Al Capone e o crime profissionalizado
A trama começa durante a vigência da 18ª Emenda, que baniu o álcool nos EUA. O que deveria ser uma medida moralista gerou um mercado negro de US$ 3 bilhões anuais. Em cidades como Lost Heaven (inspirada em Chicago e Nova York), a "proteção" mafiosa era a única lei.
Em Chicago, o crime se profissionalizou sob o comando do lendário Al Capone. Ele faturava milhões subornando figuras como o prefeito William Hale Thompson, um reflexo das "Máquinas Políticas" da época, em que o crime e o Estado eram sócios. No game, a facilidade com que a Família Salieri manipula juízes e policiais não é exagerada; é uma representação fiel do controle absoluto que as gangues exerciam sobre o funcionalismo público.
O Massacre do Dia de São Valentim
O realismo dos armamentos também merece destaque. A icônica Thompson M1921 (ou "Tommy Gun") é a estrela do combate. Originalmente desenhada para a 1ª Guerra Mundial, ela caiu perfeitamente nas mãos de gângsteres. A tática de escondê-la em maletas de violino, vista em missões do jogo, era uma técnica real de ocultação para emboscadas urbanas.
Essa tecnologia culminou no Massacre do Dia de São Valentim (1929), quando homens de Capone fuzilaram sete rivais disfarçados de policiais. Esse evento é o que dá o tom das missões mais violentas do título: um lembrete de que a violência daquela época era pública e teatral.
5 momentos reais que são recriados no game:
A Guerra de Castellammare (1930-1931): a rivalidade Salieri vs. Morello espelha a guerra real entre as facções de Joe Masseria e Salvatore Maranzano, que deu origem às Cinco Famílias de Nova York.
O Código de Omertà: são mostrados rituais de iniciação onde o "Homem Feito" passa por um juramento de sangue, selando sua lealdade sob pena de morte.
O "Pincel de Chicago": a metralhadora Thompson permitia a um único atirador dizimar um comboio inteiro, mudando as táticas de perseguição de carros que vemos no jogo.
A Grande Depressão: Tommy Angelo entra para a máfia por desespero econômico após a crise de 1929, que foi o maior motor de recrutamento para o crime organizado.
A Revogação da Lei Seca (1933): o game termina mostrando a decadência das famílias, que precisaram migrar para o tráfico de drogas e sindicatos para sobreviver.
O debate da "Cidade Vazia"
Uma das críticas mais persistentes à série é a percepção de que suas cidades são "vazias" por carecerem de atividades secundárias como as de GTA. No entanto, essa é uma escolha de design. Em Mafia, a metrópole serve à narrativa, e não o contrário.
Lost Heaven não foi projetada para ser um parque de diversões, mas uma moldura atmosférica. As ruas largas e o tráfego cadenciado forçam o jogador a focar na urgência da missão e no peso da história. A cidade é um personagem silencioso, uma testemunha da tragédia. Em Mafia você é um gângster com um trabalho a fazer, sem tempo para diversão.
Essa imersão é reforçada pelas regras: a polícia te multa por excesso de velocidade e os veículos precisam de combustível. E quem jogou o original nunca vai esquecer da missão Fair Play. A dificílima corrida que representava o desespero dos chefões em provar seu poder em todos os campos. Através de coletáveis, o título também expõe o racismo anti-italiano e as mudanças das Melindrosas (Flappers), mulheres que desafiavam os valores conservadores da época.
O legado de Mafia
O game estabeleceu os mandamentos que definem a franquia até hoje: O foco é sempre a imersão histórica, o protagonista melancólico que entra no crime por necessidade, o que foi mantido com Vito Scaletta em Mafia II, Lincoln Clay em Mafia III e mais recentemente com Enzo Favara em Mafia: The Old Country.
A genialidade do roteiro se prova na sua conexão com Mafia II. O que era um final trágico no primeiro jogo torna-se uma missão intensa no segundo, fechando um ciclo narrativo épico onde descobrimos, da forma mais visceral possível, que fomos os executores do destino de Tommy Angelo.
Mafia triunfou porque não teve medo de ser difícil ou político. Ele humanizou os personagens e provou que a "honra mafiosa" é apenas um verniz para a ganância. Mesmo décadas depois, ele continua sendo o padrão para quem deseja entender como o crime, a economia e a política se fundiram para moldar a América do século XX.
Revisão: Thomaz Farias


