Análise: VIDEOVERSE é uma maneira genial de retratar como os gamers se organizavam no início da internet

Fóruns, avatares e uma rede social em seus últimos dias trazem uma história de um jovem com amizades virtuais e uma paixão platônica.

em 27/11/2025
Atualmente, estamos acostumados com diversos sites e produtores de conteúdo falando sobre a maioria dos jogos em evidência, e alguns até mais obscuros, porém, nem sempre as coisas foram assim. Houve uma época, nos primórdios da internet, em que os jogadores se aglutinavam em fóruns e grupos para comentar as novidades trazidas pelas revistas mensais — lembram delas? Eu ainda tenho as minhas muito bem guardadas.

VIDEOVERSE revive a nostalgia desse tempo, recriando um fórum online que traz o bom e o ruim das interações em rede daquela época, com uma narrativa profunda que lida com amizades virtuais, cyberbullying e sentimentos.

Atrás de cada tela, há um coração

O Videoverse é uma rede social acessível pelo console Shark que, apesar da sua enorme fama, está para ser sucedido pelo Dolphin. Mesmo com a troca de geração a semanas de acontecer, a comunidade ainda se mostra engajada, principalmente por causa do game Feudal Fantasy, que promove discussões, especulações e até fan arts, postadas nas comunidades. Com a chegada de um novo console, uma nova rede social também será implementada e isso causa uma comoção em meio a comunidade.

Emmett é um jovem de 15 anos, que apesar de ter nascido na Inglaterra, vive na Alemanha desde os seus seis. Ele é um grande fã de Feudal Fantasy e do próprio Shark, que ele joga há tempos. A missão de VIDEOVERSE é vivenciar pelos olhos do jovem como a comunidade se comporta e o impacto que isso pode causar nas vidas de quem está ali, dia após dia comentando as coisas.

O jogo é composto de oito capítulos, que resumem o último mês de vida do Videoverse e do Shark. Emmett é um membro ativo na rede social e pode interagir com seus amigos trocando mensagens, entrando nos diferentes fóruns e deixando comentários, curtindo postagens e até mostrando um pouco dos seus desenhos. Outra parte importante é a de reportar os “trolls”, que sempre deixam comentários maldosos sem a menor necessidade.

Todas as decisões tomadas por Emmett desencadeiam diferentes reações, que alteram a maneira como a comunidade o vê. Ele pode se manter como uma pessoa carinhosa, se preocupando com os demais participantes dos fóruns; um cara divertido, fazendo comentários um pouco mais engraçadinhos, mas ainda respeitosos; ou ele mesmo começar a fazer postagens mais ácidas e até desrespeitosas, a ponto de se tornar mais um troll.

Entretanto, evoluir na narrativa traz alguns problemas e assuntos sensíveis, que naquela época não tinham tanto espaço para discussão, como depressão, homofobia, misoginia, capacitismo, catfishing — quando uma pessoa usa uma identidade falsa para enganar outra —, entre outros tipos de preconceito. Logo, alguns diálogos podem conter gatilhos e situações sensíveis para algumas pessoas, porém todos eles são listados antes mesmo do start, para não pegar ninguém desprevenido, causando desconfortos.

Além disso, os próprios dilemas do protagonista conversam diretamente com quem está no controle, o que evoca uma imersão muito forte sobre como lidar com certas situações das quais não temos controle. Isso se dá principalmente após Emmett conhecer Vivi, uma pessoa recém-chegada ao Videoverse, que tem seus mistérios e problemas, e desencadeia uma série de sentimentos no rapaz.

Eu particularmente não esperava uma narrativa tão profunda de um jogo que aparentava ser apenas baseado em nostalgia e fui pego totalmente de surpresa, com direito à múltiplas escolhas, finais diferenciados e até plot twists bem pensados e sem serem clichês. Logo, VIDEOVERSE com certeza terá um apelo maior com jogadores mais velhos, que estão entre seus 30 e 40 anos, e passavam noites a fio nas comunidades do finado Orkut, compartilhando dicas, estratégias e até fan fics para suas obras favoritas.

Como trata-se de um título mais focado em narrativa do que em jogabilidade de fato, VIDEOVERSE só me deixou com duas questões: a primeira é que em alguns momentos, temos que ficar navegando e clicando aleatoriamente em posts e esperar que alguém reaja a um comentário para desencadear a sequência da história e nem sempre está claro o que é necessário ser feito.

A segunda é a ausência de textos em português. Por ser uma narrativa que gira em torno de jogadores europeus, há muitas gírias que podem ser difíceis de pegar, oriundas da Inglaterra, além de maneirismos que misturam o alemão com o inglês, então até mesmo quem tem algum entendimento do idioma pode acabar se perdendo pelos diálogos.

As duas vidas de um jogador

A separação de real e virtual em VIDEOVERSE é feita de maneira bem pensada, utilizando dois estilos visuais diferentes: a vida de Emmett é tratada com desenhos realistas, balões de diálogo estilo HQ e linhas de voz pontuais da sua versão adulta, contando o que se passava na cabeça da sua versão jovem.

A mesa de Emmett funciona como central de missões. Nela podemos ligar o Shark e entrar no Videoverse, conferir as missões em aberto no bloco de notas, ler o diário de anotações, no qual escrevemos dicas importantes do Feudal Fantasy e outras mensagens importante deixadas por usuários, e podemos até uma revista fictícia da época.

Ao entrar na rede social, tudo passa para um estilo pixelizado em duas cores. Podemos escolher o tema que queremos, editar a nossa mensagem de perfil e avatar, e navegar pelos menus que trazem: comunidades, lista de amigos, chats e o nosso perfil.

Essa troca de estilos retrata muito bem como era entrar nas redes sociais no começo dos anos 2000, com diversos avatares estranhos de pessoas que tentavam replicar suas feições, fonte digitalizada e tudo com aquela vibe de que era a maior modernidade do mundo. Até os momentos em que Emmett conversa com seus amigos abrindo a câmera do Shark, com algumas intermitências na tela, evocam a devida nostalgia.

A quantidade de referências embutidas para criar todo pano de fundo da narrativa também desempenha um grande papel. Mais uma vez trazendo apelo ao público mais velho, podemos pegar referências não só a jogos clássicos, como Final Fantasy, Pokémon, Mario, Sonic, entre outros, mas também os layouts e ferramentas são os mesmos de outras redes famosas de outrora, como Orkut, MySpace e até o Miiverse.

Tudo isso é embalado por uma música relaxante, que está lá mais para apoiar e trazer algum background sonoro do que se sobressair. No caso de VIDEOVERSE, isso cai muito bem, pois o destaque nessa parte fica a cargo das notificações e cliques frequentes do Shark.

Um interessante recorte histórico da internet como um todo

VIDEOVERSE não se apoia apenas no aspecto nostálgico, mas utiliza uma narrativa bem estruturada para elucidar questões sérias que a popularização da internet trouxe e perduram até os dias atuais. É um jogo que vai trazer memórias interessantes aos jogadores mais velhos e mostrar um pedaço da história aos mais novos, mostrando que nem sempre podemos controlar situações que estão a milhares de quilômetros de nós.

Prós

  • A narrativa trata de problemas sérios sem usar clichês ou exemplificações desnecessárias;
  • É um retrato interessante de como os jogadores do começo dos anos 2000 se organizavam no início da internet;
  • As múltiplas opções trazem caminhos únicos, que impactam no relacionamento do protagonista com cada um dos seus amigos, além do seu próprio comportamento online;
  • A transição artística entre animações coloridas e visual pixelizado é uma boa sacada para mostrar a diferença da vida real e da virtual;
  • Bom uso de referências para criar pontos de conexão com os jogadores.

Contras

  • Alguns tópicos sensíveis podem causar gatilhos;
  • A história em si pode ter apelo apenas para os jogadores mais velhos;
  • Ausência de textos em português.
VIDEOVERSE — PC/PS4/PS5/Switch/XSX — Nota: 9.0
Versão utilizada para análise: PS5
Revisão: Thomaz Farias
Análise feita com cópia digital cedida pela Ratalaika Games
OpenCritic
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Carlos França Jr.
é amante de joguinhos de luta, corrida, plataforma e "navinha". Também não resiste se pintar um indie de gosto duvidoso ou proposta estranha. Pode ser encontrado falando groselhas no @carlos_duskman
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