Analógico

Nossa personalidade nos MOBAs: A hora de escolher um personagem

Um dos momentos mais básicos em qualquer MOBA é a escolha do personagem com o qual jogar. Mas será que alguma coisa em nós influencia essa escolha?

Um dos gêneros mais novos de games, sem dúvidas, é o MOBA (Multiplayer Online Battle Arena). Esse estilo de jogo tem conquistado cada vez mais adeptos, criando uma legião de fãs ao redor do mundo e promovendo alguns dos maiores e mais bem pagos campeonatos de videogame do mundo. Isso trouxe os MOBAs para o patamar de títulos AAA com games como League of Legends (PC), Dota 2 (PC) e Heroes of the Storm (PC).


Mas seja nesses jogos mais famosos ou em alguns um pouco mais desconhecidos (mas com semelhante qualidade) como Smite (PC), Awesomenauts (Multi) e Infinite Crisis (PC), uma das características mais marcantes é a vasta quantidade e variedade de personagens a serem escolhidos. Sejam eles chamados de “Champions”, “Heroes”, “Avatares” ou qualquer outra denominação, esses personagens e suas habilidades são o que ditam a forma da qual cada um irá jogar, permitindo diversos estilos, combinações e variações.

Uma tendência bastante comum é que jogadores tenham maior proeza com um estilo de personagem em comparação a outros com os quais não se dá tão bem durante a jogatina. Isso, de acordo com alguns estudos, não advém somente do treinamento com aquele estilo de personagem, mas também faz ligação com algumas características pessoais da pessoa, muitas delas advindas da sua personalidade. Então, com isso, a nossa personalidade influencia nossa escolha por personagens A, B ou C? Calma, vou explicar…



As “profissões” dentro dos MOBAs

Em cada game existem algumas características próprias que o diferencia dos demais. Essas caracterísisticas nos MOBAs estão muito ligadas à sua jogabilidade e tipos de personagens a se escolher. Entretanto, existe uma base de focos de personagens que é bem comum entre todos os jogos do gênero. São esses focos que chamarei de “profissões básicas dos MOBAs”. Entre os quais temos:

  • Tanker: O Tanker, ou Tanque, é um dos papéis mais comuns em todos os MOBAs. Exemplos não faltam: Ymir (Smite), Scoop (Awesomenauts), Diablo (HotS), Sion (LoL), Axe (Dota 2) e isso para citar somente um de cada jogo. Os Tanques são aqueles personagens com quantidade muito maior de vida e/ou defesa, que vão na frente do time para a batalha, protegendo todos e servindo de alvo para possíveis ataques. Como tem muita resistência, aguenta maior quantidade de dano, para que o resto do time faça o seu trabalho. Geralmente passa parte do jogo sozinho, para ficar forte mais rapidamente e, assim, conseguir resistência maior.
  • Mage: O Mage, ou Mago, é o tipo de personagem que começa o jogo devagar, se apoiando muito em itens e atacando quase sempre de longe. Eles possuem defesa baixa e ataque mediano no início das partidas, porém, ao longo do jogo, conseguem danos mais altos e são responsáveis pelo controle da luta, com danos cheios de efeitos especiais e alcance maior. Comumente usados em linhas de jogo (lanes) mais curtas, costumam também jogar sozinhos (solo) para um crescimento mais rápido, por conta de serem responsáveis pelo controle médio das lutas. Exemplos são fáceis de citar também: Annie (LoL), Invoker (Dota2), (Smite) e outros.
  • Support: Support, Suporte ou apenas Sup. Uma das classes de personagem que, em conjunto com Tanques, são mais necessárias para uma boa disputa entre times. Como o próprio nome diz, o Suporte é a base do time, responsável por dar apoio aos Magos e Assassinos com bônus de ataque e agilidade, além de aumentar a defesa e curar a vida dos Tanques enquanto esses tentam sobreviver na linha de frente. Suportes têm ataque e agilidade muito baixos, uma vez que o foco deles não é matar o inimigo, mas sim possibilitar que os companheiros durem mais na batalha. Suportes quase nunca jogam solo e necessitam de uma atenção redobrada nos acontecimentos do jogo para ajudar o time da melhor maneira. Como exemplo podemos citar: Sona (LoL), Witch Doctor (Dota 2), Malfurion (HotS) e Voltar (Awesomenauts).
  • Assassino ou ADC: O Assassin, ou simplesmente ADC (Attack Damage Carry) é um dos tipos de personagem que mais matam durante as partidas. Possuem vida e defesa muito baixos, mas tendem a ter os maiores danos do jogo, com velocidade altíssima de ataque e chance de causar danos críticos (com o dobro ou até triplo de dano, dependendo do item que façam). Trabalham bastante em parceria com Tanques e Suportes pelo fato de finalizarem o trabalho que os dois anteriores não conseguem muito bem (em condições normais de jogo, é claro). Costumam jogar sempre ao lado de um Suporte no início do jogo e fazem armadilhas facilmente, surpreendendo o inimigo e executando-o de forma rápida. Exemplos: Loki (Smite), Rikimaru (Dota 2), Katarina (LoL), Leon (Awesomenauts) e Valla (HotS). 

Além dessas quatro profissões básicas, cada jogo trabalha com algumas outras, como Junglers (personagens que passam a maior parte do jogo entre as lines, ajudando todos ao mesmo tempo) e Pushers (responsáveis por carregar lines mais rapidamente, sem ter necessariamente o foco nas lutas contra outros jogadores). Mas essas profissões são consideradas mais secundárias, pois diversos personagens considerados Assassinos, Tanques, Suportes ou Magos podem fazer essas funções.

Não apenas profissões, mas um estilo de jogo

Com isso, temos um conhecimento básico de papéis de jogo que são mais comuns entre todos os MOBAs. Cada uma dessas profissões possui modos de jogo diferentes e os personagens que exercem essas funções possuem formas de jogo variadas, além das infinitas combinações de itens possíveis em alguns deles, possibilitando uma imensa variedade de habilidades, itens e modos de jogo que dão a graça ao gênero, impedindo que esse se torne entediante ou repetitivo demais.

Porém, vez ou outra nos deparamos com algumas “anomalias” nesse esquema de profissões e combinações que, à primeira vista, são monstruosidades e até consideradas idiotices. Mas no decorrer do jogo se mostram absurdamente consistentes e lucrativas para o time. Algo mais comum ainda é quando vamos tentar reproduzir o que um colega fez durante a partida, nos damos muito mal e somos chamados de noob.



Isso acontece muito mais pela personalidade e aptidão de cada jogador do que somente por causa dos personagens e itens que ele usa. Na verdade, a combinação de personagens e itens que cada jogador utiliza diz muito da personalidade dele, pois reflete um estilo de pensamento, capacidade de ação e funcionamento próprio que se difere dos seus amigos, sejam aliados ou adversários. Vou explicar isso melhor usando eu mesmo como exemplo.

Estudo de caso: Gilson Peres

Como alguns dos nossos leitores mais ávidos já devem saber (caso contrário, é só ler a minha descrição lá no final do texto) estou me formando em Psicologia e, como parte da graduação, aprendemos a usar determinados testes psicológicos para mapear a personalidade de cada um. Em minha formação, como pré-requisito para aprovação, alguns desses testes foram aplicados em mim e corrigidos em conjunto com a professora posteriormente.

Com isso, vou usar algumas caracterísitcas minhas como exemplo de como nossa personalidade está atrelada em nossas escolhas durante toda a vida, e isso inclui até os personagens que gostamos mais nos MOBAs. Vale lembrar que testes psicológicos são instrumentos sérios e exclusivos dos profissionais psicólogos, não enquetes encontradas na internet ou coisa parecida. São instrumentos profissionais cientificamente testados e aprovados pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) para uso terapêutico ou acadêmico, não para brincadeiras e afins. 



Em minhas avaliações algumas características básicas da minha personalidade foram bem delimitadas: alto desempenho em empenho e autonomia, o que sugere uma tendência de agir de forma independente, rápida e visando vencer obstáculos; tendência a planejar antecipadamente suas atividades; características de liderança em evidência e baixa preocupação com normas muito específicas, tendendo a agir de modo diferenciado. Isso é parte do que eu sou! 

Pois bem, com isso, podemos traçar uma comparação com o estilo de jogo e papel com o qual mais me dou bem em todos os MOBAs que já joguei: Tanque. Os Tanques começam o jogo sozinhos para crescer mais rapidamente (autonomia e ação rápida e independente) vão na frente dos demais jogadores (liderança?), sendo geralmente os primeiros a entrar na luta e servem de defensores do time (vencer obstáculos). Em contrapartida, sou péssimo nas armadilhas, pois planejo antecipadamente minhas ações e acabo travando em situações rápidas, ao mesmo tempo em que questiono muitas formações estáticas de jogo por agir de modo diferenciado às vezes. Coincidências? Acho que não.



Videogames e a troca simbólica

Eu poderia carregar vocês leitores com toneladas de exemplos de “padrões” de personalidade que combinam com esse ou aquele estilo de jogo ou de personagem. Mas deixarei isso para outra oportunidade ou até para vocês mesmos observarem enquanto jogam com os seus amigos. Agora quero mostrar um pouco do porquê essa aproximação entre personalidade e estilo de jogo acontece.

Diversas teorias da Psicologia como a Psicologia Social e a Psicologia Analítica descrevem nossas interações como trocas simbólicas que fazemos com outras pessoas, com objetos, com momentos da nossa vida e com tudo que está ao nosso redor. Essas trocas são absolutamente individuais e subjetivas, próprias de cada um. Mas são influenciadas por nossa criação, pelo ambiente que estamos e, é claro, por nossa personalidade.



A título de informação, a nossa personalidade pode ser considerada como o esquema de reações básicas de funcionamento que desenvolvemos ao longo da vida através de nossas vivências e influências, que dizem como nos relacionamos com o meio ambiente, com as pessoas a nossa volta e com os objetos com os quais interagimos. E existe algum objeto mais interativo do que os videogames atualmente?

Como Omar Pereira, em conjunto com outros pesquisadores do Instituto de Psicologia da USP em 2012, mostrou em uma pesquisa na qual foram entrevistados alguns jogadores, os videogames estão entre as novas tecnologias que mais possibilitam a troca simbólica entre jogador e objeto. Isso acontece uma vez que os jogos nos colocam em situações que nos possibilitam vivenciar “na pele” dos personagens situações distintas que simulam realidades. 

Isso faz com que tenhamos apreço, repudio, nojo e paixão por variados personagens. Do mesmo modo, como nossa personalidade dita nosso modo de funcionamento no mundo e uma parte mais “nuclear” dela não muda depois da adolescência, é muito comum e até esperado que cada um de nós jogue de uma forma, goste dos jogos por um motivo diferente e, nos MOBAs, se dê melhor com uma determinada função do que com outras.


Chega de culpa! Viva a diversidade!

Com isso, tenho uma sugestão muito divertida de se fazer. Comecem a notar como vocês mesmo jogam e como agem na vida. Acreditem quando eu digo que essas duas coisas têm mais em comum do que aparentam ter. Não quero aqui ditar que as pessoas “nascem” para jogar este ou aquele jogo, ou desse ou daquele jeito. A personalidade é dinâmica e muda bastante com o passar da vida, mas de um jeito ou de outro, ela acaba por influenciar nossos estilos de jogo.

Então jogadores, experientes ou não, não se culpem por não se dar bem como Suportes, Tanques ou Assassinos. Prestem bastante atenção se a sua dificuldade está relacionada ao jogo em si ou se está ligada ao tipo de personagem que você está jogando. Uma dica que eu dou para os iniciantes em MOBAs é: experimente! Teste vários personagens de vários tipos diferentes até achar aquele papel que você se sente mais confiante em executar no time! E acreditem, independente da função que você escolher, seu modo de jogo nunca será idêntico ao dos amigos, pois cada um, como vimos aqui, funciona de um modo diferente.



Então é isso! Aposto que agora vocês irão pensar mais sobre a escolha inicial dos seus personagens e até passarão a entender melhor o porquê de gostarem mais da Katarina do que do Garen, ou mais do Axe do que da Drow Ranger. E lembrem-se sempre! O mais importante dos games é se divertir. Até a próxima.

Revisão: Luigi Santana
Capa: Victor Pereira


Gilson Peres é Psicólogo e Mestre em Comunicação pela UFJF. Está no Blast desde 2014 e começou sua vida gamer bem cedo no NES. Atualmente divide seu tempo entre games de sobrevivência e a realidade virtual.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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