Portal Gun: entenda a “ciência” por trás dessa arma

Já que não dá pra fazer uma dessas na vida real (ainda), vamos tentar entender como ela funcionaria em meio às leis da Física do nosso universo.

em 22/04/2015
Portal é, verdadeiramente, uma obra-prima. Desde a trama vivida por Chell nos laboratórios da Aperture Science até o gameplay inovador e divertidíssimo que os portais possibilitam, jogar a série é uma obrigação para qualquer ser humano que gosta de videogames. Tudo isso por causa de um único aparelho: o Dispositivo Portátil de Portais Aperture Science, ou como gostamos de chamar, a nossa querida Portal Gun.


falamos dela anteriormente aqui no GameBlast, quando contamos mais sobre a parte ficcional desta “arma” e suas origens dentro da história da série. Hoje vamos tentar entender como essa bendita maravilha da ciência funcionaria se pudéssemos recriá-la no mundo real a partir de algumas teorias da Física. Já adianto que não dá pra comprar uma coisa ou outra e fazer a sua em casa, mas uma coisa é certa: o capricho que o pessoal da Valve teve para “inventar” esse dispositivo é louvável.

Antes de tudo, uma definição

Precisamos definir que o Portal Device (ou PD, como chamaremos ele a partir de agora) não é uma arma de teletransporte por dois motivos. O primeiro é que ele não é bem uma arma, convenhamos, por mais que ele se pareça com uma pelo seu formato. O segundo é que ele não teletransporta ninguém, ele simplesmente cria portais conectando dois pontos diferentes do espaço-tempo (ou, na prática, só do espaço).

O que podemos chamar de “arma” de teletransporte, por exemplo, é a arma do protagonista de Out There Somewhere, jogo feito pelos brasileiros da Miniboss Studios. Ela funciona de uma forma bem mais dinâmica, digamos assim: o personagem é teletransportado automaticamente exatamente para o ponto de impacto da bala. Isso é bem diferente da máquina que a Aperture desenvolveu, tendo conceitos bem distintos para serem estudados.
OK, então, se o princípio básico do PD é apenas a criação desses portais, fica a pergunta: afinal, o que são os portais e como eles são criados?

Componentes

Eu admito que seria muito difícil adivinhar que componentes existem dentro do PD sem qualquer tipo de embasamento ficcional por parte do jogo, mas, como eu já disse anteriormente, o capricho da Valve é incrível ao ponto de usar a tela de carregamento para mostrar os diagramas do dispositivo, mostrando o que tem dentro dessa casca branca. Aí entra a parte mais interessante e mais importante dele: um buraco negro em miniatura.


Sim, um buraco negro dentro da sua “arma de portais”. Ele, provavelmente para caber no dispositivo, teria um Raio de Schwarzschild muito pequeno. Essa medida, descoberta pelo físico Karl Schwarzschild em 1917 e calculada a partir da massa do corpo, da constante gravitacional e da velocidade da luz, é quase um “divisor de águas”; a grosso modo, qualquer coisa que tenha tamanho menor que o seu Raio é considerado um buraco negro. Considerando que essa medida, para um corpo com a massa do planeta Terra, seja em torno de 9 mm e que a Chell consegue segurar o Portal Device em suas mãos (logo, a massa dele não pode ser tão grande), já dá pra imaginar o tamanho ínfimo que teria o “buraco negro em miniatura” do PD.

Todo buraco negro, em teoria, emite uma radiação chamada de Radiação Hawking, descoberta por Stephen Hawking em 1974, que permite a eles perderem massa até encolher e desaparecer. Acredita-se que eles perdem massa na forma da Radiação à taxa inversamente proporcional à sua massa; logo, o buraco negro do PD, que teria muita massa, também a perderia rapidamente.

É nesse momento que entra em ação outro componente do dispositivo: um ventilador (que é quase um cooler de computador, convenhamos). Ele sopra as partículas perdidas pelo buraco negro de volta para o horizonte de eventos (a região do buraco negro onde nem mesmo a luz pode escapar de sua atração) dele, no melhor estilo “aham, até parece que isso funcionaria”. Enquanto isso ocorre, dois anéis — um abaixo e um em cima do buraco — rodam, influenciando no momento angular do buraco negro e deixando à mostra a sua singularidade de anel.

A singularidade de anel no meio
do buraco negro, envolvida
pelo horizonte de eventos.
Singularidade é o ponto central de um buraco negro, onde a densidade é infinita (também podemos chamar de “volume zero”) e nenhuma Lei da Física que conhecemos pode ser aplicada. Entretanto, em casos de buracos negros em rotação (como ocorre no PD), essa singularidade tem a forma de um anel. Com ela à mostra, o ventilador fica mais rápido, empurrando parte da singularidade de anel para um distribuidor, localizado na ponta do PD, que focaliza o nosso “portal”, que agora está pronto para ser lançado. Nesse momento também é jogado corante azul ou laranja dentro da singularidade, dando cor ao portal.

O problema é que essa focalização não é suficiente para estabilizar completamente a singularidade de anel do portal. Portanto, é preciso uma superfície que termine esse trabalho ou nada dará certo. É por isso que os portais funcionam apenas nos painéis brancos, feitos de rochas lunares. Quando você atira em qualquer outro lugar, as ondas passam pela superfície sem se estabilizar e a tinta explode na parede (a animação que tanto cansamos de ver).

Hora do túnel

OK, até agora, conseguimos entender como o PD funcionaria ao criar um portal, mas todos já sabemos que um só não faz muita coisa contra robôs maníacas com neurotoxinas. Chegamos ao ponto de criar o segundo portal, conectar dois pontos do universo e entender o verdadeiro “pulo do gato” do Portal Device.

Ao soltar o segundo portal, todo esse processo se repete, mas a parte da singularidade de anel que é lançada gira do lado contrário e se mistura com a primeira singularidade, fazendo com que os dois pontos determinados do espaço-tempo se juntem. Em resumo, é formado um canal de tunelamento quântico. Pronto! E pensar que você fazia isso tão automaticamente com dois cliques no mouse.

O conceito de tunelamento quântico é um pouco diferente do conceito de buraco de minhoca (ou wormhole, em inglês). O segundo, além de demandar uma quantidade bem mais alta de energia para ser aberto e acabar sendo uma conexão entre dois pontos do espaço-tempo continuum — logo, viagens no tempo seriam possíveis com eles, em tese —, é uma via de mão única. Você entra em um buraco negro e sai em um “buraco branco”, mas nunca conseguirá fazer o caminho de volta.

Os buracos de minhoca se comportam como uma via única; os portais, por sua vez, podem ser acessados por ambos os caminhos.
O tunelamento quântico baseia-se, por sua vez, no princípio da dualidade onda-partícula. Na Física Quântica, é impossível saber onde uma partícula subatômica se localiza, já que o simples ato de tentar determinar a localização faz ela se alterar (esse é o famoso Princípio da Incerteza de Heisenberg), assim como é impossível saber se ela vai se comportar como uma partícula ou como uma onda, dando origem à tal “dualidade onda-partícula”.

Pra entender melhor esse conceito, podemos usar a famosa história do Gato de Schrödinger: um gato é colocado dentro de uma caixa opaca com um frasco de veneno, que pode ser ativado ou não por uma substância radioativa. Logo, até você abrir a caixa (e, talvez, alterar o resultado da experiência), o gato está morto e vivo ao mesmo tempo, não existe um estado certo. É o mesmo princípio: partículas subatômicas se comportam como onda e como partícula ao mesmo tempo, já que não é possível determinar o estado atual dela. Dessa forma, seria possível que elas realizassem ações que, pela Física Newtoniana (a física clássica, que conhecemos nas aulas do Ensino Médio), seriam completamente impossíveis. Essa é a ideia do tunelamento quântico, que permite a ligação de dois pontos do espaço-tempo por portais.
Além disso, outra prova de que o PD funciona a partir do Efeito Túnel e não de buracos de minhoca é o próprio nome dado a eles pela Aperture Science (e, logo, pela própria Valve). Em todos os esquemas mostrados do dispositivo (como o que analisamos na seção passada), ele é tratado como “Quantum Tunneling Device” — Dispositivo de Tunelamento Quântico, em português. Para finalizar, esse também é o nome dado aos primeiros protótipos do PD, conforme pode ser visto em cartazes encontrados na antiga Aperture, em Portal 2.

Vamos pensar por mais um momento?

Por mais que tenhamos usado princípios da Física Quântica até agora para analisar o funcionamento do Portal Device, uma das leis da Física Newtoniana também é válida no caso dos portais de forma bem interessante. Já ouviu falar sobre quantidade de movimento? Essa grandeza física pode ser calculada multiplicando a massa de um corpo pela sua velocidade. De acordo com a lei de conservação do momento linear (ou conservação da quantidade de movimento), em sistemas fechados — quando não há outras forças agindo nem troca de matéria com o meio externo — o momento total é constante.
Grandezas escalares e vetoriais: você se lembra? Como dissemos, a quantidade de movimento é calculada pelo produto da massa pela velocidade. A massa é uma grandeza escalar, ou seja, é caracterizada apenas conhecendo a sua intensidade (se eu digo que tenho 50kg de massa, isso é perfeitamente entendível). Já a velocidade é uma grandeza vetorial, ou seja, além da intensidade, é necessário saber também sua direção e sentido: não adianta dizer apenas que minha velocidade é 20m/s, pois posso estar indo para cima (numa direção vertical) ou para direita (numa direção horizontal); neste caso, os três valores são necessários.
De acordo com tudo que falamos aqui, a ideia é que essa lei também se confirme quando Chell atravessar um portal e sair no outro e, para quem já jogou Portal, sabe que é verdade (ou, pelo menos, parece): ao atravessar uma das bordas do túnel, você continua com a velocidade que estava antes. Aliás, esse é um dos pontos mais importantes do gameplay consagrado da série.
Só que devemos lembrar, por um momento, que a velocidade é uma grandeza vetorial e, como a quantidade de movimento é calculada em função dela, é preciso que sua direção e sentido também se mantenham para que a lei se confirme. Se colocarmos um portal na parede e outro no chão, entraremos com uma direção horizontal no primeiro e saíremos com uma direção vertical no segundo, não é? Será mesmo?

No caso, não, pois estamos considerando o diferencial errado para definir as direções. A ideia é simples: se você entra de forma perpendicular ao primeiro portal, você também sairá de forma perpendicular no segundo, sempre no mesmo sentido; logo, as direções e os sentidos também se mantém em relação aos próprios portais, confirmando a lei da conservação da quantidade de movimento.
Entre de forma perpendicular, saia de forma perpendicular: temos a conservação da quantidade de movimento dentro dos portais.

O porém

Sim, sempre tem um porém quando o assunto é ciência. Por mais que todo esse funcionamento possa fazer muito sentido e em condição com várias teorias já difundidas na comunidade científica do mundo real, esbarramos em alguns problemas para criar o nosso próprio Portal Device. Como fazer anéis capazes de colocar à mostra a singularidade de anel? Como fazer superfícies capazes de estabilizá-la? E o melhor: como colocar um buraco negro dentro de um dispositivo portátil?

Parece que teremos que esperar mais um pouco para concluirmos nossos testes. Até lá, diga nos comentários: no futuro, será que teremos uma Portal Gun no mercado?


Revisão: Alberto Canen
Capa: Diego Migueis
Siga o Blast nas Redes Sociais

sempre com projetos criativos, estranhos ou os dois ao mesmo tempo. desenvolvedor de software, game designer e escritor sobre as coisas que eu gosto.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Você pode compartilhar este conteúdo creditando o autor e veículo original (BY-SA 3.0).