Discussão

É hora de refletir se Sonic já foi realmente bom

A segunda metade da vida do ouriço não foi muito bem-sucedida, mas seria esta uma maldição pré-anunciada?



Há alguns dias, quando ocorreu o evento de 25 anos do Sonic, o mundo gamer se dividiu entre as pessoas que não deram a mínima e as que morreram de vergonha alheia. Eu estava firmemente na primeira categoria, até que retrospectos do evento acharam seus caminhos até mim e pude me aliar à turma da vergonha alheia. Como pode Sonic, o personagem que um dia representou tudo que era "maneiro" e "radical" nos videogames, ter chegado a este ponto? É uma pergunta que exige um pouco de investigação.

Não é novidade que nos últimos dez anos, Sonic Generations é o único jogo do porco-espinho com um pingo de dignidade. A grande dúvida é se isso é resultado da total falta de noção da produtora ou um problema inerente da fórmula da série. Bem, naturalmente seria possível continuar fazendo jogos moderadamente bons sem precisar reinventar a roda a cada título, mas é possível que a filosofia da série — gotta go fast — não sustente uma continuidade sem a tornar cansada e previsível.

Na verdade, não é necessário imaginar uma timeline alternativa em que a Sega optou por não tornar seu mascote uma paródia de si mesmo: há, afinal, diversos jogos clássicos da série que podem ser suficientes para mostrar os sinais dessa degradação da fórmula. Foi com isso em mente que acabei aproveitando o bundle-buffet de jogos de Genesis/Mega Drive para adquirir Sonic the Hedgehog, Sonic the Hedgehog 2, Sonic 3 & Knuckles e Sonic CD. O único destes que eu havia jogado mais do que poucos minutos antes da nova aquisição — especificamente, quando eu tinha uns 10 ou 11 anos — foi o Sonic 3, que experimentei nas aulas de informática durante o ensino fundamental.
Todos reclamam dos amiguinhos do Sonic, mas eles não são novidade.
Devo brevemente elogiar o trabalho que a Sega teve nesse relançamento dos jogos de Genesis: as bordas curvadas e os filtros de imagem tornam esta provavelmente a melhor forma de jogar games antigos numa tela de LCD. Mas isso é conversa para outro dia. Meu objetivo era jogar, não necessariamente até o fim, mas o suficiente de cada um desses jogos para poder julgar se merecem, realmente, serem lembrados como alguns dos melhores daquela época.

Comecei, então, pelo primeiro jogo. Green Hill Zone é uma velha conhecida de todo mundo, junto com sua música marcante. O interessante é que essa primeira fase praticamente define tudo que pode ser bom com Sonic — não por acaso, as primeiras fases dos jogos seguintes, Emerald Hill Zone e Angel Island Zone, seguem linhas de level design bem similares. Essas três fases aliam bem momentos de velocidade alta com alguns segmentos de plataforma e combate. Quando menos se espera, a fase acaba e o jogador fica satisfeito (no primeiro Sonic, as fases são divididas em três atos em vez de dois, que é claramente um pouco demais; isso foi melhorado nos Sonics 2 e 3).
Não há muito do que reclamar quando se trata da parte visual e sonora.
Curiosamente, é sempre na segunda fase que os problemas desses jogos começam a se expor. Marble Zone vai contra tudo que aprendemos em Green Hill. Quase não há espaço para correr e maior parte dela envolve pular em plataformas pequenas enquanto desvia de inimigos, espinhos e pilares de lava. Em outros jogos de plataforma, seria apenas outra terça-feira, mas é importante lembrar como a mecânica de Sonic é feita para a velocidade e, portanto, baseia-se muito em inércia. Quando o Sonic está parado, ele demora para acelerar; quando está rápido, demora para desacelerar. Isso funciona muito bem em Green Hill Zone (apesar de que, em alguns momentos, o jogo "se joga sozinho"), mas acaba sendo desagradável em segmentos que exigem precisão em seus pulos. Para melhorar a situação, o campo de visão estreito do jogo às vezes esconde armadilhas maliciosas, que acabam sendo mais incômodas do que realmente problemáticas, já que o sistema de anéis faz com que seja difícil de morrer.
Até o Sonic está cansado de esperar a caixinha atravessar a lava.
O mais interessante sobre todo o design de Sonic é que parece ser repleto de boas ideias. Jogabilidade baseada em velocidade; o sistema de anéis; as fases que, desde Sonic 2, contêm caminhos alternativos… São ideias originais que, vistas num vácuo, parecem ser ótimas. Infelizmente, muitas delas acabam não funcionando juntas ou não atingem seus potenciais. Por exemplo, os diversos caminhos de uma fase são interessantes para que sessões diferentes do jogo sejam menos repetitivas entre si, mas não há muita lógica na forma como os caminhos se espalham. Não há um caminho mais fácil e outro mais difícil, nem tipos de desafios diferentes em cada um deles— eles são geralmente equivalentes e até muito similares. Ao encontrar uma bifurcação, basta escolher um caminho e ir, não há consequências positivas nem negativas para isso.

O fundamento principal de Sonic é ir rápido, mas a impressão que tenho é que o jogo tem seus problemas tanto rápido quanto devagar: indo rápido, é muito fácil de ser atingido por inimigos e obstáculos que exigem reflexos super-humanos (ou boa memória) para serem evitados. Devagar, como eu disse antes, o jogo é mecanicamente desagradável. E o pior de tudo é quando uma fase vai diretamente contra esse fundamento. Veja como Emerald Hill Zone, a primeira fase de Sonic 2, é um bom exemplo de fase que aproveita a velocidade do Sonic sem ter um bocado de armadilhas para os apressados (clique para ver maior):



Por outro lado, veja Wing Fortress Zone, a penúltima fase, que quase não dá espaço para correr e premia qualquer excesso de velocidade com quedas, levando à morte.


Hydrocity, a segunda fase de Sonic 3, por sua vez, chega ao ponto de forçar a lentidão usando longos segmentos subaquáticos. Sonic fica chato de controlar e há o constante medo de morrer afogado (todo mundo que jogou sofre traumas com aquela música).

A verdade, contudo, é que por mais acertadas que sejam as primeiras fases dos três jogos, um jogo inteiro seguindo essa mesma linha de design ficaria chato, pois seria repetitivo. É possível que, como obra individual, optar por fases que não aproveitam a mecânica central do jogo seja ideal, mas parece apenas demonstrar que tal mecânica tem pernas curtas. Além do mais, não é como se a concorrência naquela época fosse extremamente acirrada: tantos jogos tinham movimentação lenta e travada, então com certeza a velocidade do Sonic foi uma mudança bem-vinda.



Finalmente, é importante lembrar como todo o conceito de Sonic foi mais uma jogada de marketing do que algo para os jogos. A Sega precisava de um mascote e Sonic foi criado para apetecer um público infantil que, como crianças geralmente fazem, querem se sentir mais velhos e radicais. Lembrando disso, também é possível pensar que os jogos foram feitos ao redor dessa ideia e não a partir dela — e isso explicaria por que há tantas ideias pouco aproveitadas nesses jogos.

Os Sonics antigos são ruins? Não, provavelmente não mesmo. São jogos bons em vários sentidos — não dá para negar a qualidade da apresentação visual e sonora deles — entretanto, também apresentam várias fraquezas que parecem ser inerentes da fórmula básica da série e que demonstram como, no fim das contas, Sonic não nasceu para continuar correndo 25 anos depois.

Você pode me chamar de nintendista desiludido e ir embora. Só não queira me ver falando sobre Sonic CD.

Revisão: Ana Krishna Peixoto


Escreve para o GameBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
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