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Hades (PC) — escapando do Submundo em um roguelike intenso

Disponível por meio de Acesso Antecipado, o jogo usa mitologia grega para construir um dungeon crawler de ação bem interessante.


A desenvolvedora Supergiant Games, responsável por títulos como Bastion e Transistor, é conhecida por produzir jogos elaborados no aspecto audiovisual e por experimentar ideias novas. Hades, seu mais novo projeto, é uma aventura de ação e dungeon crawler com aspectos de roguelike. Pode parecer simplesmente mais um dos vários títulos do gênero lançados nos últimos tempos, no entanto ele conta com várias características usuais da desenvolvedora. Hades está disponível na loja da Epic no formato Acesso Antecipado e já mostra excelência em boa parte dos seus aspectos.

Uma fuga complicada

O jovem Zagreus está cansado da atitude ausente de seu pai Hades. Por causa disso, o rapaz decide fugir do Submundo e se juntar a seus parentes no Monte Olimpo. Essa tarefa seria simples se não fosse um problema: o Mundo dos Mortos é repleto de perigos e os caminhos se alteram constantemente. Mesmo assim, Zagreus vai tentar sair dali, não importando quantas vezes for derrotado.

Hades é um dungeon crawler de ação com aspectos de roguelike. Sendo assim, cada partida é diferente na forma de salas com inimigos e desafios distintos. A jornada de Zagreus recomeça desde o início toda vez que ele morre, porém há progressão entre as tentativas na forma de novas armas, equipamentos, atributos e habilidades — essas características aproximam o jogo do gênero roguelite.


O combate é o foco do jogo e gostei bastante do sistema de batalha. Em cada partida Zagreus tem à disposição uma única arma com dois diferentes ataques, uma pedra mágica para lançar nos inimigos (que precisa ser recuperada dos oponentes para poder ser utilizada novamente) e de um movimento de esquiva. A junção dessas opções traz muita versatilidade, pois é possível atacar tanto de longe quanto de perto. A ação é ágil e os comandos são fáceis de entender, logo rapidamente já conseguimos avançar.

O curioso é que você pode usar as habilidades quantas vezes você quiser, pois não há custo de mana ou tempo de recarregamento. Para compensar, cada ataque tem um tipo de recuperação diferente. Sendo assim, é importante dosar corretamente as investidas para não ser atingido enquanto estiver indefeso. Posicionamento também é importante: inimigos levam mais dano se acertados por trás ou lançados em obstáculos e armadilhas. Essas e outras nuances trazem boa complexidade ao jogo.


Se adaptando em um local hostil e inconstante

O ciclo de jogo de Hades consiste basicamente em derrotar todos os inimigos de uma sala e seguir para a próxima. Em algumas situações há mais de um caminho possível e um orbe nas portas dá uma dica do que esperar da próxima área, trazendo um aspecto de estratégia à escolha de rotas. A variedade de salas é razoável e vi pouca repetição no meu tempo de jogo. Além disso, aparecem também eventos especiais, como uma sala em que precisamos sobreviver por algum tempo ou uma arena com inimigos mais poderosos.

Um detalhe que traz muita variedade ao jogo é o sistema de habilidades e melhorias. Após terminar uma sala, um dos deuses do Olimpo pode enviar “bênçãos” que alteram as características de Zagreus. Em uma partida, aceitei o presente de Zeus e minhas esquivas passaram a soltar raios elétricos. Em outra, a minha pedra mágica virou uma espécie de lâmina giratória poderosa e lenta graças a Ares, o deus da guerra. Em uma terceira tentativa eu conseguia envenenar os inimigos e rebater projéteis com a ajuda dos poderes de Athena. Me diverti bastante tentando montar sinergias entre as melhorias.


As armas também mudam sensivelmente o ritmo de jogo. A espada longa é ágil e apresenta mecânicas fáceis de entender, ideal para nos habituar ao universo do jogo. Já o arco e flecha é bom para acertar inimigos distantes, mas é difícil de usar à curta distância devido ao tempo necessário para preparar as flechas. O escudo foi o meu preferido por sua versatilidade: seus golpes são lentos, porém é possível lançá-lo nos inimigos e fazer uma investida poderosa que é ótima para melhorar o posicionamento do herói. No momento quatro armas estão disponíveis e imagino que mais serão adicionadas no futuro.

Dominar essas mecânicas é essencial para sobreviver no mundo de Hades, pois o jogo é bem difícil. Os inimigos são extremamente agressivos, alguns cenários são complicados de navegar e bastam alguns poucos erros para ser derrotado. Mesmo com melhorias permanentes, senti que o foco do jogo é mais sobre entender as armas e escolher corretamente as habilidades para fortalecer Zagreus. A diversão, então, é justamente melhorar aos poucos entre as partidas: no começo eu não durei mais que três salas, agora já consigo chegar bem mais longe.


Mesmo com tanta variedade de mecânicas, Hades pode ficar repetitivo. O motivo disso é que a diversidade de situações é limitada, pois o foco é sempre derrotar os mesmos monstros. Além disso, a seleção de habilidades e armas não é muito extensa. Tudo isso é justificável pelo fato de que o jogo acabou de ser lançado no Acesso Antecipado e deve receber mais conteúdo com o passar do tempo — algumas áreas inacessíveis dão dicas de possíveis adições. De qualquer maneira, a base de Hades é sólida e já diverte bastante.

A beleza na ambientação do Submundo

Uma característica marcante da produtora Supergiant Games é seu esmero na montagem da ambientação, visual e áudio. Hades não é diferente e se destaca em todos esses aspectos.

Gosto bastante de roguelikes, mas infelizmente sua natureza procedural acaba comprometendo a construção do mundo e personagens, no entanto isso não acontece em Hades. A produtora utilizou mitologia Grega para montar um universo intrincado e bem produzido, com ótimas interpretações do panteão de deuses. Praticamente todos os diálogos são belamente dublados e as conversas são bem interessantes: Zagreus tem uma relação complicada com seu pai Hades, que debocha do filho toda vez que ele falha em uma fuga; os deuses do Olimpo fazem comentários sobre o funcionamento do Submundo; almas penadas resmungam da burocracia pós-morte e mais. Há, também, uma mecânica que libera novas informações dos personagens conforme interagimos com eles e partes da trama vai sendo revelada aos poucos entre as partidas.

Já o visual conta com belíssimos cenários desenhados à mão, com um estilo artístico marcante repleto de verde, roxo e vermelho brilhantes — o Submundo é retratado como um lugar sombrio, porém com toque de requinte sobrenatural. Cada um dos personagens esbanja personalidade com sua aparência e dublagem, como o aspecto meio desleixado de Zagreus, a aura misteriosa de Charon e a grandiosidade de Zeus com sua barba na forma de nuvem e voz estrondosa. Minha única reclamação fica por conta da proporção dos personagens durante as partidas: Zagreus e alguns inimigos se perdem no meio da ação por causa da câmera meio distante e de ângulo isométrico, deixando as coisas meio confusas às vezes.

A trilha sonora, produzida por Darren Korb (responsável pela música de todos os outros títulos da desenvolvedora), utiliza principalmente guitarras, percussão, cordas e outros instrumentos tradicionais para trazer uma atmosfera que soa sobrenatural e moderna. É um pouco exótica, no entanto combina perfeitamente com a temática e ação de Hades.


Um início promissor

Hades oferece uma aventura de ação com bases sólidas, com grande foco na habilidade do jogador. Os aspectos de roguelike trazem diversidade com rotas que mudam a cada partida, inúmeras habilidades para modificar o herói e desbloqueáveis entre as tentativas — o ciclo de jogo é divertido e recompensador. Além disso, a apresentação, montagem do mundo e áudio são impecáveis com sua interessante interpretação da mitologia grega. Depois de algumas partidas a quantidade limitada de conteúdo começa a pesar na experiência, porém isso deve mudar no decorrer do desenvolvimento. Hades pode não oferecer ideias novas, no entanto já mostra excelência no que se propôs fazer e deve ficar ainda melhor com o passar do tempo.

Texto de impressões produzido com cópia digital cedida pela Supergiant Games

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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