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Análise: 80 Days (mobile) traz muitas viagens e histórias para o seu bolso

Unindo texto interativo, corrida e gerenciamento de recursos, o título da inkle é cheio de emoção e momentos memoráveis.

Aclamado pela crítica, vencedor de alguns prêmios no ano passado e concorrente a tantos outros, 80 Days (iOS/Android) é um jogo bem distinto do que estamos acostumados. Mas o que esse simpático título tem de tão diferente assim? Ao mesmo tempo que exige um comprometimento por parte do jogador, ele pode ser jogado em rápidas sessões, tal qual vários outros games mobile. Enquanto o título bebe de clássicos antigos dos videogames, como The Oregon Trail, é também uma experiência moderna, no melhor sentido da palavra.

1872: Bem vindo ao futuro

O nome do game remete ao livro do escritor Jules Verne “A volta ao mundo em 80 dias”. Na verdade, dizer apenas isso é errado, 80 Days é praticamente uma versão jogável do livro. Os nomes dos personagens principais são os mesmos, assim como diversos conceitos e aspectos presentes na história do famoso escritor francês. Da mesma forma que o livro, o game se passa em um 1872 diferente, steampunk, cheio de máquinas chamadas de autômatos e uma boa dose de aventura.

Controlamos o francês Jean Passepartout, ajudante e mordomo do britânico Mr.Fogg. Seu chefe que o avisa abruptamente que eles vão viajar pelo planeta em uma aventura para vencer uma estranha aposta: dar a volta ao mundo em 80 dias. Simples? Longe disso.
Nossos heróis apostadores.
Os meios para realizar tal viagem são muitos, desde carroças até caravelas voadoras, passando por elefantes mecânicos. Conseguir embarcar em um veículo para chegar até a próxima parada exige tempo, dinheiro, conhecimento e exploração. Em certos momentos, pode ser melhor esperar mais um dia em uma cidade, visto que, talvez, alguma nova interação possa nos dar o conhecimento de um novo caminho, ou de um novo veículo. Ao mesmo tempo, cada dia que passa é um a menos para atingir o objetivo. Nós acabamos sentindo o peso da aposta e querendo realizar a tarefa dentro dos 80 dias.

Viajar é preciso, viver não é preciso

Mas como funciona o jogo? Basicamente 80 Days é uma mistura entre momentos de gerenciamento de recursos e textos interativos. E o título tem uma quantidade muito grande de texto em inglês. É uma experiência para quem não se importa, ou até mesmo gosta, de ler bastante. Todos os acontecimentos nos são narrados como se fosse o Passepartout escrevendo em seu diário.

Fazemos escolhas baseadas no que ele está contando. E são muitas a serem feitas em um número exponencial de interações. 142 cidades fazem parte do pacote, sendo que em minha primeira partida eu fui em somente 22. E, mesmo nessas que fui tive a impressão de que havia muito mais acontecimentos e desdobramentos possíveis. Do nada, você pode ser capturado por facções na Índia e perder vários dias, ou até mesmo ajudar a resolver um caso de assassinato em um trem, e talvez até, quem sabe,  envolver-se com grupos rebeldes em Roma. Existe uma série de história fascinantes embutidas no jogo.
Para quem gosta de ler bastante, 80 Days é uma ótima pedida.
Mas o game não é feito só de escolhas e de sua parte de texto interativo, as mecânicas de gerenciamento de recursos são bem interessantes. Partimos com uma certa quantidade de libras esterlinas e podemos comprar coisas nos mercados de cada cidade, com a possibilidade de revendê-las em outro lugar. Vender especiarias do oriente ou, quem sabe, um relógio francês no Japão pode render muito dinheiro. Novamente, são muitas as opções.
Existem vários itens para gerir. Alguns não só rendem dinheiro, como podem ser úteis para que uma parte da viagem seja menos cansativa, por exemplo.
Temos que organizar os itens em nossas malas e, de vez em quando, pagar um dinheiro a mais por bagagem extra em certos veículos. O dinheiro é o principal recurso a gerenciar. Podemos sacar dinheiro no banco, mas, dependendo da quantia, demora pelo menos um dia para entrar na conta, chegando a até quatro ou cinco dias de espera. Vale a pena perder tanto tempo de viagem para pegar dinheiro? Em diversas situações sim, em outras tantas acaba sendo um equívoco. Esse é um trunfo do jogo: a todo momento temos de lidar com nossas escolhas e sobre como organizamos nosso tempo e recursos.

Uma aventura cheia de histórias

Por mais que as mecânicas de gerenciamento sejam competentes, o jogo brilha mesmo em sua narrativa. São contos interessantes e de escalas variáveis. Em dado momento, podemos conversar despretensiosamente com alguém em um bar e ver uma briga, em outro, chegamos em uma cidade que está sendo atacada por outra nação. Se de vez em quando vemos manifestações e momentos grandiosos sem nos intrometer, em outros nos vemos no centro dos acontecimentos, no olho do furacão.

Mas nada disso daria tão certo se o jogo não fosse tão bem escrito. Não são só os eventos que são interessantes, como o próprio texto é muito bem trabalhado. A inkle, desenvolvedora de 80 Days, trabalha a vários anos com histórias interativas, e desenvolveu uma ferramenta disponível para que outras pessoas possam criar seus textos interativos. A qualidade de 80 Days, nesse sentido, não é algo acidental.
Cada cidade traz diversas possibilidades e contos.
Os acontecimentos aliados à sensação de corrida e a escassez de recursos, em dado momento, conseguiram me capturar de uma forma que muitos jogos com belos gráficos e mecânicas complexas não foram capazes. Vejam vocês, em 78 dias completei a viagem em minha primeira partida. E só não me atrasei (o jogo continua até você voltar à Londres, mesmo que passe dos 80 dias) porque venci uma luta contra um boxeador profissional valendo dinheiro.

Mesmo “apenas” escolhendo o caminho da narrativa a partir de minhas escolhas, a sensação de tensão é muito grande, pois há muita coisa em jogo. Quando o gigante lutador tombou, minha alegria foi imensa ao ver a soma de dinheiro que entrou em nossas carteiras. Imediatamente, conseguimos pagar a caríssima passagem de Nova Iorque direto para Londres.
Dá para comparar o nosso caminho com o de outros jogadores.
Mas ainda assim faltavam 9 dias, e o avião chegaria, se tudo ocorresse normalmente, em 8. A tensão tomou conta novamente, porque em outras ocasiões os veículos demoraram mais que o esperado por causa de contratempos, algo bem interessante e natural no jogo. Felizmente, desta vez não.

Terminei minha primeira jornada tendo me envolvido em uma briga em Roma, mas também conhecendo Istanbúl, sido capturado por rebeldes na Índia (e perdido vários dias no processo), passado por uma Dubai rural e pequena (muito diferente da que temos em nossa cabeça), feito vários amigos, alguns colegas e, ainda bem, poucos inimigos. Beijei um cara no navio de Manila para o Panamá e ganhei a derradeira briga que nos levou para Londres. 80 Days é uma viagem inesquecível, ou melhor, várias.

Prós:

  • Bom roteiro e qualidade do texto;
  • Combinação competente de narrativa interativa com gerenciamento de recursos;
  • Trilha sonora gostosa;
  • Parte visual simples, porém caprichada.

Contras:

  • O texto pode ser ambíguo e confundir em alguns momentos na hora de fazer escolhas;
  • No começo apresenta muitos conceitos que demoram para serem assimilados caso não se conheça a história do Jules Vernes.
80 Days — inkle — iOS/Android — Nota: 9.0


Revisão: Jaime Ninice
Capa: Daniel Silva

Escreve para o GameBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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