Chronicle

Punk's not Dead: o maluco universo da Grasshopper Manufacture (parte 2)

Confira a segunda e última parte do dossiê a respeito do estúdio de desenvolvimento fundado por Goichi Suda.



Na parte anterior, conhecemos a respeito de como Suda 51 fundou o estúdio depois de sair da Human Entertainment e sua ascensão na indústria de games. Com Killer7 e No More Heroes, a Grasshopper Manufacture atingiu proporções internacionais e começaria a chamar a atenção das publishers do ocidente, quando começa uma nova fase de sua história.

Entrando em atrito com as produtoras do ocidente

Ainda em 2008, Kurayama começou a ser concebido por Suda como um jogo de survival horror com toques kafkianos. No entanto, a ambientação e o enredo começaram a ser retrabalhados quando a Electronic Arts entrou como a produtora do jogo, que também foi produzido por Shinji Mikami.



Inicialmente, Garcia Hotsupur, o protagonista, começaria o jogo nu, sem absolutamente pertence algum, e Paula, outra personagem, seria uma pequena garota que vivia na arma de Garcia e que ajudaria o protagonista com suas habilidades incomuns. No entanto, a própria EA acabou pressionando Suda a respeito da história até que cinco versões foram entregues à produtora e Shadows of the Damned se tornou uma história de amor. O resultado final, segundo Mikami, acabou decepcionando Suda, visto que o jogo era completamente diferente da ideia original que havia sido proposta. O próprio Suda acaba atribuindo a culpa à Electronic Arts por conta disso:
“Eles disseram que os ocidentais eram chegados numa arma, então eu dei a ele [Garcia] uma arma, e a direção do projeto fez uma curva de 180°. EA é uma empresa muito restrita a ponto de discutirmos com eles no mesmo passo em que desenvolvíamos. Os pedidos deles eram muito exigentes. Nós tivemos que esboçar o cenário cinco vezes antes de o finalizarmos. No fim, cada um era tão singular que foi como se tivéssemos escrito cinco jogos diferentes. No último esboço, nós fizemos uma história de amor. A EA nos disse ‘existe um negócio chamado ‘roteiro de elevador’, que diz que se você não consegue contar a sua história como se fosse uma conversa de elevador, Hollywood não vai usá-la’.”
Com o passar dos anos, Suda, a alma da Grasshopper, passou a se envolver cada vez menos na produção direta dos títulos desenvolvidos pelo estúdio. Sine Mora foi um exemplo. O shooter de navinha foi basicamente concebido pelo estúdio húngaro Digital Reality (o mesmo responsável por SkyDrift), e, utilizando animais como alegoria, trabalha o histórico de guerras lutadas pela Hungria.

A Grasshopper trabalhou em projetos menores como Diabolical Pitch e Liberation Maiden, para Xbox Live Arcade e iOS, respectivamente, e Neon Genesis Evangelion: Sound Impact, um jogo rítmico baseado na série em anime e lançado para PSP, antes de se aventurar na produção de Lollipop Chainsaw, com a produção da Warner Bros.. Com enredo sob a responsabilidade de James Gunn, diretor e roteirista responsável por Guardiões da Galáxia, o jogo conta a história de Juliet Starling, uma líder de torcida caçadora de zumbis que deve enfrentar cinco zumbis-chefes que representam cada um estilo musical diferente. Aqui, Suda foi responsável apenas pela direção criativa.



Nesse meio tempo, a Grasshopper desenvolveu Black Knight Sword, um sidescrolling para Xbox Live Arcade e PlayStation Network, sobre um cavaleiro negro em sua empreitada para derrotar a princesa branca. Suda também se ocupou em uma colaboração com Hideo Kojima: Sdatcher é uma radionovela que serve de prólogo para Snatcher, jogo concebido por Kojima e lançado originalmente em 1988. Liberation Maiden SIN, sequência de Liberation Maiden, também foi desenvolvida, mas lançada para o PlayStation 3 sob a forma de visual novel.

O próximo título de peso da Grasshopper Manufacture foi Killer is Dead. Lançado em 2013, o jogo atraiu criticismo pela sua história confusa e abordagem machista em relação às chamadas missões de gigolô, em que o protagonista precisa conquistar diversas moças com presentes a fim de levá-las para cama.



O jogo teve um desenvolvimento conturbado por conta da proposta de aquisição do estúdio feita pela GungHo. Isso fez com que Killer is Dead fosse repassado constantemente para outros escritores, resultando no enredo confuso e sem sentido do resultado final. Além disso, as missões de gigolô, outro alvo das críticas, foram uma exigência da produtora, Kadokawa Games, que acreditava que isso fosse turbinar as vendas.
Houve uma pressão forte da nossa produtora, Kadokawa Games, para incluirmos personagens femininas mais sexy. Então, mesmo que já tivéssemos Vivienne e Mika, começamos a adicionar mais personagens ao jogo. O modo gigolô foi colocado para alavancar as vendas. A respeito do design das personagens femininas, as exigências da Kadokawa eram esmagadoras ao ponto de eu mesmo não ter espaço para implementar as minhas ideias.

Tínhamos acabado de finalizar o projeto anterior, Lollipop Chainsaw, e eu não queria que a Grasshopper tivesse essa imagem erótica. A história de Lollipop Chainsaw não deveria ser tão erótica assim, mas perdemos a mão porque tivemos que colocar o biquíni de conchas (entre outros) em cima da hora no fim do desenvolvimento. Isso aconteceu porque a produtora, a Kadokawa, tem uma ideia sólida do que é que vende, e isso acabou se tornando uma boa experiência de aprendizado.
Em seguida, a Grasshopper desenvolveu Short Peace: Ranko Tsukigime's Longest Day, para PlayStation 3, como parte integrante da antologia de filmes Short Peace, de Katsuhiro Otomo. Críticas a respeito envolvem o gameplay vazio e a duração do jogo, de aproximadamente uma hora e meia. Em 2013, Lily Bergamo, supostamente sendo desenvolvido para o PlayStation 4, ganhou um rápido trailer de quarenta segundos. Algum tempo depois, foi confirmado que o jogo teria se tornado Let it Die, anunciado na E3 de 2014 e lançado sem muito alarde apenas no fim de 2016 como free to play.


O Punk está morto?

Entre os projetos confirmados para o futuro da Grasshopper Manufacture, ou, ao menos, de Suda 51, está uma sequência na série No More Heroes, anunciada pelo próprio no evento de apresentação do Nintendo Switch, em 2017. Suda também foi o responsável por escrever o roteiro de Kurayami Dance, mangá publicado entre 2015 e 2016 que segue o conceito original de Shadows of the Damned, antes das exigências da EA em relação ao projeto.

Apesar dos últimos anos não terem sido tão positivos e prolíficos para a Grasshopper, é possível acreditar que ela ainda pode se reinventar conceitualmente. O Punk, que Suda implementou no DNA do estúdio, é um estilo de vida que envolve quebrar as normas estabelecidas anteriormente e de se reinventar contra o sistema. Para Suda, o Punk também envolve a criação: não é apenas em relação ao estilo presente nos jogos desenvolvidos, mas também na forma como eles são feitos.

Novas ideias podem surgir e, se não foram possíveis, que seja encontrado um jeito diferente, tal como foi feito em The Silver Case com seu time de quatro pessoas que teve que desenvolver uma engine própria para colocar as ideias em prática. É realmente uma pena que tal ideal tenha que se perder por conta de empresas como a EA e a Kadokawa, ditando o espírito criativo de um estúdio que muitas vezes antes foi capaz de trazer um novo frescor à indústria de videogame que caminhava para temáticas cada vez mais homogêneas, repetitivas e formulaicas.

Revisão: Ana Krishna Peixoto

É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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