E.T. e o presente de Natal que virou um dos maiores fracassos dos videogames

De aposta milionária a símbolo do colapso da indústria, E.T. da Atari marcou para sempre a história dos games.

em 23/12/2025

No início dos anos 80, a Atari dominava o mercado de videogames e se tornava praticamente um sinônimo do ato de jogar. Nesse contexto, os jogos licenciados, que, até então, existiam de forma mais pontual, passaram a ganhar força como estratégia comercial, impulsionados pelo sucesso de grandes filmes e fenômenos da cultura pop.


Essa combinação ajudou a estabelecer uma tendência de mercado que se manteria relevante por décadas, reforçando a ideia de que estampar um nome famoso na capa do cartucho era quase uma garantia de sucesso imediato junto ao público. A lógica por trás desses lançamentos era simples e agressiva. Um nome famoso chamava atenção imediata e, aliado a uma boa campanha de marketing, garantia vendas expressivas.

Para maximizar esse impacto, as empresas passaram a concentrar seus lançamentos nas grandes datas do varejo, especialmente no Natal. Com o calendário da indústria cada vez mais condicionado às festas de fim de ano, colocar o jogo nas lojas em dezembro tornou-se prioridade, mesmo que isso exigisse decisões apressadas.

Foi esse pensamento que levou a Atari a assumir um grande risco, tomando uma escolha que acabaria deixando marcas profundas na história da empresa e na credibilidade dos videogames como um todo.

O extraterrestre de acordo milionário

Lançado nos cinemas norte-americanos em junho de 1982, E.T. - O Extraterrestre rapidamente se transformou em um fenômeno cultural sem precedentes. Dirigido por Steven Spielberg, o filme quebrou recordes de bilheteria, conquistou o público de todas as idades e se consolidou como um dos maiores sucessos da história do cinema até então.

Diante desse impacto imediato, a Atari enxergou no longa-metragem uma oportunidade de transformar o sucesso das telas em um novo grande hit para o Atari 2600, seu principal console na época. A aposta estava diretamente ligada à força da marca E.T., que já havia conquistado o público nos cinemas e poderia repetir esse desempenho no mercado de videogames.
Grande fila no clássico Cinerama Dome na Califórnia, formada para assistir ao filme do dia de estréia. (Imagem: Vintage Los Angeles, Facebook).



Para garantir essa adaptação, a Atari firmou um acordo direto com a Universal Pictures, pagando cerca de 20 a 23 milhões de dólares pelos direitos de uso da marca E.T., um valor considerado extremamente alto para a época e inédito na indústria de games. A ideia era desenvolver e lançar o jogo ainda em 1982, a tempo do Natal, aproveitando o auge da popularidade do filme.

A confiança da Atari era tamanha que o nome estampado na caixa parecia suficiente para assegurar o sucesso comercial, uma aposta que acabaria se revelando muito mais arriscada do que o esperado.

Um prazo impossível para desenvolver um jogo

Com o contrato de licenciamento assinado apenas no fim de julho de 1982, a Atari passou a correr contra o tempo para lançar o jogo ainda naquele ano. Para isso, a empresa designou o projeto a Howard Scott Warshaw, programador responsável por sucessos como Yars’ Revenge e pela adaptação de Raiders of the Lost Ark.

Apesar da experiência, Warshaw recebeu um prazo extremamente curto: cerca de cinco semanas para desenvolver um jogo completo para o Atari 2600, quando o padrão da época girava entre seis e oito meses de produção.
Warshaw e Steven Spielberg, em reunião de apresentação do protótipo do jogo. (Imagem: BBC Brasil).
Esse cronograma apertado impactou diretamente o processo criativo. Etapas fundamentais como testes extensivos, ajustes de dificuldade e refinamento da jogabilidade foram reduzidas ou simplesmente eliminadas. Em entrevistas posteriores, o próprio Warshaw reconheceu que o tempo limitado obrigou decisões rápidas e compromissos técnicos que não seriam aceitáveis em um ciclo normal de desenvolvimento.

Mesmo assim, o jogo foi finalizado dentro do prazo exigido e enviado para produção em massa. A Atari acreditava que o sucesso do filme compensaria qualquer limitação do produto final, pensamento que logo se mostraria equivocado quando o jogo chegou às mãos do público.

O fracasso comercial e o impacto na Atari

No game, o jogador controla E.T. com o objetivo de reunir partes de um telefone interplanetário espalhadas pelo mapa, evitando inimigos e obstáculos até conseguir “ligar para casa”. A proposta, no entanto, era apresentada de forma pouco clara, com telas repetitivas, mecânicas confusas e quedas frequentes em buracos que interrompiam constantemente o ritmo da partida, gerando frustração logo nos primeiros minutos de jogo.

Apesar dessas falhas, ‘E.T. - O Extraterrestre’ teve boas vendas iniciais, impulsionadas pela força da marca e pela expectativa criada em torno do filme. Milhões de cartuchos foram distribuídos para o Natal de 1982, e o lançamento parecia confirmar a aposta da Atari em mais um sucesso comercial baseado em um grande nome de Hollywood.
Gameplay do jogo E.T. - O Extraterrestre. (Imagem: Reprodução/GameBlast).
O cenário mudou rapidamente quando os jogadores começaram a devolver o jogo em massa após experimentá-lo. As devoluções forçaram a Atari a reembolsar varejistas e lidar com estoques encalhados, transformando um lançamento promissor em um prejuízo significativo. O caso se tornou um símbolo dos excessos da indústria naquele período e contribuiu para o desgaste da imagem da Atari, além de aprofundar a crise de confiança que culminaria no crash dos videogames de 1983.

O enterro no deserto e o legado do jogo

Durante décadas, circulou a história de que milhões de cartuchos de E.T. teriam sido enterrados no deserto do Novo México como forma de descartar o enorme estoque encalhado. Por muito tempo tratada como lenda urbana, a narrativa ganhou confirmação em 2014, quando uma escavação autorizada revelou milhares de cartuchos da Atari descartados em um antigo aterro sanitário na cidade de Alamogordo, incluindo cópias do jogo.
Escavação realizada em 2014 no deserto do Novo México confirmou a lenda urbana sobre o descarte de cartuchos da Atari. (Imagem: Engadget).



O episódio reforçou o status quase mítico de E.T. - O Extraterrestre na história dos videogames, consolidando sua imagem como símbolo de um período marcado por decisões apressadas e falta de controle de qualidade. Mais do que um “pior jogo de todos os tempos”, o game passou a representar um ponto de virada, evidenciando a necessidade de processos mais cuidadosos, prazos realistas e maior responsabilidade com o consumidor.

O legado do jogo, portanto, vai além de seu fracasso. Ele funciona como um alerta permanente para a indústria, lembrando que nem mesmo a maior marca ou o maior sucesso de Hollywood são capazes de sustentar um produto quando a experiência entregue ao jogador é deixada em segundo plano.

Já conhecia a história por trás de um dos jogos mais emblemáticos da indústria? Continue acompanhando o GameBlast para mais matérias especiais sobre o passado e o futuro dos videogames!

Revisão: Johnnie Brian
Fontes: The Guardian, Atari: Game Over (2014), BBC News Brasil,
Once Upon Atari: How I Made History by Killing an Industry (2020), Aventuras na História, The Ultimate History of Video Games (2001)




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Felipe Batista
Amante de boas histórias, sejam elas contadas em jogos, livros ou filmes. Quando não estou escrevendo, é provável que eu esteja cuidando dos meus Pokémon e bebendo mais uma xícara de café.
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