Jogamos

Análise: The King’s Bird (PC) é um jogo de plataforma que gira em torno de voos livres

Através de um cachecol mágico, a personagem consegue voar por um cenário repleto de cores e, assim, evidenciar a beleza da trilha sonora dinâmica.

O anseio por voar co-existe com o ser humano desde sempre, e os desafios para atingir essa meta foram evoluindo até chegarmos ao funcionamento pleno do avião, passando pelo paraquedas, asa-delta e o wingsuit (conhecido como aquela prática radical em que os homens vestem roupas que os deixam parecidos com morcegos e voam). Outras práticas que liberam adrenalina são a corrida e o pulo, e The King’s Bird traz os três envolvimentos citados neste parágrafo.


Voar, correr e pular são a espinha dorsal deste jogo de plataforma em 2D, que também explora o deslize por rampas e paredes e testa os limites do jogador ao fazê-lo alcançar os lugares mais altos para coletar pássaros (falaremos sobre isso daqui a pouco). A premissa, portanto, é de uma experiência divertida e prazerosa, que se torna completa quando usufruímos da incrível direção musical trabalhada, que é perfeitamente sincronizada com o gameplay.

O início alegre


Devido à pouca quantidade de comandos, de imediato somos apresentados às possibilidades de movimentos, e as testamos em alguns pilares menores que precisamos escalar, deslizar e pular. O voo é atribuído a uma espécie de cachecol mágico, que diminui de tamanho conforme a distância percorrida. Basta pular de um lugar alto, segurar um botão e mover o direcional para frente que a planagem é bem sucedida.

Antes de escrever “planagem”, considerei escrever “decolagem”, mas logo me dei conta que isso poderia mudar a sua percepção, já que imediatamente associamos essa palavra aos aviões. A personagem deste jogo apenas plana, e não consegue levantar voo. Isso significa que para alcançar os topos das plataformas, precisamos intercalar o pulo com o voo  impulsionado por queda livre seguido de subida, como fazem os pássaros.



Nos jogos em que não há um tutorial, a primeira fase sempre é destinada a tal, e é assim que aprendemos a jogar The King’s Bird, que sequer possui um menu inicial. Essas primeiras jogatinas não fazem parte de nenhuma fase, mas sim de um hub que dá acesso às aventuras através de portais. Isso é bom porque antes mesmo de começar os desafios, somos apresentados à atmosfera, à direção artística e ao estilo minimalista dos cenários.

Quando deixamos o hub, somos transportados imediatamente ao que chamarei de “sub-hub”, que contém quatro portais dando acesso às quatro fases de fato. E é quando entramos na aventura e somos expostos a voos mais longos que percebemos que uma voz lírica ecoa na trilha sonora de forma destacada conforme nosso personagem desliza prazerosamente até o outro lado.

Essa experiência nos faz querer que o jogo tenha voos bem mais longos, para que aquela voz seja emancipada por mais tempo. Assim o jogador desenvolve ansiedade pelo que está por vir.

Enredo Duvidoso


Se você começar a jogar The King’s Bird sem ler nem mesmo uma vírgula sobre o jogo — como eu fiz — se sentirá confuso quanto às ambições do game no que diz respeito à cronologia, à sucessão dos fatos. O personagem principal, que posteriormente li que na verdade é uma menina e, portanto, a personagem principal, dialoga com um homem que tem três vezes o seu tamanho e um ar autoritário, imponente.

Um detalhe importante: nenhum dialeto terráqueo é utilizado. Assim como The Sims possui o próprio idioma, a conversa neste jogo gira em torno de uma linguagem única. O diferencial é que a comunicação é feita através da música. O emissor transmite a mensagem pela voz, cantando apenas uma vogal, e o receptor responde utilizando a mesma vogal. O que muda é a entonação, permitindo que diferentes expressões possam ser ditas.

Isso coloca em prática a natural capacidade do ser humano de se comunicar. Nós, que jogamos, podemos entender perfeitamente o que os dois personagens conversam sem que eles falem a nossa língua-mãe. É observando a conversa inicial e relacionando-a com o título do jogo que interpretamos a tal figura imponente como um rei.

Logo na primeira aventura, vemos que há vários pássaros dispersos pelo cenário e que o nosso objetivo é coletá-los, provavelmente para o rei. Digo “provavelmente” porque assim que finalizamos uma fase, somos transportados de volta ao “sub-hub” para repetir a feito na fase do portal seguinte. E assim por diante no terceiro e quarto portal, de forma que os pássaros coletados desaparecem a cada final de tela.

Finalizado um “sub-hub”, precisamos ir para outro e após todos serem completados vamos para um novo hub principal. É aí que percebemos que os hubs são, na verdade, reinos, e que cada um tem sua característica. Enquanto as fases de um hub principal são numa floresta, por exemplo, as de outro se passam em um reino caído.

Sem interação com o cenário


A transição entre o primeiro e o segundo hub principal foi estranha. A personagem parece estar sonhando e pode voar livremente saindo de nenhum lugar e indo para lugar nenhum. Como jogador, precisei apenas movê-la como se fosse um objeto e foi só. Nesse instante me dei conta de algo essencial: não há inimigos. Em todos os hubs e “sub-hubs”, só precisamos escalar paredes aleatórias e pegar pássaros. Fiquei tão impressionado com a música, o voo e tudo mais, que nem senti falta dos antagonistas.

Entretanto, finalizado o primeiro reino, passei a desejar um desafio além de apenas pular paredes. E não há. Em jogos assim, normalmente existem muitos puzzles, que acabam compensando, pois todo quebra-cabeças faz sentido quando é finalizado. Em The King’s Bird, também não há puzzles, de forma que o cenário não proporciona nenhuma interação.

Para se ter ideia, nem mesmo objetos existem nele. Só há dois elementos: os checkpoints — representados por postes de luz que se acendem quando nos aproximamos — e uma espécie de vinha espinhosa que fica nas paredes, obrigando-nos a passar longe. Se encostar nela, voltamos ao ponto de controle anterior. Se houvesse objetos (como caixas, pedras para serem roladas, etc), poderiam ser utilizadas para abrir uma porta, dar acesso a alguma passagem, que seja. Porém, nem mesmo portas existem, o cenário é morto e não tem interação.

Sem interação com a personagem


A mesma falta de interação do cenário se faz presente na personagem que jogamos. As quatro únicas coisas que ela faz são correr, pular, voar e deslizar, nada além disso. Ela não se agacha, caminha, atira, protege ou faz qualquer outra coisa. Quando isso é somado com a morbidez do cenário o resultado é decepcionante, não há outra palavra.

Com o cenário e o personagem inexpressivos, sem vida, vazios e abstratos, a jogatina não evolui no quesito experiência, que eu sempre pontuo nas análises como algo que não pode faltar em qualquer jogo. Os comandos não mudam, as habilidades não crescem, e você está sempre refém de uma personagem limitada perante desafios que vão se tornando difíceis conforme o jogo avança — entenda “difícil” como o excesso de vinhas espinhosas e plataformas cada vez menores.

Quando percebemos um início de descontentamento surgindo, passamos a questionar a essência da personagem, quem ela é, que grau de parentesco ou de relação ela tem com o rei que justifique estar fazendo tudo isso. Mas sendo ela apenas uma sombra, assim como no jogo Limbo, perdemos o encanto quando a olhamos e sequer obtemos um olhar de expressão.

Então passamos a buscar as respostas por nós mesmos, e nos frustramos quando vemos que não há nada de diferente a ser explorado, pois como já foi dito, o cenário também não é interativo. Dessa forma, somos forçados a ir sempre adiante sem questionar e sem qualquer expectativa de mudança. Em uma trama, o protagonista é sempre o eixo, ou melhor, a justificativa para tudo o que está acontece. Portanto, ele deve ser rico, com características bem definidas.

No início desta semana, Yan Honorato publicou aqui no GameBlast a análise do jogo Semblance (PC/Switch). Nele, o personagem é uma bola. Uma bola! Mas Yan pontuou a riqueza desse personagem, assim como do cenário, definindo de forma exemplar que a interatividade é o principal elemento em qualquer obra-de-arte, pois é o que leva ao auge da experiência. Acompanhe:

“[...], Semblance proporciona uma experiência muitíssimo bem-vinda. Inovando as características do gênero, a mecânica do jogo gira em torno de ser possível moldar e recriar as plataformas com movimentos simples em que o personagem se choca com os sólidos do cenário e os deforma. Indo mais além, o personagem em si, uma bolinha roxa simpática, é moldável e isso deixa tudo ainda mais interessante. À medida que o jogo progride, todos esses elementos vão se juntando e tornando a experiência única.”

Note as palavras-chave “moldar”, “recriar” e “deformar” e atente-se à última oração do parágrafo, que menciona a experiência. Essa definição preenche a lacuna fundamental que existe em The King’s Bird, e expressa perfeitamente o que eu encaro como imprescindível para um jogo. E olha que nós nem combinamos.

Dificuldade


Conforme o jogo progride, passa a exigir cada vez mais precisão nas manobras de voo e escaladas nas torres e plataformas, punindo o jogador que for apressado. Como as plataformas vão ficando cada vez menores e perigosas, o impulso precisa ser friamente calculado ou a personagem irá dar com a cara nos espinhos ou caindo para o precipício.

Isso significa que os comandos precisam estar na ponta da língua, ou melhor, na ponta dos dedos do jogador. Porém, um grande fator prejudica a precisão dos movimentos: por mais que o jogo seja de plataforma, não há o tradicional pulo duplo, presente em jogos desse gênero. No entanto, você pode dar um salto mais longo e certeiro pressionando simultaneamente A + RT no controle.

O problema é que nem sempre o jogo entende essa combinação (!), resultando em um pulo simples que leva diretamente à morte. No começo isso não é um problema, pois os saltos são fáceis e os checkpoints frequentes, mas à medida que a dificuldade aumenta e começa a causar o estresse comum de quando ficamos presos em uma parte do jogo, apertar dois botões e o sistema só entender um — fazendo você morrer no último pulo — é o estopim para jogar o controle na TV.

Esse problema se torna agudo na fase em que estamos desacreditados e incomodados com a falta de expectativa para a jogatina. É necessário ser muito persistente para continuar e ir até o final do jogo.

No fim das contas, o jogo causa uma grande expectativa logo no início, quando somos apresentados às suas mecânicas, mas logo caímos no tédio ao perceber que a sombrinha pequena e frágil de uma silhueta humana jamais se tornará forte, sagaz e nobre, e nem mesmo seus pulos ganham um upgrade.

Prós


  • Trilha sonora excelente;
  • Cores bem escolhidas que dão a ligeira sensação de variedade a cada nova fase iniciada;
  • Exalta a capacidade natural do homem de se comunicar.

Contras


  • As ações são sempre as mesmas;
  • Não é possível fazer algo além daquilo que somos apresentados na primeira fase;
  • Personagem frágil;
  • A trilha sonora fica linda durante o voo da personagem, mas quase sempre ele é curto;
  • O único comando combinado não é preciso;
  • Fator replay baixo.

The King’s Bird - PC - Nota: 5.0
Revisão: Diogo Mendes
Análise produzida com cópia digital cedida pela Graffiti Games.

Escreve para o GameBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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