Analógico

Videogames, pais e filhos: uma relação importante

Os videogames estão aí para ficar, e isso independe do gênero e da idade de quem joga. Assim, a relação entre pais e filhos merece uma atenção especial.

Praticamente ao mesmo tempo em que os videogames explodiram no mercado com o Atari 2600 a partir de 1977, surgiu também a discussão acerca dos pais e o controle que eles deviam ter sobre onde, quando e como seus filhos usavam esses aparelhos eletrônicos de última geração. O tempo passou e agora muitos dos filhos da década de 1970 já são pais e seus filhos são os que seguram um joystick. E então surge a pergunta novamente: O que fazer?


A discussão sobre a violência e influência dos games na vida, na mente e na sociabilidade das pessoas já foi discutida de diversas formas, inclusive aqui no GameBlast. Não é disso que iremos falar diretamente aqui. Na verdade trataremos de questões um pouco mais específicas, afinal, como os pais devem lidar com os filhos gamers? Até que ponto os pais devem controlar suas jogatinas e, na verdade, será que só controlar basta?


A “máquina controladora de mentes”

Desde o início do debate sobre os efeitos dos videogames sobre as crianças, dois medos rondavam as mentes de pais e “especialistas” da época. O primeiro deles era o impacto que os videogames poderiam causar nos jovens que o jogavam. Ora, numa sociedade cuja TV acaba de surgir a cores, um aparelho que fazia você interagir com a tela do televisor com certeza traria visões um tanto quanto desconfiadas sobre ele.

É verdade que desde os primeiros consoles, jogar próximo demais da tela ou por horas a fio podia causa náuseas e dores de cabeça, até problemas de visão. Mas isso não era causado exatamente pelos games, mas sim pela própria televisão. Hoje em dia mesmo é recomendado por oftalmologistas que não se utilize, por exemplo, computadores por muito tempo no escuro, não sente muito próximo da televisão e não use smarthphones muito próximos do rosto.


Já falamos aqui no Blast sobre as influências dos videogames sobre o cérebro e, com isso, constatamos que o segredo está na dosagem. E é aí que entra o segundo ponto que é muito discutido entre pais e especialistas desde a década de 1970: o vício. Afinal, videogames podem causar dependência? Bom, recentemente, quase 300 pesquisadores de todo o mundo assinaram uma declaração informando que ainda não há estudos ou artigos científicos suficientes capazes de comprovar essa dependência.

O que ocorre na realidade é que jogar videogames é bom, causa prazer e isso significa que eles ajudam o cérebro a gerar dopamina. Para quem não sabe, dopamina é o conhecido “hormônio do prazer” liberado quando comemos algo saboroso, quando praticamos exercícios físicos, quando fazemos sexo e, também, quando jogamos videogames. Esse hormônio trás benefícios significativos para o nosso cérebro, como a redução do estresse, a sensação de prazer e o aumento motivacional. Entretanto, ele também é um dos principais causadores dos vícios.


As únicas substâncias invasivas no nosso cérebro são as chamadas substâncias psicoativas (tabaco, álcool e outros). Outros casos de pessoas consideradas viciadas, como por chocolates, jogos de azar e videogames são causados por uma relação pessoal da pessoa com o objeto, não do objeto com a pessoa. Dessa forma, o videogame pode até causar um vício, mas depende da importância que aquele que joga dá ao aparelho, assim como a forma que ele joga e o quanto isso influencia a sua vida.


O fantasma da violência

Com a evolução do realismo gráfico dos games progredindo, jogos com um grau maior de violência começaram a se tornar cada vez mais reais. Isso deu origem a uma nova discussão alimentada por alguns casos específicos frutos de problemas psicológicos e excessos. Outro tema que já discutimos aqui no Blast, a violência dos games é uma questão que até hoje causa polêmica e gera pré-julgamentos desnecessários.

Acredite, a culpa não é dos games!

Como falamos no texto específico sobre o tema, essa influência é, assim como o vício, algo subjetivo e individual, baseado na significação que a pessoa dá para aquilo o que ela faz. Isso depende, é claro, da sua idade, do conteúdo que ela tem contato e, principalmente, do esclarecimento que ela tem daquilo. Esse esclarecimento, no caso de crianças e adolescentes que jogam, deve vir por parte dos pais.

Videogames, assim como filmes e programas de televisão, possuem classificação indicativa por idade. Códigos de classificação como o ESRB, o PEGI e a Classificação Indicativa são as formas mais rápidas e simples de uma pessoa verificar o conteúdo presente nos jogos. Esses códigos vêm de forma visível na capa do jogo, geralmente em uma das laterais e são claros quanto à posição frente ao conteúdo do jogo. Caso o pai ache melhor que o filho não tenha contato com determinados jogos até certa idade, olhar a classificação indicativa para, só então, comprar ou não o título, é o mais indicado.

Para quem não sabe, "E" é "para todos os públicos", "T" para "maiores de 13 anos" e "M" para "maiores de 17 anos"

A ignorância pode ser o pior vilão...

Já vimos os três principais algozes dos videogames sobre os jovens: possíveis danos que podem causar, a questão do vício e, por fim, a controversa influência sobre a violência. Mas aquela pergunta principal ainda não foi respondida: E os pais nisso tudo? Pois bem, para começar a falar do papel daqueles que são os nossos primeiros educadores na vida, é importante apontar um sério problema quando colocamos as cifras “pais”, “filhos” e “videogames” juntos: a ignorância.

O que ocorre em muitas famílias no Brasil e no mundo todo é que os filhos, nascidos da década de 1990 pra frente, são muito mais acostumados com as novas tecnologias do que os seus pais. Não é incomum alguém dizer algo como: “nossa, minha filha já mexe nessas coisas desde cedo, eu não consigo entender nem como funciona!”. Isso, de certa forma, é um poder que os jovens possuem sobre os mais velhos que em certos casos chega a ser engraçado, mas podem causar sérios problemas sobre o desenvolvimento e a educação.



O problema surge, pois, quando um pai quer educar o seu filho sobre a questão de jogar e, na verdade, não faz a mínima ideia do que é um videogame, o que se passa no “mundo virtual” do seu filho e os motivos que o levam a jogar, na maioria das vezes, ele vai usar da imposição de regras e da “voz do mais forte” para educar, sem as devidas explicações.

É certo pensar que crianças mais novas, de até cinco anos, não precisam exatamente de explicações complexas do motivo pelo qual elas não podem jogar GTA ou Resident Evil. Porém, com seis, sete ou 8 anos pra cima, as crianças começam a ter questionamentos e isso, é sabido, piora na adolescência. Isso não é algo exatamente evitável, pois estes questionamentos, assim como o senso desafiador da adolescência, fazem parte do desenvolvimento psicológico do sujeito e todos nós passamos por isso, de um jeito ou de outro.

Nem todos os jogos servem para crianças...

Se os pais simplesmente proíbem os filhos de jogar algo, sem explicar os motivos para tal e usando puramente da violência, castigos e/ou outro tipo de punição qualquer para tal, eles estão abrindo a oportunidade para que seus filhos tenham contato com esses jogos por outras vias, dessa forma, sem os conselhos e presença dos pais, o que pode trazer interpretações por parte dessas crianças que não condizem com a realidade, podendo causar vícios, opiniões atravessadas e também gerar a violência.



Pais que simplesmente fazem tudo para os filhos e os deixam, desde cedo, com seus videogames à vontade como se os consoles fossem como qualquer outro brinquedo, sem conversar, participar ou interagir de outra forma com o filho sobre aquilo, podem estar causando tantos danos quanto aqueles que simplesmente punem. A ignorância frente a essas tecnologias, de uma forma ou de outra, é algo prejudicial tanto para os filhos quanto para os pais, isso é um fato.

Mas a presença é a sua principal aliada

Todas essas questões podem ser resolvidas de uma forma um tanto simples: conversando. Quando falamos sobre a ignorância, não quero que pensem que os pais devam jogar tanto quanto seus filhos e serem tão inteirados do assunto quanto eles. Além de ser algo bem difícil (com os afazeres da vida adulta nos ocupando), não é exatamente a posição adequada dos pais frente aos seus filhos gamers.

Diversos pesquisadores educadores, como o pedagogo Júlio César Furtado, dizem que as crianças não podem ficar simplesmente entregues aos games sem uma devida instrução dos pais. Além disso, é necessário que elas aprendam sobre determinados valores, para saberem o que é certo e errado. Isso é advindo dos pais, antes que as crianças tenham contato com os primeiros videogames.
Robin e Zelda Williams: grande exemplo de pais e filhos jogando juntos!
Jogar juntos, segundo alguns pesquisadores, é o mais indicado pois, além de ter uma referência adulta e acolhedora com a criança, o ato de jogar juntos estreita a relação entre pais e filhos, como cita a psicóloga Maria Lúcia Matos do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora/MG. Esse tipo de atitude por parte dos pais ajuda a aproximar mais as famílias, o que evita a postura de espionagem e adivinhação que alguns pais assumem frente àquilo que os filhos utilizam.

Mas além disso, em certos casos, não é exatamente necessário que joguem juntos. Mas que os pais estejam ali interagindo com o jogo junto com os seus filhos. Nem que seja perguntando sobre a história, sobre o personagem ou sobre o que ele precisa fazer nesta ou naquela fase. Jogar nunca foi algo individual, se fosse, não estaríamos aqui agora. Jogar requer interação, requer uma troca, nada melhor que os pais fazerem parte dessa troca.



“Porque não se vive só de videogames”

Como o nosso companheiro Lucas Pinheiro citou em um dos episódios do Pipoca Blast, realmente ninguém vive só de videogames, mesmo que goste muito deles. Isso é algo que os pais precisam estar atentos desde cedo. Tudo bem que, em certos casos, é muito reconfortante para os pais cansados do árduo dia de trabalho ver seus filhos quietinhos, dentro de casa, voltados para uma tela se divertindo sem problemas, mas que isso não se torne o único hábito da criança.

Tablets são ótimos estimulantes para crianças pequenas, mas na dosagem certa.


Os pais devem sempre incitar a curiosidade das crianças. Livros, quadrinhos, jogos de tabuleiro, esportes, filmes, desenhos, passeios fazem parte da gama de entretenimento que crainças e adolescentes podem acessar tanto quanto os videogames. O ideal é que exista um equilíbrio entre essas diversas atividades, pois todas elas, na medida certa, são ótimas influenciadoras de aspectos como a inteligência, a criatividade e a imaginação das crianças.

Procurei falar mais específicamente de crianças nesse texto pois, se existe um ditado correto, este é: “a educação vem do berço”. Uma criança que foi estimulada e educada da forma correta desde quando aprendeu a falar, com certeza saberá quais escolhas fazer na adolescência, independente dos erros necessários para o aprendizado se concretizar. Dessa forma, no campo dos games, ensine seus filhos a jogarem da forma correta desde pequenos e eles poderão caminhar com as próprias pernas quando mais velhos rumo aos horizontes virtuais dos jogos, mas sem perder nada daquilo que o mundo real tem para oferecer.

Revisão: Vitor Tibério
Capa: Victor Pereira



Gilson Peres é Psicólogo e Mestre em Comunicação pela UFJF. Está no Blast desde 2014 e começou sua vida gamer bem cedo no NES. Atualmente divide seu tempo entre games de sobrevivência e a realidade virtual.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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