No início dos anos 80, a Atari dominava o mercado de videogames e se tornava praticamente um sinônimo do ato de jogar. Nesse contexto, os jogos licenciados, que, até então, existiam de forma mais pontual, passaram a ganhar força como estratégia comercial, impulsionados pelo sucesso de grandes filmes e fenômenos da cultura pop.
Essa combinação ajudou a estabelecer uma tendência de mercado que se manteria relevante por décadas, reforçando a ideia de que estampar um nome famoso na capa do cartucho era quase uma garantia de sucesso imediato junto ao público. A lógica por trás desses lançamentos era simples e agressiva. Um nome famoso chamava atenção imediata e, aliado a uma boa campanha de marketing, garantia vendas expressivas.
Para maximizar esse impacto, as empresas passaram a concentrar seus lançamentos nas grandes datas do varejo, especialmente no Natal. Com o calendário da indústria cada vez mais condicionado às festas de fim de ano, colocar o jogo nas lojas em dezembro tornou-se prioridade, mesmo que isso exigisse decisões apressadas.
Foi esse pensamento que levou a Atari a assumir um grande risco, tomando uma escolha que acabaria deixando marcas profundas na história da empresa e na credibilidade dos videogames como um todo.
O extraterrestre de acordo milionário
Lançado nos cinemas norte-americanos em junho de 1982, E.T. - O Extraterrestre rapidamente se transformou em um fenômeno cultural sem precedentes. Dirigido por Steven Spielberg, o filme quebrou recordes de bilheteria, conquistou o público de todas as idades e se consolidou como um dos maiores sucessos da história do cinema até então.
Diante desse impacto imediato, a Atari enxergou no longa-metragem uma oportunidade de transformar o sucesso das telas em um novo grande hit para o Atari 2600, seu principal console na época. A aposta estava diretamente ligada à força da marca E.T., que já havia conquistado o público nos cinemas e poderia repetir esse desempenho no mercado de videogames.
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| Grande fila no clássico Cinerama Dome na Califórnia, formada para assistir ao filme do dia de estréia. (Imagem: Vintage Los Angeles, Facebook). |
Para garantir essa adaptação, a Atari firmou um acordo direto com a Universal Pictures, pagando cerca de 20 a 23 milhões de dólares pelos direitos de uso da marca E.T., um valor considerado extremamente alto para a época e inédito na indústria de games. A ideia era desenvolver e lançar o jogo ainda em 1982, a tempo do Natal, aproveitando o auge da popularidade do filme.
A confiança da Atari era tamanha que o nome estampado na caixa parecia suficiente para assegurar o sucesso comercial, uma aposta que acabaria se revelando muito mais arriscada do que o esperado.
Um prazo impossível para desenvolver um jogo
Com o contrato de licenciamento assinado apenas no fim de julho de 1982, a Atari passou a correr contra o tempo para lançar o jogo ainda naquele ano. Para isso, a empresa designou o projeto a Howard Scott Warshaw, programador responsável por sucessos como Yars’ Revenge e pela adaptação de Raiders of the Lost Ark.
Apesar da experiência, Warshaw recebeu um prazo extremamente curto: cerca de cinco semanas para desenvolver um jogo completo para o Atari 2600, quando o padrão da época girava entre seis e oito meses de produção.
Esse cronograma apertado impactou diretamente o processo criativo. Etapas fundamentais como testes extensivos, ajustes de dificuldade e refinamento da jogabilidade foram reduzidas ou simplesmente eliminadas. Em entrevistas posteriores, o próprio Warshaw reconheceu que o tempo limitado obrigou decisões rápidas e compromissos técnicos que não seriam aceitáveis em um ciclo normal de desenvolvimento.
Mesmo assim, o jogo foi finalizado dentro do prazo exigido e enviado para produção em massa. A Atari acreditava que o sucesso do filme compensaria qualquer limitação do produto final, pensamento que logo se mostraria equivocado quando o jogo chegou às mãos do público.
O fracasso comercial e o impacto na Atari
No game, o jogador controla E.T. com o objetivo de reunir partes de um telefone interplanetário espalhadas pelo mapa, evitando inimigos e obstáculos até conseguir “ligar para casa”. A proposta, no entanto, era apresentada de forma pouco clara, com telas repetitivas, mecânicas confusas e quedas frequentes em buracos que interrompiam constantemente o ritmo da partida, gerando frustração logo nos primeiros minutos de jogo.
Apesar dessas falhas, ‘E.T. - O Extraterrestre’ teve boas vendas iniciais, impulsionadas pela força da marca e pela expectativa criada em torno do filme. Milhões de cartuchos foram distribuídos para o Natal de 1982, e o lançamento parecia confirmar a aposta da Atari em mais um sucesso comercial baseado em um grande nome de Hollywood.
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| Gameplay do jogo E.T. - O Extraterrestre. (Imagem: Reprodução/GameBlast). |
O cenário mudou rapidamente quando os jogadores começaram a devolver o jogo em massa após experimentá-lo. As devoluções forçaram a Atari a reembolsar varejistas e lidar com estoques encalhados, transformando um lançamento promissor em um prejuízo significativo. O caso se tornou um símbolo dos excessos da indústria naquele período e contribuiu para o desgaste da imagem da Atari, além de aprofundar a crise de confiança que culminaria no crash dos videogames de 1983.
O enterro no deserto e o legado do jogo
Durante décadas, circulou a história de que milhões de cartuchos de E.T. teriam sido enterrados no deserto do Novo México como forma de descartar o enorme estoque encalhado. Por muito tempo tratada como lenda urbana, a narrativa ganhou confirmação em 2014, quando uma escavação autorizada revelou milhares de cartuchos da Atari descartados em um antigo aterro sanitário na cidade de Alamogordo, incluindo cópias do jogo.
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| Escavação realizada em 2014 no deserto do Novo México confirmou a lenda urbana sobre o descarte de cartuchos da Atari. (Imagem: Engadget). |
O episódio reforçou o status quase mítico de E.T. - O Extraterrestre na história dos videogames, consolidando sua imagem como símbolo de um período marcado por decisões apressadas e falta de controle de qualidade. Mais do que um “pior jogo de todos os tempos”, o game passou a representar um ponto de virada, evidenciando a necessidade de processos mais cuidadosos, prazos realistas e maior responsabilidade com o consumidor.
O legado do jogo, portanto, vai além de seu fracasso. Ele funciona como um alerta permanente para a indústria, lembrando que nem mesmo a maior marca ou o maior sucesso de Hollywood são capazes de sustentar um produto quando a experiência entregue ao jogador é deixada em segundo plano.
Já conhecia a história por trás de um dos jogos mais emblemáticos da indústria? Continue acompanhando o GameBlast para mais matérias especiais sobre o passado e o futuro dos videogames!
Revisão: Johnnie Brian
Fontes: The Guardian, Atari: Game Over (2014), BBC News Brasil,
Once Upon Atari: How I Made History by Killing an Industry (2020), Aventuras na História, The Ultimate History of Video Games (2001)







