Análise: Dreams of Another — um experimento que dá certo por acreditar no próprio absurdo

Um lançamento que aposta em estética e ritmo próprio, sem medo de afastar parte do público.

em 07/10/2025

Dreams of Another é um título diferente, uma obra que não parece preocupada em se enquadrar nos parâmetros tradicionais da mídia dos videogames. É uma experiência esotérica, construída mais sobre sensações do que sobre regras. Sua força está na conexão subjetiva que cada jogador estabelecerá com suas imagens, suas mensagens e sua maneira de contar histórias.

Criação e destruição

Tentar explicar Dreams of Another é, por si só, um exercício curioso. Talvez o melhor ponto de partida seja a frase que define o projeto: “No Creation Without Destruction.” — não há criação sem destruição. Essa é a filosofia do diretor Baiyon, e também o eixo que sustenta toda a experiência.

Aqui, usamos armas não para eliminar, mas para criar. Controlamos o “Homem de Pijamas” em sua jornada, disparando contra o próprio cenário para construí-lo e seguir em frente.

Ambientado no mundo dos sonhos, o jogo abraça plenamente sua estética onírica. O visual pixelado e propositalmente desfocado reforça a sensação de instabilidade. O mundo se forma diante de nossos olhos a cada disparo, sempre à beira do abstrato. É um sonho fragmentado, contudo, ao mesmo tempo, coerente em sua própria lógica. 

Entre portas…

Uma das principais características desse mundo dos sonhos é a capacidade de ouvir os sentimentos dos objetos. Ao encostar em uma porta, por exemplo, o jogador pode interagir com ela e escutar um breve pensamento — uma frase curta, mas muitas vezes carregada de melancolia, ironia ou contemplação. São pequenos fragmentos de consciência que dão alma ao cenário, como se o próprio ambiente sussurrasse suas memórias.

Cada interação desperta o desejo de descobrir o que pensa um banco abandonado, uma lata de lixo esquecida, ou uma janela que há muito deixou de se abrir. Somos constantemente convidados a escutar o mundo ao redor, e não apenas atravessá-lo.

Todos esses “sentimentos” ficam registrados no menu principal, permitindo visitá-los a qualquer momento. Embora haja certa repetição, o jogo consegue manter o interesse por meio da variedade de tons e significados. São anedotas curtas que constroem um retrato fragmentado da mente sonhadora do protagonista e reforçam a identidade única de que Dreams of Another.

…e peixes

Durante a jornada, acompanhamos a história do Homem de Pijamas em seus sonhos, cruzando com figuras improváveis, como o Soldado Errante, o engraçado palhaço Cricket e outras diversas criaturas. Cada encontro representa uma pequena fábula, um fragmento de camadas e simbolismos.

Ao longo dos arcos, ajudamos alguém a resolver um tipo de angústia: um garoto preso à nostalgia deseja ouvir o piano de sua cidade uma última vez antes de seguir em frente; um grupo de peixes sonha em escapar de um aquário e alcançar o oceano. São histórias breves, contadas fora de ordem, que não seguem uma lógica convencional. A preocupação é voltada para a sensação de estar vivendo um sonho, o qual faz sentido apenas enquanto dura, já a coerência narrativa fica em segundo plano.

Há, entretanto, o fio condutor é descobrir por que o Homem de Pijamas está em um sono profundo. Sua relação com o Soldado Errante dá corpo a esse mistério, revelando fragmentos de passado em vinhetas curtas que surgem entre os capítulos. São momentos repletos de reflexões sobre culpa, esquecimento e o peso da existência — temas que variam de intensidade conforme a identificação do jogador com as dores apresentadas.

A estrutura do título reforça essa estranheza. Cada conjunto de cenários termina abruptamente, nos levando de volta ao menu principal, onde o protagonista se encontra dormindo. Ao recomeçar, um novo cenário se abre, não como uma fase, mas como outro sonho em sequência. A estrutura mecânica se torna narrativa, e o ato de interromper o gameplay passa a fazer parte da própria experiência.

O jogo por trás do sonho

Dreams of Another é uma obra leve e, talvez, a porta ideal para quem nunca teve contato com videogames, porém deseja experimentar algo verdadeiramente diferente. Uma experiência sem pressa e sem punições. Cada disparo dá forma ao mundo, ilumina o que antes era nebuloso, e convida o público a se perder nos espaços. É uma inversão do ato de mirar e atirar, que inova e diverte.

Há também as “Auras”, manifestações de energia dos objetos que se desprendem e precisam ser libertas. Elas funcionam como pequenos chefes, onde atirar nelas não é combate, é cura. Embora essa mecânica seja simples, ela cumpre o papel de manter o jogador presente, ainda que pudesse oferecer um pouco mais de variação ou desafio.

Ao longo da jornada, coletamos objetos e os entregamos ao Soldado Errante, que nos recompensa com pequenos aprimoramentos. Como novas armas e uma linha que surge e indica o caminho a seguir, algo útil, pois às vezes, encontrar o objetivo significa encerrar o sonho. Quem gosta de explorar tudo pode se sentir frustrado, pois, ao concluir uma fase, o jogo te arranca daquele mundo, como um despertar involuntário. Essa sensação de ser “expulso” do cenário reforça o tema que os sonhos acabam, muitas vezes, sem aviso.

Porém, a simplicidade mecânica cobra um preço. A ausência de desafio reduz a tensão e o senso de progressão, deixando a experiência por vezes excessivamente passiva. O menu de sentimentos, que registra as vozes e pensamentos coletados, é interessante, contudo, sua organização é confusa e pouco intuitiva. Um formato em tabela ou um modo de seleção direta tornaria o processo de revisitar os sentimentos mais natural.

A rejogabilidade também é limitada. O modo New Game+ carrega apenas os sentimentos e equipamentos, entretanto, não oferece maneiras de revisitar capítulos específicos ou revisitar sonhos favoritos. Um modo livre ou aleatório, por exemplo, se encaixaria perfeitamente na proposta — algo que permitisse ao jogador simplesmente existir nesse mundo, sem a pressão de uma estrutura narrativa.

O sonho de Baiyon

Dreams of another aposta em uma identidade e se abraça nela até o fim. Brinca com as convenções do que formam um jogo e entrega uma jornada diferenciada. 

Baiyon não apenas dirigiu e conceitualizou, como também compôs a trilha sonora, que é tão espetacular quanto diferente. Ele utiliza sons variados para compor melodias que, assim como os gráficos belíssimos, colocam você dentro da cabeça do personagem. A experiência visual e sonora do lançamento dão vida à sua identidade, tão difícil de explicar.

O uso de pixel art desfocada e luminescente cria uma sensação de constante instabilidade, como se o mundo nunca estivesse completamente formado, é uma estética que dialoga com o próprio conceito de criação e destruição, de construir o sentido enquanto ele se desfaz diante dos olhos.

O fim da jornada

Depois de ouvir o sentimento de diversas portas, acompanhar a história de peixes, robôs e outras figuras inusitadas, a jornada chega ao fim de um jeito que não necessariamente atinge o impacto esperado. Assim como os sonhos, Dreams of Another não sente a obrigação de oferecer uma conclusão universal ou respostas definitivas. Apenas observamos e auxiliamos os personagens que cruzam nosso caminho que se encerram de modo próprio: algumas filosóficas, outras engraçadas ou melancólicas, mas nunca óbvias, nem entediantes.

A história do Homem de Pijamas e os sentimentos sombrios do Soldado Errante ressoam de formas diferentes em cada jogador. Elas se contradizem, são leves e melodramáticas ao mesmo tempo.

No fim, a união entre gameplay e narrativa resulta em uma experiência curiosamente equilibrada: divertida, leve e reflexiva. É um daqueles títulos que, ao fim aventura, a compreensão é aberta para a maneira de cada um.

Sonhar novamente

Nos dias que se seguiram após terminar Dreams of Another, senti saudades de entrar no mundo dos sonhos do Homem de Pijamas antes de dormir. Poucos jogos conseguem deixar esse tipo de marca. Disparar milhares de balas para formar o cenário ao redor e tentar dar sentido ao que não tinha foi uma experiência quase terapêutica.

Gostaria de maiores desafios, além de mais maneiras de revisitar esse mundo, modos adicionais, seleções de capítulos, qualquer pretexto para retornar. No entanto, talvez o ponto seja justamente esse, os sonhos nunca estão disponíveis da maneira que queremos.

Prós

  • Identidade artística forte;
  • A trilha sonora se integra perfeitamente ao visual e à narrativa;
  • Subversão inteligente do ato de atirar;
  • Personagens carismáticos que te acompanham na jornada.

Contras

  • Desafio inexistente;
  • Falta de opções para revisitar sonhos ou capítulos específicos;
  • Experiência curta;
  • O menu de sentimentos carece de praticidade.
Dreams of Another — PS5/PSVR2/PC — Nota: 7.5 
Versão utilizada para análise: PlayStation 5
Revisão: Thomaz Farias
Análise feita com cópia digital cedida pela Q-Games Ltd.
OpenCritic
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Matheus Oliveira
Entusiasta de games e cinema, sempre explorando novos gêneros e estilos enquanto acumula um backlog infinito. X e Instagram
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