das armas dos personagens. Não é possível comprar novas armas (apenas roupas de efetividade limitada) e é necessário utilizar um sistema que envolve o gasto de materiais e dinheiro em uma linha de habilidade (estilo a Sphere Grid de Final Fantasy X, mas linear).

Ao mesmo tempo em que é uma forma interessante de evoluir os personagens, o sistema possui um grande defeito: muitos dos materiais só podem ser obtidos derrotando os inimigos e as áreas em que eles aparecem são restritas. Usualmente, um inimigo só pode ser encontrado em uma dungeon, o que implica que o jogador pode ficar temporariamente impedido de abrir uma habilidade se não tiver mais acesso a ela.


Esse defeito é agravado pelo fato de que as habilidades estão dispostas em linhas, tornando-as dependentes umas das outras. Logo, não obter itens o suficiente para abrir uma habilidade implica em ter que voltar em uma área e caçar o inimigo até poder avançar para não ter um déficit grande nas habilidades dos personagens. E isso é essencial porque mesmo a dificuldade fácil requer um bom progresso no fortalecimento dos personagens, pelo menos durante a primeira metade do jogo.

O ganho de níveis também aumenta as habilidades dos personagens, mas com grandes restrições. A equipe possui quatro espaços que funcionam como classes: attacker, defender, healer e supporter. Enquanto o nível normal altera apenas os atributos do personagem (HP, ataque, etc), o nível da classe adiciona habilidades importantes e torna o personagem mais útil para aquela posição, mas nada do que ele aprende pode ser herdado por outra classe.

Além disso, a experiência ganha por batalha é reduzida drasticamente a cada nível obtido. Com isso, é muito pouco produtivo manter-se na mesma área por muito tempo e se o jogador ainda tiver dificuldades contra o chefe da área estando nesse limite (o que é comum), tentar batalhar mais não irá resolver o problema. É aí que o sistema de upgrade das armas se torna fundamental.


Principalmente no início, os chefes se tornam uma grande barreira de entrada e, mesmo na dificuldade fácil, é importante saber muito bem utilizar as habilidades dos personagens. Um elemento muito importante e útil é o sistema de armadilhas. Elas são a característica da classe supporter (junto com magias que alteram atributos como defesa e ataque) e funcionam como uma magia "virada para baixo", esperando o movimento do adversário para ativar. Com elas, é possível, por exemplo, revidar um ataque com uma magia poderosa ou recuperar a vida dos seus personagens em um momento de aperto. Ou seja, são úteis para várias situações, mas apenas uma pode ser colocada por vez.

Fora isso, as batalhas não possuem nada interessante a se destacar. São apenas o beabá de batalhas em turnos. E o descompasso entre os inimigos difíceis no início do jogo quando o jogador ainda não possui muitas habilidades e os momentos de calmaria na segunda parte só torna a experiência em algo maçante e nada recompensador.

Um RPG medíocre


Por decidir focar-se no fan service e ao mesmo tempo não trabalhar bem o desenvolvimento de seus personagens, Record of Agarest War: Mariage acabou se tornando um RPG medíocre. Sua história de heroísmo é clichê e pouco envolvente, seus personagens apenas pretextos para situações eróticas ridículas e seu gameplay uma ode ao tédio e à frustração. Há pistas de que poderia ter sido algo mais interessante em alguns elementos aqui e ali (como o sistema de armadilhas, os raros momentos genuínos de romance e principalmente as artes charmosas), mas o conjunto da obra acaba deixando muito a desejar em todos os aspectos. Uma pena.

Prós

  • Apesar das proporções faciais incômodas, as artes dos personagens são bastante charmosas;
  • Há alguns raros momentos engajantes de interação romântica entre os personagens; 
  • Sistema de armadilhas da classe suporte permite que o jogador se prepare para lidar com várias situações de batalha.

Contras

  • Sistema de upgrade dependente de itens que só podem conseguidos em uma área;
  • Dificuldade mal balanceada, com início extremamente difícil (barreira de entrada);
  • As dungeons e o mapa mundi se resumem a linhas que o jogador precisa caminhar;
  • A forma como o jogo lida com o fan service é extremamente imatura; 
  • Faz piada com situações tensas como o crime de estupro coletivo;
  • Erros de digitação acontecem com alguma frequência;
  • Alguns itens e habilidades tem descrições erradas.
Record of Agarest War Mariage – PC – Nota: 3.5
Análise produzida com cópia digital cedida pela Idea Factory International

é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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