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Análise: Hotline Miami 2: Wrong Number (Multi) é um ótimo sucessor

Sequência do aclamado jogo de 2012 insere elementos que o tornam o sucessor que precisamos, e não uma mera expansão do primeiro jogo.

Uma das frases mais conhecidas de Steve Jobs afirma que “você não pode simplesmente perguntar ao usuário o que ele quer e então tentar dar-lhe isso”. Sem entrar no mérito da veracidade e utilidade deste modo de pensar, é mais ou menos assim que eu imagino que foi o processo criativo de Hotline Miami 2: Wrong Number, porque depois de jogar o primeiro, esperava uma expansão de fases complementando a história. Felizmente, não é bem isso.


Vamos ser diretos aqui: Hotline Miami 2 é um excelente jogo. Embora tenha achado ele melhor que o original, acho desnecessária a comparação. Ambos os jogos são excepcionais e devem ser experimentados por qualquer um com alguma empatia pelo gênero, mas Hotline Miami 2 amadurece conceitos de seu antecessor para justificar sua existência, tanto em seu roteiro quanto em suas mecânicas. O suficiente para dar suporte ao moral dado pelo Steam, que o colocou como capa no dia do lançamento, e a Sony, que deu mais destaque ao jogo do que ao gigante DmC Devil May Cry: Definitive Edition (Multi), lançado no mesmo dia.

Uma história psicodélica

Há cerca de dez anos, entrava em destaque um modelo narrativo que consistia em contar diversas histórias diferentes com pequenas relações entre elas. O sucesso desse modelo se evidenciou com a premiação de Crash no Oscar de 2005 e com a nomeação de Babel em 2006 (cujo diretor, Alejandro González Iñárritu, foi o mesmo de Birdman, vencedor de 2015), em que teve a honra de disputar o troféu contra os excelentes Os Infiltrados e A Pequena Miss Sunshine.

Entrei nesses detalhes todos para evidenciar que Hotline Miami 2: Wrong Number é o primeiro jogo que me vem à cabeça a usar este recurso, um sinal de que ainda temos muito a melhorar em nossos roteiros, e ele o utiliza com precisão. O momento em que cada personagem é inserido na história é proporcional à importância de suas ações dentro dela, e o envolvimento entre os personagens principais é apenas o necessário. Roteiros assim acabam se utilizando de um Deus Ex Machina para se desenrolar, mas não foi o caso (inclusive, neste reddit aqui, você pode conferir a linha do tempo organizada, com spoilers).

Crash e Babel marcaram o cinema em sua época. Hotline Miami 2 será capaz de fazer o mesmo?
Tudo isso tem uma consequência interessante na progressão do jogo: uma vez que jogamos obrigatoriamente com um personagem (ou um grupo de personagens) fixo em uma fase — ao contrário de seu antecessor, onde bastava ter a máscara aberta para usar o personagem —, elas acabam sendo menos repetitivas. Isso é importante para um jogo onde o aprendizado por repetição é característica chave do design. Sendo assim, haverá horas onde jogaremos com personagens drogados ou personagens que não sabem usar armas de fogo.

Level design original

Pode parecer uma limitação para o level design mas, na verdade, é o contrário. Tome como exemplo uma fase onde o personagem não sabe usar armas de fogo. Sabendo disso, é possível projetar estágios que incentivem o jogador a se aproximar do inimigo para matá-lo e o desafiem a fazê-lo na proporção correta, uma vez que é certo que esta limitação estará presente. O level design de Hotline Miami 2 se utiliza perfeitamente deste recurso, com fases adequadas para as opções existentes naquele momento.

Digamos que eu estou com ódio desse cachorro aí
Ainda sobre o level design, duas características são importantes de mencionar. A primeira é que, se comparado ao antecessor, temos uma utilização mais massiva de armas de fogo. Dos diversos motivos que levam a isso, o mais claro é a presença dos gordões que são imunes a armas brancas. A segunda é a maior presença de cachorros e vidros, que obrigam o jogador a ter mais atenção e objetividade em suas ações. Esses fatores tornam o jogo mais desafiador que o original.

Uma balada viciante

Uma das coisas mais esperadas pelos fãs de Hotline Miami para esta sequência era sua trilha sonora. Pelo próprio ritmo de Hotline Miami 2: Wrong Number, foi possível usar um acervo mais variado de músicas, algumas mais adequadas para o que se passa na história mais longa e outras mais próprias para ajudar o jogador a manter a vontade de repetir as fases. É um recurso usado em jogos onde o aprendizado por repetição é característica do design, como Super Meat Boy e Dustforce. Nestes jogos, a música não para depois que perdemos, além de manter um ritmo constante.

Melhorias e falhas técnicas

A inteligência artificial melhorou consideravelmente em Hotline Miami 2: Wrong Number. Os inimigos saem atirando para todos os lados com menor frequência e agora sabem se posicionar a uma distância mais adequada para que consigam acertar o jogador sem que este represente um perigo direto. Desnecessário dizer que esta melhoria tornou o jogo mais desafiador. Ela deu uma cara nova ao jogo, mesmo sem inserir novos tipos de inimigos. Importante dizer que houve muitas roupagens diferentes para inimigos que se comportam da mesma forma.

O jogo, apesar de incrível, precisa de certas melhorias para corrigir alguns bugs. Dois deles são mais notórios e impactam diretamente a jogabilidade, para o bem ou para o mal. O primeiro é que, em algumas salas, é possível dar a volta pelo lado de fora antes do sprite do personagem entrar, de fato, na sala. O momento mais absurdo quando isso aconteceu foi em uma fase onde há um pier, e somos capazes de andar por cima da água.

O segundo, este mais prejudicial durante o clímax de uma fase, acontece quando tentamos matar um adversário que fica preso em uma quina de porta. Enquanto preso lá, o personagem fica imortal, mas é capaz de lhe acertar com um golpe ou um tiro. Como se esconder próximo à quinas de porta é uma estratégia fundamental em Hotline Miami 2, este bug é, possivelmente, o fator mais “desonesto” do jogo, por mais que não tenha sido intencional.
A versão de PS Vita, a qual joguei predominantemente, embora seja excelente pelo mapeamento dos controles e posicionamento dos botões, precisa de algumas otimizações (aconteceu comigo do jogo ter travado por mais de uma vez). Em um desabafo aqui, quase quis quebrar meu console nas duas vezes que isso aconteceu, e isto muito se deve ao fato de que eu tinha acabado de passar de fases que levaram bastante tempo para completar (em uma delas, perdi cerca de duas horas). Ainda bem que é um jogo bem gostoso de se repetir fases.

E ainda assim, está tudo lá

Hotline Miami 2: Wrong Number traz inovações importantes sem perder a sua essência, mostrando-se uma sequência poderosa e necessária. Apesar disso, não se engane: tudo de legal que Hotline Miami trouxe em seu lançamento está lá: pixel art detalhado, trilha sonora psicodélica, temática violenta (embora em menor destaque que no primeiro, no qual era a mensagem principal da história), mecânicas viciantes etc. Para quem amou o primeiro jogo, Hotline Miami 2: Wrong Number é uma sequência que dará gosto de jogar.

Prós

  • Level design original;
  • Modelo de roteiro inédito em jogos;
  • Trilha sonora viciante;
  • Inserção de novos elementos sem perder a essência do jogo original.

Contras

  • Alguns bugs que podem prejudicar diretamente a jogabilidade.

*Versões utilizadas: PS4 e PS Vita
Hotline Miami 2: Wrong Number — Multi — Nota: 9.0

Revisão: José Carlos Alves
Capa: Daniel Silva 

Escreve para o GameBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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