Jogamos

Análise: Capcom Beat 'Em Up Bundle (Multi) nos leva de volta à era dourada dos arcades

Coletânea traz sete clássicos que ajudaram a moldar a história dos “briga de rua”.

Quem era criança no início da década de 1990 possivelmente usou o troco da padaria, mercadinho ou cantina da escola para comprar fichas de fliperama. As máquinas coloridas e barulhentas chamavam a atenção de qualquer um que passava por perto e era difícil não ficar maravilhado com aquela “explosão” de movimentos vindas das telas. Entre os jogos que mais faziam sucesso na época, estavam os de luta, corrida e, claro, os “briga de rua” — apelido carinhoso que usávamos para nos referir aos representantes do gênero beat 'em up.


Grande parte desses clássicos que marcaram a história foi produzida pela Capcom, estúdio que recentemente vem sabendo explorar bem seus projetos de outrora. Depois de lançar as coletâneas da Disney, Mega Man, Mega Man X e Street Fighter, chegou o momento da porradaria ganhar seu próprio pacote. Capcom Beat 'Em Up Bundle está disponível para PlayStation 4, Xbox One, Nintendo Switch. Já a versão para PC, via Steam, deve chegar em algum momento no futuro.

O conjunto é composto por sete jogos: Final Fight, King of Dragons, Captain Commando, Knights of the Round, Warriors of Fate, Armored Warriors e Battle Circuit. Sendo que os dois últimos figuram entre os destaques do pacote, afinal, essa é a primeira vez que saíram dos arcades e ganharam uma versão para consoles caseiros. A boa quantidade de títulos tem potencial de proporcionar horas de diversão enquanto socamos gangues de punks que atormentam os subúrbios das cidades ou procuramos um frango assado em meio ao lixo.
É uma lista de respeito

Uma rica história

O membro mais antigo desse time de peso é Final Fight (1989), por outro lado, temos Battle Circuit (1997) como caçula. A diferença de oito anos pode parecer pequena, mas demonstra um pouco da evolução dos beat 'em up. Partindo dos sprites grandes e um tanto quanto lentos de Cody, Guy e Haggar, em Final Fight, chegamos até os extravagantes personagens com animação fluída e aventura frenética de Battle Circuit. Uma das melhores experiências da coletânea é ir passeando entre os games em busca dessas sutis melhorias.

Ter acesso facilitado a tantos títulos desse estilo também ajuda a derrubar uma das principais críticas ao gênero: jogos muito parecidos e repetitivos. Apesar de seguirem o conceito básico de andar para a direita e arrebentar todo inimigo que aparece na tela, cada um deles têm particularidades que os tornam únicos e interessantes. Por exemplo, os elementos de RPG, como aumento de nível, de King of Dragons ou a possibilidade de alterar a composição do mecha, e consequentemente as maneiras de atacar os inimigos, em Armored Warriors.
Sistema de melhorias é o diferencial de King of Dragons

Como se tratam de jogos criados inicialmente para máquinas de fliperamas, todos os games do pacote apresentam campanha bem curta, que pode ser facilmente finalizada em menos de uma hora. O passado arcade também faz com que o fator replay seja praticamente inexistente, ou seja, depois de terminar a jornada por cidades assoladas pelo crime ou em ambientes medievais, não existem atrativos para uma segunda aventura. A falta de tarefas extras acaba diminuindo a vida útil da coletânea.

Nem mesmo o sistema de troféus e conquistas é capaz de colaborar nesse sentido, afinal, se resumem a finalizar cada um dos títulos uma vez, além de experimentá-los no modo online. Com isso, Capcom Beat 'Em Up Bundle acaba se tornando um bom item para se ter na biblioteca e esporadicamente usá-lo para lembrar do passado, ainda mais quando a jogatina pode ser compartilhada no multiplayer local, porém que não se sustenta por longos períodos, principalmente, quando está no single player.

Cadê todos os recursos?

As coletâneas anteriores da Capcom se destacaram por sempre trazerem conteúdos extras além dos jogos. Na Disney Afternoon Collection tivemos o botão de retroceder, que permitia “voltar no tempo” e corrigir algum movimento errado que o jogador cometeu. Nos pacotes de Mega Man, vários desafios complementares baseados nos jogos da série praticamente duplicavam o material disponível. Já na Street Fighter 30th Anniversary Collection, o destaque fica por conta das batalhas online.
Não há filtros para a tela e nem a opção full screen

Capcom Beat 'Em Up Bundle repete a fórmula e traz sim alguns desses recursos modernos. O principal é a opção de seções via internet de qualquer um dos jogos. Podemos procurar por salas de nosso game preferido e jogar juntamente com pessoas do mundo inteiro. O mais interessante é que tal funcionalidade lembra bastante dos antigos fliperamas, podemos chegar juntos com o amigo na máquina e iniciarmos a jogatina desde o início, ou então, usar nossa “ficha” para entrar no meio de uma campanha que já estava em andamento.

O modo online funciona bem, abrigando até quatro jogadores simultaneamente dependendo do game. Durante meu tempo com o jogo, o principal problema foi localizar alguma seção na minha região, para diminuir o lag. Ao ampliar a procura para o mundo inteiro fica bem mais fácil encontrar salas disponíveis, porém, nesse caso, acaba entrando em campo também o fator sorte, pois encontramos seções funcionando perfeitamente e outras em que tudo fica impossível de se jogar devido aos travamentos.
Sistema de salas permite escolher o jogo online que queremos integrar
Apesar da interessante opção online, a coletânea fica devendo nos demais recursos. As artes conceituais dos jogos, que estavam presentes em outros pacotes da Capcom, também existem aqui, mas de uma maneira bem mais pobre se comparada com as coleções anteriores. Outra característica que não foi incluída e faz falta é a personalização de tela, que permite a aplicação de filtros, trazendo um aspecto nostálgico, ou alteração de tamanho para full screen (mesmo “esticando” a imagem).

Porém, melhor do que o online é a possibilidade de convidar um amigo para o multiplayer local. Nada mais nostálgico do que ter uma pessoa fisicamente ao lado para poder dividir os inimigos (um pega os que vêm da direita e o outro aqueles que surgem na esquerda da tela), ou então, brigar com o companheiro por ter comido o frango que restaura a vida, sendo que sua barra de energia estava bem menor.
Bordas laterais estão sempre presentes

Xô censura!

Devido às particularidades de cada cultura ao redor do mundo, frequentemente, os games passam por censura que alteram alguns aspectos. Em Capcom Beat 'Em Up Bundle, podemos experimentar tanto a versão americana quanto a japonesa de cada um dos games, isso permite que vejamos várias mudanças, com algumas mais perceptíveis e outras menos. As alterações começam nos nomes e logomarcas de certos jogos e atingem até mesmo o conteúdo do gameplay.
Warriors of Fate é um dos jogos que tem logo diferente na versão japonesa
Uma das mais perceptíveis está na cena de abertura de Final Fight, em que o prefeito Mike Haggar recebe em seu escritório a mensagem em vídeo de que sua filha, Jéssica, havia sido sequestrada. Enquanto na versão japonesa a garota aparece amarrada vestindo apenas suas roupas íntimas, na americana todo o vídeo é estrelado somente por um membro da gangue Mad Gear.


Outra censura que ficou muito famosa na época aconteceu em Capitão Comando. Enquanto o ninja Ginzu cortava seus inimigos ao meio, com sangue voando dos corpos no jogo de arcade, o port para Super Nintendo acabou diminuindo um pouco a violência gráfica. No console caseiro, a morte dos malvados era bem menos impactante. Como muitas crianças da época só tiveram contato com o game na plataforma da Big N, essa é a chance de conhecer sua versão “para maiores”. Por esses pequenos e curiosos detalhes, a Capcom acertou em cheio em disponibilizar os jogos de ambas as regiões na coletânea.
Agora sim podemos ver os inimigos partidos ao meio

Lista incompleta?

A Capcom foi uma das principais responsáveis pela ascensão dos beat 'em up nas décadas passadas. Prova maior é que mesmo com sete games, essa coletânea ainda está incompleta. Entre as ausências mais sentidas, se destacam Cadillacs and Dinosaurs, The Punisher e Alien vs. Predator. A falta desses games se explica pelo licenciamento dos personagens, já que são oriundos de franquias cuja propriedade intelectual não é do estúdio. Apesar de serem uma ausência sentida, essa carência não retira o brilho do bundle.

Sonho de toda criança

Quem nunca ficou frustrado ao ser derrotado por aquele chefão e não ter uma ficha extra para apertar start na tela de continue? O bundle traz a chance de se vingar de toda essa tristeza da infância com um estoque infinito de créditos. Não importa quantas vezes nosso personagem é derrotado, podemos continuar voltando infinitamente até que a jornada em busca da paz termine. O que pode parecer um sonho a princípio, acaba se revelando um verdadeiro incômodo com o passar do tempo.
Nenhum chefão parece tão ameaçador

É sim bacana o jogo oferecer a possibilidade de terminá-lo independentemente da habilidade de quem está no controle. No entanto, seria ainda mais interessante se existisse a opção de limitarmos a quantidade de vidas extras à disposição. Sem essa limitação, o nível de desafio se torna praticamente nulo e nenhum dos chefões, que pareciam terríveis papa-fichas no passado, é realmente uma ameaça. A única possibilidade de personalização está na dificuldade, ou seja, ficou mesmo faltando um limitador que resgatasse lá no nosso interior aquele medo de ser derrotado e ver todo o progresso desperdiçado.

Celebrando o passado

A Capcom parece ter percebido que é dona de um riquíssimo acervo e vem sabendo aproveitá-lo muito bem nos últimos anos. Mais do que atender ao público retro gamer, essas coletâneas mantêm viva a memória de toda uma geração, além de servirem como cartão de visita para os jogadores mais novos conhecerem o passado desse nosso tão querido meio de entretenimento. Mais uma vez, o estúdio acertou em cheio e nos trouxe um pacote de respeito que merece sim a atenção do público.

Capcom Beat 'Em Up Bundle é a celebração máxima do legado do gênero “briga de rua”. Mesmo sendo um pouco mais cru do que outras coleções lançadas recentemente pelo estúdio, a variedade e qualidade dos integrantes do pacote são suficientes para qualquer um dar uma chance ao game. É um item que tem espaço garantido principalmente nas bibliotecas daqueles mais nostálgicos.
Um soco certeiro na nostalgia

Prós

  • Lista de games disponível celebra com louvor o legado do gênero;
  • Multiplayer online ou local funcionam bem;
  • Escolha acertada ao disponibilizar versões de diferentes regiões.

Contras

  • Infinitos continues eliminam o fator desafio;
  • Falta de elementos que estavam presentes em outras coletâneas;
  • Inexistência de incentivos para replay.
Capcom Beat 'Em Up Bundle — PS4/XBO/Switch — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: PS4
Revisão: Link Beoulve
Análise produzida com cópia digital cedida pela Capcom

É jornalista e obcecado por games (não necessariamente nessa ordem). Seu vício começou com uma primeira dose de Super Mario World e, desde então, não consegue mais ficar muito tempo sem se aventurar em um bom jogo. Diretor de Redação do Nintendo Blast.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


Disqus
Facebook
Google