Jogos independentes são frequentemente vistos como o bastião da criatividade na indústria, surgindo aos montes e explorando ideias únicas. Nesse cenário, Silly Polly Beast se destaca por apostar justamente na ousadia criativa, misturando estilos, gêneros e emoções de forma intensa e única, mesmo que com suas limitações.
Silly Polly…
Silly Polly Beast acompanha Polly em uma jornada tudo menos “silly”. A protagonista enfrenta um verdadeiro inferno pessoal, no meio de uma guerra entre demônios e espíritos, enquanto lida com sua própria culpa e a vontade de cumprir uma promessa para quem ela mais ama.
Após ficar inconsciente, Polly desperta em um ambiente infernal e hostil, no qual se vê obrigada a fazer um pacto com o demônio Tormented. Ele promete libertá-la e permitir seu retorno ao mundo real caso elimine três demônios específicos. A premissa simples logo se desdobra em conflitos internos e externos que exploram seu passado e presente de forma simbólica e brutalmente densa.
O inferno está em guerra, e Polly se vê no centro desse caos. O passado da personagem é contada de forma fragmentada, exigindo atenção do jogador para montar o quadro completo da situação. Polly, uma órfã muda que enfrenta demônios – tanto os literais quanto psicológicos –, se torna instantaneamente icônica. Seu visual é inconfundível, e o skate que carrega funciona não só como elemento visual, mas como uma arma incomum e estilosa.
Acompanhamos as reações de Polly diante dos horrores e acontecimentos ao redor, o que acrescenta camadas de personalidade e humanidade à jornada, mesmo em meio a assuntos delicados que o jogo toca, como abuso, violência e traumas.
Identidade de sobra
Silly Polly Beast é um jogo de personalidade marcante, que mistura perspectivas e estilos de forma ousada. A experiência alterna entre uma visão isométrica, sessões em terceira pessoa sobre o skate e capítulos inteiros em 2D, e tudo isso é costurado com uma direção de arte que remete à era do PlayStation 3, com visual estilizado e charme retrô.
As artes exageradas, que foram inspiradas em quadrinhos, surgem durante os diálogos, reforçando o tom agressivo e expressionista da obra. Essa estética contribui para uma atmosfera distorcida e quase sufocante que se alimenta da escuridão como parte essencial da mecânica e do tema.
Lâminas gigantes e cenários cheios de inimigos mantêm o perigo constante e visualmente expressivo. Ao pausar o jogo o menu aparece no celular da protagonista, refletindo seu rosto emburrado na tela – um pequeno detalhe que exemplifica o cuidado artístico e o desejo de manter o jogador imerso em sua perspectiva.
A sonoridade também merece destaque. A trilha sonora e o design de áudio reforçam a energia punk da personagem e o tom caótico da narrativa. O ritmo forma uma identidade coesa, tão singular quanto o mundo visual do jogo.
Nem tudo é certeiro
O projeto foi desenvolvido inteiramente por uma única pessoa e é justamente aí que seus limites ficam mais evidentes. O jogo se destaca no visual, na narrativa e na sonoridade, mas tropeça na jogabilidade, que não evolui com a mesma inspiração dos outros elementos.
Polly usa o skate como principal arma de combate corpo a corpo, mas o sistema que deveria ser seu diferencial acaba sendo o ponto mais frustrante. O problema não está na ideia, e sim na execução. A barra de estamina é o principal obstáculo: cada inimigo exige mais ataques do que ela pode aguentar, e quando há vários adversários na tela, o ritmo do combate é quebrado por completo. Esquivar não consome energia, mas enquanto o jogador a utiliza a estamina não se regenera e quando ela para, demora segundos preciosos para voltar, o que elimina o dinamismo que o jogo tenta estabelecer.
Essa combinação, somada à agressividade imprevisível dos inimigos, transforma muitos confrontos em tarefas exaustivas. Além disso, o sistema de combate nunca evolui, utilizando os mesmos golpes do início até o final, sem apresentar novas técnicas ou incentivos. O corpo a corpo, que deveria ser capaz de transmitir fluidez e impacto, acaba se tornando a âncora da experiência.
Felizmente, também são oferecidas armas de fogo, inspiradas nos twin-stick shooters, que funcionam melhor em alguns momentos. A munição é escassa, mesmo que inimigos derrotados deixem recargas, o que nem sempre é garantido. Há boas ideias, como o sistema que faz com que determinados inimigos se adaptem após muitos tiros, ganhando armaduras e forçando o jogador a se aproximar, mas a execução carece de refinamento.
Nos ambientes mais controlados, como nas batalhas contra chefes, o combate é menos frustrante, porém ao todo os encontros de inimigos não apenas causam dano à Polly, mas vão tirando a vontade do jogador de continuar em frente.
No fim, o que se vê é um jogo cheio de intenções criativas que esbarram em limitações práticas e possíveis de evitar, como a remoção da barra de estamina em prol de uma inspiração mais voltada no hack’n’slash raiz, que beneficiária o jogo e eliminaria a dificuldade artificial que impregna a jornada.
O melhor de Polly
Em um dos capítulos mais inspirados, o jogo abandona completamente o combate e adota uma estética 2D por completo, assumindo de vez sua veia de survival horror. Nesse trecho, o ritmo desacelera, e o foco se volta para exploração, puzzles e atmosfera, lembrando o que há de mais clássico no gênero. A ausência do combate desbalanceado permite que o design e a direção artística tomem o palco principal.
A troca de câmera e o deslocamento de gênero não soam como rupturas, mas como extensões naturais da própria narrativa. A mistura entre estilos (do isométrico ao 2D) e as seções de skate e ação, nunca entram em conflito com o tom da jornada. Pelo contrário, reforçam a ideia de que a protagonista está literalmente atravessando diferentes camadas de seu próprio inferno. É um jogo que se permite ser desigual, mas sempre coerente com sua proposta.
Entre o céu e o inferno
As boas ideias estão aqui, mas a execução técnica às vezes sabota o impacto. Mesmo assim, Silly Polly Beast permanece sendo fascinante. É falho, mas autêntico. Um projeto que prefere arriscar alto do que se acomodar no seguro, desafiando suas próprias limitações, e, justamente por isso, continua interessante de se jogar e de se pensar sobre.
Prós
- Direção de arte ousada;
- Trilha sonora que reforça o clima punk e caótico;
- Narrativa brutal e bem conduzida;
- Polly se posiciona imediatamente como uma personagem icônica.
Contras
- Sistema de combate travado e mal balanceado;
- Falha de evolução nas mecânicas centrais;
- Estamina e ritmo de batalhas frustrantes.
Silly Polly Beast - PS4/PS5/XBO/XSX/PC - Nota: 7.5Versão utilizada para análise: PlayStation 5
Revisão: Juliana Piombo dos Santos
Análise feita com cópia digital cedida pela Top Hat Studios












