Há 20 anos, em outubro de 2005, a equipe conhecida como Team Ico — liderada por Fumito Ueda e integrada ao Japan Studio, uma antiga divisão da Sony — lançava seu segundo jogo e o que se tornaria seu maior sucesso: Shadow of the Colossus.
Inspirando-se em elementos de seu antecessor (Ico), o título trouxe uma forte ênfase no companheirismo e uma narrativa minimalista, repleta de mistérios. Somado a isso, ofereceu uma proposta ousada de jogabilidade, focada inteiramente em confrontos contra chefes colossais, deixando de lado muitas das convenções que, até então, eram comuns em videogames.
Um rapaz, uma moça sem vida e uma entidade misteriosa
Tudo começa com uma cutscene que mostra o jovem Wander (nome derivado de wanderer: andarilho ou viajante) cavalgando sua égua Agro e carregando um corpo envolto em tecidos. A sequência inicial, ao atravessar vastas paisagens naturais, sugere uma longa jornada que culmina em uma imensa ponte suspensa, o único acesso ao local conhecido como Terras Proibidas.
Chegando ao destino, o rapaz adentra um templo monumental e repousa uma mulher (Mono) sobre um altar. Nesse momento, figuras sombrias de aparência humana o cercam, porém são dispersadas quando ele ergue sua espada. Imediatamente, uma voz ecoa pelo santuário, apresentando-se como Dormin e demonstrando surpresa ao reconhecer a arma em posse do herói.
É então que a motivação central é estabelecida: Wander busca a ajuda da misteriosa entidade para trazer a garota de volta à vida. O ser confirma que isso é possível, mas alerta que o preço será elevado. Para isso, o personagem deverá derrotar dezesseis colossos, manifestações gigantescas associadas aos ídolos espalhados pelo interior do templo.
A história levanta muito mais mistérios do que oferece respostas. Além da afirmação de que Mono faleceu por ter um destino amaldiçoado, pouco se sabe sobre sua identidade ou sua ligação com o protagonista. Do mesmo modo, a natureza de Dormin permanece envolta em dúvida, com sua voz simultaneamente masculina e feminina, sua forma incorpórea e a maneira como se refere a si mesmo no plural reforçando essa sensação de incerteza.
Tal decisão narrativa escolhida por Fumito Ueda cria lacunas de maneira intencional que convidam o jogador a preenchê-las com suas próprias convicções e interpretações, tornando a experiência em Shadow of the Colossus profundamente pessoal e aberta a debates.
Um mundo maravilhosamente vazio
As Terras Proibidas representam um das características mais marcantes e importantes do jogo. Diferentemente de outros títulos, o cenário de Shadow of the Colossus não abriga cidades, NPCs ou inimigos comuns. Aqui, temos uma região composta por uma imensidão de paisagens naturais — planícies, desertos, florestas, lagos e ruínas — conectadas pelo grande templo central, que serve de ponto de partida para cada colosso a ser enfrentado.
A ausência de vida humana cria uma sensação palpável de isolamento e contemplação. O silêncio domina a maior parte da jornada, interrompido apenas pelos sons naturais do ambiente, pelo galope de Agro e pela maravilhosa trilha sonora que se manifesta somente em momentos cruciais. Graças a essa abordagem, temos a recorrente impressão de que estamos explorando um território abandonado, cheio de histórias não contadas e, como o nome sugere, proibido.
É verdadeiramente impressionante o modo que o território de Shadow of the Colossus parece ter tanto a contar, sem que uma única palavra seja realmente dita. Conforme exploramos o cenário, deparamo-nos com torres, templos, muralhas e ruínas espalhadas por todos os cantos, que sugerem a existência de uma civilização desaparecida — embora as respostas nunca sejam plenamente reveladas.
Cada detalhe arquitetônico é uma peça que estimula o questionamento e a interpretação do jogador. O templo central, com os ídolos que representam os colossos, reforça ainda mais essa atmosfera de mistério, pois cada criatura derrotada resulta no despedaçar de sua estátua, evidenciando a conexão intrínseca entre o espaço atualmente vazio em que estamos e as manifestações gigantescas.
É importante mencionar que, em entrevistas, Ueda já afirmou não simpatizar com o conceito de NPCs parados, repetindo eternamente as mesmas falas ou servindo somente para indicar aonde ir. Dessa forma, o mundo vazio e o uso do reflexo da luz do sol na espada para indicar o próximo colosso refletem suas convicções enquanto designer, lhe permitindo abrir mão, de forma genial, das estruturas tradicionais presentes em jogos de múltiplos gêneros.
O desenvolvedor também já declarou que sua abordagem criativa parte primeiro das mecânicas centrais de gameplay, para só depois projetar a narrativa e o universo em que elas serão inseridas. Isso fica evidente quando analisamos a geografia das área de cada colosso, pois os cenários não apenas os recebem, mas parecem ter sido moldados junto a eles, como se as criaturas tivessem nascido das nuances de cada local.
O interessante é que, mesmo sendo arenas muito distintas entre si, todos transmitem uma sensação de coesão dentro deste mapa. Eles se conectam por passagens naturais de forma crível, reforçando a ideia de que pertencem a um único território e poderiam, de fato, ter sido construídas ou moldadas por uma civilização.
Por fim, vale destacar o papel da câmera, que atua quase como um personagem adicional na jornada, com movimentos intencionais e precisos. Um exemplo marcante ocorre ao galopar em alta velocidade por áreas abertas: a câmera se afasta e posiciona Wander em um dos cantos da tela, nos permitindo contemplar a vastidão do ambiente e reforçando a sensação de pequenez diante daquela região monumental.
Uma égua real
Uma característica marcante em todos os jogos de Fumito Ueda e sua equipe é o companheirismo estabelecido entre o protagonista e um aliado. Em Ico, temos a presença de Yorda; em The Last Guardian, a criatura Trico; e em Shadow of the Colossus, a égua Agro.
Dentro do contexto de navegação e solidão presente em SotC, Agro desempenha uma função fundamental, sendo a única presença constante ao lado de Wander. Mais do que um simples meio de transporte, ela é retratada como um ser vivo, com animações realistas e comportamentos próprios que reforçam sua individualidade e a aproximam do jogador.
Para citar alguns exemplos, correr em trechos estreitos faz com que a égua diminua automaticamente a velocidade para evitar colisões, enquanto mudanças bruscas de direção podem resultar em uma aparente desobediência aos nossos comandos. Outro detalhe encantador é que, após um tempo sem interação, ela pode ir beber água ou pastar nas proximidades, o que ressalta a ilusão de estarmos diante de um animal real.
Algumas batalhas contra colossos específicos também dependem diretamente do auxílio de Agro — seja galopando pelo deserto para alcançar as asas do 13º colosso ou fugindo do 10º enquanto miramos em seus olhos. Essa integração, combinada com o realismo de suas ações, transforma Agro de um simples meio de transporte em uma verdadeira companheira, parte essencial tanto do gameplay quanto da própria narrativa.
16 criaturas formidáveis
Outro grande diferencial de Shadow of the Colossus está justamente nos confrontos contra os 16 colossos. Como mencionado, não existem inimigos comuns espalhados pelos cenários do jogo. Em vez disso, a campanha se estrutura em duas etapas: explorar o vasto mundo seguindo a luz da espada até encontrar um gigante e, então, enfrentá-lo em uma batalha que se assemelha a um enigma.
Cada colosso é, em essência, um quebra-cabeça vivo, pois o jogador precisa observar o ambiente, a anatomia da criatura e suas reações para descobrir a melhor forma de escalá-la e de atingir seus pontos vitais. Nesse sentido, subir corpos em movimento e agarrar-se a pelos ou armaduras, enquanto a barra de vigor se esgota e uma trilha épica ressoa, gera uma sensação intensa de luta contra algo descomunal.
Assim como nos momentos de exploração, a câmera desempenha papel crucial nos confrontos. Desta vez, ela se afasta para destacar a magnitude do inimigo que estamos escalando e se aproxima para mostrar seus movimentos desesperados, transmitindo a sensação de que a criatura luta por sua própria vida.
Wander, por sua vez, não parece ser um guerreiro habilidoso — seus movimentos desengonçados, outra marca da filosofia de Ueda, revelam que ele talvez não esteja preparado para tal missão. Essa fragilidade do protagonista nos leva novamente à narrativa: qual a relação de Mono com ele e até que ponto ela justifica o sacrifício e a ousadia de enfrentar seres de tamanha imponência?
Quando finalmente derrotamos um colosso, a vitória não vem acompanhada de celebração. Em vez de um tema triunfante, ouvimos um som melancólico, junto ao grito da criatura e às sombras que emergem de seu corpo até restar apenas uma carcaça de pedra, musgo e poeira. Diante desta situação, é impossível não se questionar se estamos realmente fazendo a coisa certa, sobretudo diante dos colossos que sequer atacam Wander sem serem provocados.
Jogar Shadow of the Colossus pela primeira vez é uma experiência indescritível. A surpresa de descobrir qual será o próximo gigante e a estratégia necessária para derrubá-lo cria momentos inesquecíveis. Na maioria dos jogos, algumas batalhas contra chefes costumam ser memoráveis; aqui, no entanto, temos o privilégio de vivenciar 16 encontros singulares e impressionantes — cada um marcante à sua maneira, seja pelo design da criatura, pela geografia de sua arena ou pela engenhosidade exigida para superá-la.
Palco perfeito para teorias e explorações minuciosas
Como vimos, o mistério permeia toda a experiência de Shadow of the Colossus. A história minimalista, os diálogos escassos e os acontecimentos deixados à interpretação criaram um terreno fértil para teorias e debates. Quem é Dormin? Qual a origem das Terras Proibidas? Por que Wander empreende essa jornada e quais são as consequências de seus atos? Perguntas assim nunca recebem respostas definitivas — e isso é claramente intencional.
Essa aura enigmática motivou jogadores ao redor do mundo e sustentou, por anos, uma comunidade ativa e dedicada a explorar cada canto do mapa, decifrar ruínas e analisar simbolismos. Nesse contexto, fóruns, vídeos e artigos seguem até hoje discutindo os detalhes de design e trazendo interpretações profundas sobre o universo do jogo e suas conexões com os outros dois títulos de Ueda.
Na época do lançamento, esse cenário também foi um terreno fértil para lendas e informações falsas. Entre as mais conhecidas estão a possibilidade de um final alternativo, a existência de um 17º ou 18º colosso (alimentada pelos dados sobre criaturas cortadas) e até a ideia de acessar outro plano ao mergulhar em um oásis — provavelmente fruto de um bug.
Com o passar dos anos, com o uso de emuladores e a exploração dos dados internos, fãs descobriram áreas inacessíveis que indicavam ser arenas de outros chefes planejados, porém descartados. De acordo com informações do artbook oficial, essas exclusões ocorreram tanto pela falta de tempo para refinamento quanto por problemas técnicos nas mecânicas propostas.
Entre os exploradores mais notórios está o canal do YouTube Nomad Colossus, responsável por desvendar grande parte desses segredos. Sua dedicação foi tão reconhecida que se tornou parte oficial do legado do jogo: no remake de Shadow of the Colossus para PlayStation 4, desenvolvido pela Bluepoint, há um desafio que exige coletar 79 itens brilhantes espalhados pelo mapa para desbloquear uma espada especial. Nos créditos, a equipe prestou uma homenagem direta ao indivíduo com a menção: Nomad Colossus and the 79 Steps to Enlightenment (Nomad Colossus e os 79 passos para a iluminação).
Uma experiência inesquecível
Mais do que um jogo, Shadow of the Colossus é uma verdadeira expressão artística. Sua narrativa minimalista, aliada ao silêncio de um mundo vasto e à grandiosidade dos colossos, cria um misto de solidão, mistério, contemplação e euforia. Graças à sua abordagem incomum, a criação de Fumito Ueda permanece extremamente relevante, não apenas por sua singularidade, mas também pela capacidade de inspirar debates e interpretações mesmo décadas após seu lançamento.
Revisão: Thomaz Farias

















