Estamos vivendo a era das coletâneas. É animador ver como o legado de diversas franquias e desenvolvedoras consegue se manter vivo graças ao trabalho conjunto de veteranos da indústria e de novos estúdios, muitos deles dedicados a resgatar títulos do passado.
Entre os lançamentos deste ano, destaca-se uma proposta peculiar dentro desse nicho: Telenet Shooting Collection Launcher. Trata-se de um cliente gratuito que oferece acesso aos jogos da Telenet Japan e da Wolf Team, adquiridos de forma individual. Nesta análise, vamos viajar no tempo para conhecer as origens desses títulos e entender a proposta desse produto, que tem cara de coletânea, mas não é, necessariamente, uma.
Uma desenvolvedora cult que marcou a era 16-bits
A Telenet Japan Co., Ltd. foi uma desenvolvedora e publicadora japonesa de videogames que atuou com destaque entre as décadas de 1980 e 1990, tornando-se um nome cult entre os jogadores da era de 8 a 16 bits. Embora nunca tenha alcançado o mesmo status de outras gigantes da indústria, como Capcom, Bandai e Konami, seu legado permanece vivo graças a títulos marcantes.
| Logo da Nihon Telenet (Telenet Japan no ocidente) |
Uma das marcas da Telenet foi sua estrutura descentralizada, operando por meio de vários estúdios e selos internos. Entre os mais conhecidos estavam a Wolf Team, voltada a RPGs e narrativas mais elaboradas, além de divisões como Riot, Laser Soft e CommSeed. No mercado ocidental, a empresa atuou por meio da subsidiária Renovation Products, responsável por levar parte de seu catálogo aos Estados Unidos.
O maior símbolo da Telenet Japan é, sem dúvida, a série Valis, que já abordamos no GameBlast por ocasião dos relançamentos da franquia. Misturando ação de plataforma com temática de magical girl, Valis conquistou notoriedade ao ser lançada em múltiplas plataformas, consolidando-se como um clássico cult da época.
Além dessa série, a empresa produziu e publicou jogos de diversos gêneros, como RPGs, shoot ’em ups e aventuras. Muitos desses títulos são lembrados até hoje pela trilha sonora marcante e pelo visual característico da era 16 bits.
No início dos anos 1990, a Telenet começou a enfrentar dificuldades financeiras, reflexo das mudanças no mercado e do aumento nos custos de desenvolvimento. Mesmo com reestruturações internas, a situação não se estabilizou e, em 25 de outubro de 2007, a empresa encerrou oficialmente suas atividades, acumulando uma dívida significativa.
Apesar do fechamento, o catálogo da Telenet Japan não foi esquecido. Em 2009, a Sunsoft adquiriu os direitos de suas propriedades. Anos depois, esses direitos passaram para a Edia, que, em parceria com a City Connection, vem lançando coletâneas modernas, como os relançamentos de Valis e o objeto desta análise, o Telenet Shooting Collection Launcher.
A Telenet Japan representa um capítulo importante da história dos videogames japoneses. Seus jogos ajudaram a moldar o cenário criativo das décadas de 1980 e 1990 e influenciaram profissionais que mais tarde migraram para outros estúdios de destaque. Hoje, seu nome é lembrado com carinho por jogadores que viveram — ou redescobriram — a era de ouro dos consoles de 16 bits.
História em quatro jogos
Apesar da proposta, Telenet Shooting Collection Launcher funciona como um hub de acesso aos jogos. Assim como ocorreu com Valis: The Fantasm Soldier Collection Launcher, a ideia aqui é a mesma: o cliente é gratuito e oferece ao jogador a liberdade de adquirir apenas os títulos que deseja jogar, de forma avulsa.
Do ponto de vista financeiro, a proposta é interessante, pois permite que o jogador invista apenas nos jogos que realmente lhe despertam interesse. No lançamento do launcher, quatro títulos estão disponíveis para compra. São eles:
Avenger (PC Engine CD) – 1989
Lançado em 1989 para o PC Engine CD-ROM, Avenger é a versão em CD do shooter vertical da Telenet Japan, conhecida por elevar a intensidade e a ambição técnica do jogo originalmente lançado em HuCard. O título ganhou notoriedade entre os fãs do console não apenas pelo visual incomum, mas também pelo alto nível de dificuldade.
Em Avenger, o jogador controla uma nave futurista em combates constantes contra forças inimigas distribuídas por cenários urbanos e industriais. Antes de cada fase, é necessário escolher as armas principais e o tipo de bomba a ser utilizado na missão. O arsenal funcional, porém limitado, reforça a proposta de valorizar a habilidade do jogador, em vez de sistemas de progressão ou upgrades generosos.
A jogabilidade prioriza a movimentação livre e ação contínua. Os inimigos aparecem em grande número e com padrões agressivos, transformando cada fase em um teste de reflexos e memorização. Diferentemente de outros jogos do gênero, incluindo os demais presentes nesta coletânea, a nave possui uma barra de vida em vez de ser destruída com um único acerto. No entanto, ao ser derrotado, o jogador precisa reiniciar o estágio desde o início.
A principal diferença da versão em CD-ROM está no setor audiovisual. Os gráficos apresentam melhorias sutis, com cenários mais detalhados e animações levemente mais refinadas, mas é no áudio que o jogo realmente se destaca. A trilha sonora em formato CD e as cutscenes complementam a experiência, elevando a qualidade da apresentação geral.
Granada (Mega Drive) – 1990
Lançado em 1990 exclusivamente no Japão, Granada é um daqueles jogos de Mega Drive que passaram despercebidos pelo grande público. Desenvolvido pela Wolf Team e publicado pela Telenet Japan, o título se destaca por combinar ação intensa com uma proposta mais tática, algo incomum no console na época.
Em Granada, o jogador assume o controle de um tanque futurista em uma Terra devastada, enfrentando forças inimigas fortemente armadas. Diferentemente dos shooters tradicionais, o jogo não se resume a eliminar todos os adversários da tela. Cada fase apresenta objetivos específicos, como destruir instalações estratégicas ou sobreviver a emboscadas, o que exige planejamento e boa leitura do mapa.
A jogabilidade é um de seus principais atrativos. O tanque se move livremente e pode disparar em diferentes direções graças a um sistema de mira versátil. Ao longo das missões, o jogador tem acesso a diversos tipos de armamentos, incluindo tiros frontais, mísseis e ataques especiais, o que adiciona variedade à experiência. O posicionamento correto costuma ser decisivo, tornando a proposta mais estratégica do que aparenta à primeira vista.
No aspecto técnico, Granada impressiona com gráficos detalhados para os padrões da época, além de boas animações e efeitos. Esses elementos evidenciam o cuidado da Wolf Team em extrair o máximo do hardware do Mega Drive, ainda nos primeiros anos de vida do console.
Gaiares (Mega Drive) – 1990
Gaiares é um shoot ’em up horizontal desenvolvido pela Telenet Japan e publicado pela Renovation Products no Ocidente. Considerado por muitos um dos shooters mais desafiadores e sofisticados do console, o jogo se destacou pela inovação no sistema de armas e pelo alto nível técnico.
Em Gaiares, o jogador assume o controle da nave homônima em uma missão para enfrentar forças alienígenas que ameaçam a Terra. A principal inovação está no sistema chamado WOZ. Por meio dele, o jogador pode lançar um pequeno dispositivo capaz de roubar armas dos inimigos, permitindo experimentar diferentes tipos de disparo ao longo das fases. Essa mecânica adiciona uma camada estratégica incomum aos shooters da época, já que a escolha do momento e do alvo para o roubo pode determinar o sucesso da partida.
Mesmo com um sistema de armas avançado, Gaiares é conhecido pela dificuldade elevada, configurando um verdadeiro teste de habilidade para fãs do gênero. No aspecto técnico, o jogo impressiona com gráficos detalhados, sprites grandes e efeitos de rotação e escalonamento que exploram bem o hardware do Mega Drive. A trilha sonora, composta por Masaharu Iwata, é intensa e memorável, reforçando a sensação constante de urgência durante as fases.
Gaiares construiu um status lendário entre os shooters do Mega Drive. Até hoje, é lembrado como um título inovador, implacável e tecnicamente brilhante, recomendado especialmente para jogadores experientes que buscam um dos maiores desafios do catálogo do console.
Dos títulos disponíveis, Gaiares é o único com a opção de selecionar a versão americana ou japonesa da ROM para jogar. Além disso, por ser o mais conhecido dentre os quatro, é a arte japonesa dele que estampa o cartaz do Telenet Shooting Collection Launcher.
Psychic Storm (PC Engine CD) – 1992
Lançado em 1992 para o PC Engine CD-ROM, Psychic Storm é um shooter vertical desenvolvido pela Laser Soft e publicado pela NEC Avenue. Apesar de pouco conhecido fora do Japão, o título ganhou reconhecimento entre fãs do console por sua velocidade extrema, atmosfera futurista e dificuldade elevada.
Em Psychic Storm, o jogador assume o papel de um entre quatro soldados com poderes psíquicos, lançado em missões contra forças inimigas em cenários urbanos e bases tecnológicas. A jogabilidade é centrada em ação contínua, com deslocamento em múltiplos ângulos e grande quantidade de projéteis na tela.
O diferencial está no uso das habilidades psíquicas que transformam as naves dos pilotos em poderosas criaturas de combate, que funcionam como ataques especiais capazes de limpar áreas e causar grande dano aos inimigos. O ritmo é intenso, deixando claro que o jogo foi pensado para jogadores experientes.
Visualmente, Psychic Storm se destaca com sprites bem definidos e cenários que fazem jus aos padrões do PC Engine CD. A trilha sonora em áudio digital é um dos pontos altos, trazendo faixas eletrônicas e atmosféricas que reforçam o clima de ficção científica, juntamente com as cutscenes de apresentação que ajudam a introduzir o jogador ao mundo do jogo.
Essencialmente, um hub gratuito de acesso a jogos vendidos separadamente
O Telenet Shooting Collection Launcher funciona, essencialmente, como um hub de acesso aos quatro títulos disponíveis. Por meio dele, é possível ajustar gráficos e controles, além de acessar informações adicionais sobre cada jogo, como manuais rápidos, versões digitais dos manuais originais e até a visualização das cutscenes. As trilhas sonoras também podem ser acessadas, mas são vendidas separadamente.
A emulação das ROMs é competente. Os ajustes gráficos permitem jogar tanto em modo janela quanto em tela cheia, além de oferecer opções de filtros para diferentes preferências. No entanto, não há filtros que simulem monitores CRT, TVs de tubo ou scanlines, recursos comuns para quem busca uma experiência mais próxima da época original.
As opções disponíveis se limitam ao ajuste da escala de renderização e a filtros que suavizam o aspecto pixelado dos sprites. A emulação também conta com salvamento de estados e função de rebobinamento, recursos já bastante comuns nesse tipo de solução.
Como mencionado anteriormente, do ponto de vista financeiro, a proposta da Telenet Shooting Collection é interessante por permitir que o jogador adquira apenas os títulos de seu interesse. No meu caso, o único jogo que realmente justificaria o investimento é Gaiares, por ser o único que eu já conhecia e joguei bastante na época do Mega Drive.
Por outro lado, a proposta tradicional de uma coletânea é justamente facilitar o acesso a jogos antigos, especialmente para um novo público, oferecendo uma experiência mais completa. Nesse sentido, limitar o acesso por meio de compras individuais pode não ser a forma mais atrativa de trazer esses títulos de volta ao mercado. A título de registro, essa mesma coletânea já foi lançada de forma fechada para o Switch em 2023.
Ainda assim, o custo de cada jogo acaba beneficiando a iniciativa, já que os valores são relativamente acessíveis. No momento da publicação desta análise, cada título está com 20% de desconto no Steam. O preço cheio de cada um deles é de R$16,99. As trilhas sonoras, também vendidas separadamente, custam R$6,99 cada em seu valor regular.
A opção de compra do conjunto todo, no Steam, também está disponível caso o jogador prefira dessa forma. Na ocasião da publicação desta análise, o pacote completo custa R$81,53, ainda dando a alternativa para quem prefere tudo junto de uma vez só. No entanto, ao comprar apenas os jogos de interesse, o impacto no bolso acaba sendo menor.
Trata-se de uma prática de negócio diferente, adotada pela Edia, responsável pelo desenvolvimento e distribuição. Apesar de quebrar o conceito tradicional de coletânea, a proposta funciona de certa forma. Fica, portanto, a reflexão para os jogadores mais saudosistas e defensores das clássicas coleções de jogos retrô.
Mais um legado preservado
O Telenet Shooting Collection Launcher se apresenta como uma iniciativa curiosa e, ao mesmo tempo, representativa dos caminhos atuais para a preservação de jogos clássicos. Ao optar por um modelo modular, que permite a compra individual dos títulos, a Edia oferece liberdade de escolha ao jogador, ainda que isso vá na contramão do conceito tradicional de coletâneas fechadas. Trata-se de uma proposta que privilegia o consumo consciente, mas que pode não agradar aos fãs mais puristas.
No aspecto técnico, o launcher cumpre bem seu papel ao entregar uma emulação estável, recursos modernos de qualidade de vida e acesso facilitado a conteúdos extras, como manuais e trilhas sonoras. Embora faltem opções mais avançadas de filtros visuais, a experiência geral é sólida e respeitosa com os jogos originais.
Como produto, o Telenet Shooting Collection Launcher não tenta reinventar esses clássicos, mas sim torná-los acessíveis a uma nova geração, ao mesmo tempo em que atende jogadores veteranos interessados em revisitar títulos menos conhecidos da Telenet Japan e da Wolf Team. No fim das contas, trata-se de uma porta de entrada válida para um catálogo importante da história dos shooters, cuja relevância permanece intacta mesmo décadas após seus lançamentos originais.
Prós
- Modelo de compra individual, permitindo adquirir apenas os jogos de interesse;
- Emulação estável, com bom desempenho nos diferentes títulos;
- Recursos modernos de qualidade de vida, como save states e rewind;
- Acesso a manuais digitais, cutscenes e informações adicionais dos jogos;
- Preços acessíveis, especialmente em períodos promocionais.
Contras
- Ausência de filtros visuais que simulem CRT, scanlines ou TVs de tubo;
- Trilhas sonoras vendidas separadamente;
- Proposta modular pode não agradar jogadores mais saudosistas;
- Conjunto limitado de ajustes gráficos avançados.
Telenet Shooting Collection Launcher — PC — Nota: 7.0
Revisão: Heloísa D’Assumpção Ballaminut
Análise produzida com cópias digitais cedidas pela Edia Co.














