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Análise: The Wolf Among Us (PC), um estranho conto de fadas no mundo dos games

Existe algo de podre na misteriosa Fabletown e cabe ao Lobo Mau salvar o dia.


Escolha uma cidade: Nova York. Agora decida uma época: entre os anos 1970 e 1980. Depois adicione um monte de personagens de contos de fadas em uma atmosfera de história em quadrinhos viva com um toque final de clima noir. O resultado disso tudo é a incrível experiência eletrônica que The Wolf Among Us, para PC, entrega ao jogador desde o primeiro momento em que é necessário tomar uma decisão que afetará o rumo da história. Embarque nesse mundo fantástico e sombrio com personagens que irão cativá-lo e descubra o porquê desse game ser único.

Quem tem medo do Lobo Mau?

The Wolf Among Us é um game ao estilo point ‘n click desenvolvido e publicado pela Telltales Games, mesma produtora da série de grande sucesso The Walking Dead (Multi). O enredo do título é baseado diretamente na série de quadrinhos de Bill Willingham, Fables. Quando recebi o jogo para a sua análise, apenas o primeiro dos cinco episódios havia sido lançado e, definitivamente, foi uma angústia ter que esperar pelo próximo pois, ao final de cada, aquele gostinho cruel e viciante de “quero mais” invadia minha mente, como a muito tempo nenhum jogo conseguia fazer. Analisei com prazer o primeiro e segundo episódios do game, mas decidi esperar o lançamentos dos próximos e assim, jogando seguidamente, tentar abranger a experiência de uma forma mais ampla.
A série ainda está em publicação atualmente, mas infelizmente ainda não está disponível no Brasil.

Toda a trama do game se passa nos pontos mais conhecidos e nos mais obscuros cantos de Fabletown, um bairrro que passaria despercebido para qualquer nova-iorquino mas que abriga vários personagens de contos de fada. Nunca é explicado qual foi o motivo de os seres da fantasia deixarem seu mundo para trás, mas sabe-se apenas que agora eles lutam para sobreviver e manter uma sociedade no meio do mundo dos homens. Para disfarçar suas aparências, os personagens fazem uso de uma magia especial, o glamour, que infelizmente tem um custo muito alto e força aqueles mais desafortunados a viverem escondidos, serem mandados para a Fazenda (uma recanto mais escondido) ou recorrerem ao mercado negro.
Apenas mais um bairro comum de Nova Iorque. Será mesmo?

E é esse mundo louco que ninguém menos que o grande Lobo Mau da história de Chapeuzinho Vermelho, Bigby Wolf, precisa manter a ordem como xerife. Apesar de Bigby não mostrar muito interesse pelo seu serviço e ainda se incomodar com os olhares desconfiados e assustados dos outros personagens, ele ainda mantém a esperança de que tentar protegê-los talvez seja a melhor forma de expurgar seus pecados do passado. Seu trabalho se torna ainda mais díficil quando uma série de assassinatos misteriosos começa a por Fabletown de cabeça para baixo e, sem saber em quem confiar, Bigby precisa controlar seu lado animal para buscar meios legais de resolver esse mistério antes que tudo se torne um caos.
Bigby precisa se infiltrar nos cantos mais sórdidos do bairro e encontrar um meio de achar pistas, mesmo que seja da forma errada.

Mas apesar de todo o tom dramático e ar de mistério que o game inspira por seu enredo, essas características são atenuadas (ou, de certa forma, acentuadas de uma forma positiva) pelo visual similar a uma história em quadrinhos em movimentos com um toque noir, típico dos seriados detetives dos meados do século XX. Uma pena que essa aparência tão única e diferenciada não foi explorada mais com a adição de uma trilha sonora mais elaborada, sendo que as poucas melodias que o game possui ficam restritas ao tema de abertura de cada episódio (que é idêntico ao início de um filme ou seriado) e algumas músicas que tocam ao fundo durante momentos tensos. Ainda bem que essa falha é compensada por toda a atmosfera que somente a Telltale Games consegue criar em um game: uma história em que você é um espectador ativo mas um protagonista passivo que, muitas vezes, mal sabe que um bater de palmas pode mudar todo o curso do espetáculo.
Bigby e Branca de Neve precisam se unir para resolver os mistérios e ajudarem um ao outro a enfrentar seus próprios demônios pessoais.

Um jogo de sombras, luzes e muitos desvios

A jornada desse detetive nada comum (e com uma cara emburrada que inspira poucos amigos) ao longo dos cinco episódios é recheada de personagens populares dos contos de fadas e de reviravoltas que prometem deixar o jogador apreensivo a cada passo que der. São figuras populares como Branca de Neve, Bela, Barba Azul, o Lenhador, entre outros (até mesmo a assustadora Bloody Mary, das lendas urbanas, está presente). Cada um possui uma personalidade diferente e marcante, mas é incrível perceber como em todos eles a sensação de não conseguir se adequar ao estilo do mundo dos homens é a mesma. Os diálogos e situações que o jogador experiencia com os demais personagens são tão envolventes e rápidas, seguindo o bom e velho estilo dos quadrinhos, que é fácil se sentir imerso na história e na vida de cada um deles em pouco tempo.
Bigby conta até com a ajuda do Espelho Mágico para procurar respostas.

Apesar das várias sequências de diálogos e também dos momentos de luta frenética em que um mover das setas ou do mouse pode determinar a quantidade de socos que Bigby irá levar ou dar, o jogo deixa muito a desejar no que diz respeito a experiência investigativa. Ao invés de estar presente na forma de puzzles (o que seria o esperado, como ocorre em The Walking Dead), a Telltale parece ter optado por uma abordagem mais discreta em que o trabalho de detetive de Bigby fica reservado a maneira com que ele interage com os personagens do que com os objetos que ele obtém pelo cenário a sua volta. Por um lado isso é bom, mas pelo outro não. Em certas ocasiões as tomadas de decisões durante as conversas ficam tão repetitivas que o jogador pode acabar não prestando a devida atenção ao texto ou simplesmente escolhendo alguma fala para poder prosseguir.
Escolha suas palavras sabiamente sempre.

Um final feliz?

Independente da forma com que o jogador interagir e desenvolver a história, Bigby terá suas respostas e a verdadeira pessoa por detrás de todos os mistérios de Fabletown será desmascarada. Então, tudo acaba bem, certo? Mais ou menos. Depende de o que se pode definir como um “final feliz”, um conceito que já deve estar bem deturpado na mente desses pobres personagens exilados em nosso mundo. Os últimos acontecimentos e decisões do game certamente provocam diferentes resultados no final e, como ficará a reputação de Bigby e a situação de Fabletown e seus habitantes são duas consequências que são diretamente influenciadas para onde o botão do mouse vai apontar nos últimos momentos. Apesar disso, vale a pena prestar atenção ao último diálogo que rola entre o xerife “não tão casca grossa agora” e a jovem garota de programa Nerissa (a Ariel de “A Pequena Sereia”). Entender o que se passa na conversa derradeira do game é certamente um desafio para criar muitas teorias, fundir alguns neurônios ou apenas instigar o jogador a ler as histórias em quadrinhos.
Os personagens se reúnem para resolver o destino da comunidade.

The Wolf Among Us deixa um legado inestimável para o universo dos games. O título é uma lição de que games point n’ click podem ser interessantes, emociantes e, acima de tudo, belos (mesmo que de uma forma distorcida). Não existe situação incorreta, personagens supérfluos ou diálogos desnecessários. Todos os elementos estão presentes no game na medida certa para formar uma experiência que será inesquecível para quem estiver atrás da tela e do mouse. Mesmo depois do fim dessa aventura de tantos altos e baixos, é certo que fica uma saudade de interagir com cada personagem e descobrir mais sobre cada uma de suas fantásticas e inusitadas histórias. Ainda bem que mesmo não tendo certeza de que tudo termina em um final feliz, eles com certeza vão viver na nossa imaginação por um bom tempo.
Quem diria que, afinal, esse lobo não é tão mau quanto parece?

Prós

  • Visual único;
  • História envolvente;
  • Diálogos e personagens bem desenvolvidos.

Contras

  • Falta de maior interação com o cenário;
  • Pouca ou nenhuma trilha sonora.


The Wolf Among Us - PC - Nota: 9.0
Revisão: Vitor Tibério
Capa: Diego Migueis


Escreve para o GameBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
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