Um jogo não precisa ser um desastre para merecer uma nova chance de existência. Às vezes, basta que haja um grande potencial não concretizado para que fique o gostinho agridoce de quero mais. Lançado em 2017, Yooka-Laylee é um deles. Oito anos depois, agora temos Yooka-Replaylee, um remake repleto de melhorias e mudanças.
O jogo estrelado pela dupla de camaleão e morceguinha foi criado pela Playtonic, empresa formada pelos ex-desenvolvedores da Rareware, muito prestigiada na década de 1990. A ideia era ser um sucessor espiritual de Banjo-Kazooie, renovando a essência dos plataforma 3D do tipo collectathon que fizeram a alegria naqueles tempos de virada de milênio.
O gênero andava negligenciado e o público realmente queria seu renascimento, como ficou claro em uma campanha de Kickstarter que arrecadou mais de um milhão de libras esterlinas em um único dia. O resultado, porém, trouxe desapontamento. Longe de ser um jogo ruim, esse revival não atendeu às altas expectativas depositadas em seu projeto. Ser medianamente bom não era o suficiente.
O quadro mudou em parte com a sequência: Yooka-Laylee and the Impossible Lair, de 2019. Dessa vez, a inspiração veio de Donkey Kong Country, um propósito que foi alcançado com louvor da crítica, mas que rendeu baixas vendas.
A Playtonic insistiu com sua dupla dinâmica e decidiu voltar ao começo para reconhecer as falhas de design e refazer o primeiro jogo de forma a corrigi-las, prometendo transformar a experiência em algo muito melhor. Conseguiram: Yooka-Replaylee traz a qualidade e diversão dignas de suas fontes.
Remake substancial
Os trocadilhos são o motor desses criadores, como bem podemos ver no “Replaylee” que complementa o título um tanto duvidoso. Penso que seria melhor algo mais direto, com um subtítulo “Re-alguma coisa”, mas, felizmente, essa é apenas a menor das mudanças.
O visual, que já era bom, colorido e vistoso, foi refeito para os padrões atuais, com mais detalhes, mais efeitos, mais vegetação, melhor iluminação e profundidade de campo. Tive várias quedas de performance no PS5, mas foram breves e não atrapalharam a experiência.
Em geral, é um remake realmente muito bonito e captura bem o jeitão de mundo de desenho animado expresso em sua estética de mascotes e personagens nonsense. As vozes grunhidas, por outro lado, foram abreviadas, o que acho uma boa decisão, já que agrada a quem gosta desse design de som antigo e divisivo, ao mesmo tempo que atenua a situação de quem não gosta.
A história também foi parcialmente reescrita. Mesmo que a trama continue a mesma, textos mudaram, piadas foram refeitas e cenas foram reeditadas. Isso fica claro de imediato ao iniciar um novo jogo, quando somos apresentados a um prólogo ilustrado que mostra como os protagonistas chegaram ao local da aventura.
Em seguida, uma nova e breve área de tutorial leva a dupla ao livro mágico que serve de motivo para a ação. Aqui, a Playtonic aproveita outro traço característico seu, a metalinguagem, para unir narrativa e gameplay: o livro diz que tudo o que é escrito nele acontece, então Laylee nem pensa duas vezes para registrar nele que quer movimentos melhorados e outros novos. Escrito e feito, todas as habilidades são adquiridas de imediato.
Reforma estrutural
Tudo foi mexido, sempre para melhor: a introdução, o tutorial, os textos, menus, sons de diálogos, movimentos e até a estrutura de progressão. Vamos focar nesse último, que é bastante importante.
No jogo original, a Playtonic veio com a ideia de implementar um formato cadenciado no qual o conteúdo ficava acessível aos poucos, de acordo com o progresso de quem jogava. Era necessário gastar os Folhins, o principal colecionável, para expandir cada área. Além disso, para cumprir os objetivos, a dupla precisava aprender habilidades específicas, comprando-as com outro tipo de colecionável, as penas.
Na prática, o que era para parecer uma expansão foi visto como uma restrição de fronteiras com seus obstáculos artificiais que deixavam a jogatina desnecessariamente trabalhosa.
Replaylee adotou uma solução radical: acabou com tudo isso. Agora, cada área é explorável na íntegra desde a primeira vez em que a acessamos, e todas as habilidades estão disponíveis desde o começo. Para a cobra Trowzer ainda ter o que vender em troca das penas, a Playtonic deu-lhe um novo inventário de cosméticos e tônicos para alterar a experiência, da mesma maneira que a máquina de vendas Vendi.
Ainda precisamos de Folhins para abrir os novos mundos, mas os requisitos são baixos, servindo mais como uma forma de estabelecer uma sequência de regiões do que um empecilho. Como exemplo, escolhi completar o primeiro mundo e seus 50 Folhins antes de passar ao segundo, mas eu poderia ter avançado muito antes, com apenas 15 Folhins.
Com essas mudanças, muito mais teve que ser reorganizado para balancear a experiência e torná-la mais fluida, convidativa e aberta, como o número de Folhins para encontrar, que, agora, é o dobro de antes. Isto é, mesmo que o avanço pela campanha seja muito menos dependente dos colecionáveis, eles ainda têm sua utilidade e somam mais de mil coisinhas para achar e acumular, algo tão importante que até virou nome popular do gênero: “collectathon” (uma aglutinação que, em inglês, significa “maratona de coleta”).
Outros pontos que aumentam a liberdade e os incentivos de exploração são os sistemas de mapa, com marcadores de elementos de interesse, e o de viagem rápida. A implementação deles não apenas é bem-vinda, mas crucial para as proporções dos mundos em que a aventura se desenrola.
O que não foi melhorado é o combate, que ainda parece estar ali apenas para marcar presença enquanto esmagamos botões de golpes giratórios ou pulamos sobre inimigos repetitivos. É perceptível que essa é uma parte secundária da jornada, mas sua futilidade destoa da qualidade do restante da gameplay.
Mesmo bem planejada, a profundidade da mudança estrutural pode ter alguns efeitos colaterais. A nova liberdade de exploração leva a uma sensação de simplicidade que tira parte da curva de progresso, aquela que nos faz ver que ficamos mais capazes e experientes no decorrer da aventura. Deixada de lado, a abordagem metódica pode fazer falta para quem prefere uma sequência intencional de desafios. O design mais direto, ágil e conciso também pode dar a impressão de que o jogo é mais curto e fácil do que aparenta.
Essas impressões são bem subjetivas e, no saldo final, entendo que as mudanças são bastante positivas e bem-vindas. São melhorias, sem dúvida alguma, e Yooka-Replaylee consegue ser aquilo que pretende: uma merecida segunda chance para concretizar o potencial daquele jogo sonhado no Kickstarter dez anos atrás.
Resultado excepcional
Yooka-Replaylee é uma merecida segunda chance para um jogo que não tinha alcançado bem seu verdadeiro potencial. Além da bela reforma visual, a Playtonic soube modificar a campanha para melhor, retirando os obstáculos para uma progressão mais fluida, aberta e divertida.
Prós
- A nova estrutura de progressão está mais direta e fluida, valorizando a abertura e diversão e, inclusive, adicionando sistemas de mapa e viagem rápida;
- Muitos colecionáveis para encontrar, incentivando a buscar em todos os cantos;
- Visuais melhorados, além de muitos filtros estéticos e acessórios cosméticos;
- A arte colorida e vibrante, o clima leve e cômico e os personagens absurdos tornam a experiência cativante e relaxante;
- Textos em português brasileiro.
Contras
- A retirada dos sistemas que cadenciavam o avanço pelos mundos de jogo prejudica parte do desafio e do senso de progresso;
- A baixa variedade do combate o torna pouco significativo;
- Quedas de taxa de quadros por segundos em alguns trechos.
Yooka-Replaylee — PC/PS5/XSX/Switch 2 — Nota: 8.5Versão utilizada para análise: PS5
Revisão: Heloísa D'Assumpção Ballaminut
Análise produzida com cópia digital cedida pela PM Studios














