Em francês, Lapin quer dizer “coelho”. Olhando para a capa do jogo, dá para ver o motivo do nome: exceto por usarem roupas e terem longos cabelos no estilo humano, são coelhos como quaisquer outros. Eles são fofos, têm rabinhos felpudos, cavam tocas, comem vegetais, correm em quatro patas e, claro, saltam nas paredes. Não. Espera. Essa parte é porque se trata de um game de plataforma de precisão.
♫ Amigo, estou aqui ♫
Há mais elementos atípicos tanto para coelhos quanto para platformers, sendo o principal deles o grande foco na narrativa por meio de diálogos.
Cinco coelhos vivem tranquilamente em uma toca mobiliada, até que decidem deixá-la pelos riscos vindos de uma construção humana que começou ali perto. A ideia deles é seguir o mapa deixado por Jorge, um coelho explorador que, tempos antes, deixou o lugar para liderar uma expedição com mais quatro amigos em busca de outra morada, o Paraíso.
Os cinco fofinhos partem com confiança em uma jornada que rende seis capítulos, percorrendo os altos e baixos da esperança por um novo lar e das memórias do passado. A narrativa é baseada principalmente em diálogos, o que pode incomodar a quem prefere se concentrar apenas na ação de movimento. Boa parte deles começa de forma obrigatória, porém, felizmente, cabe a nós escolher dar continuidade às conversas ou parar o falatório para seguir adiante.
Felzmente, há localização para português nas versões de PS4 e PS5, pois a publicadora Alchemy Games é brasileira. Como ela só foi implementada depois que eu já havia terminado, as capturas de tela nesta análise estão em inglês. As versões do Steam, Xbox Series e Switch tiveram outras publicadoras e nosso idioma não está listado como disponível nessas plataformas.
As conversas levantam aspectos desse mundo de realismo fantástico, que é muito parecido com o nosso, mas onde os animais têm civilizações próprias e a natureza esconde elementos de essência misteriosa. Também é pelos diálogos que os personagens são apresentados, com suas histórias, personalidades e traços próprios.
À primeira vista, a história parece com o visual: amena, positiva e fofa, lidando principalmente com questões do dia a dia. A ideia de fofura é tão presente que a protagonista se chama Liebe, que significa “amor”, em alemão (em português, optaram por nomeá-la Lébre). Com o tempo, nuances são introduzidas, trabalhando os traumas tanto dos coelhos protagonistas quanto os da expedição de Jorge, cujas histórias acompanhamos por meio dos rastros deixados por eles.
À medida que conheci mais os personagens e suas histórias, passei a verdadeiramente me importar com eles e seus desenvolvimentos ficcionais. Logo vemos como Lapin é uma história sobre perdas, esperança, crescimento e amizade genuína, sem esquecer de abordar o cuidado para com os animais e a importância multidimensional das plantas.
Entre pulos e leituras
Particularmente, creio que Lapin é melhor aproveitado quando se aceita a alternância entre gameplay e leitura. Mesmo permitindo ignorar parte disso, o jogo realmente espera que a pessoa se engaje na trama, sendo incentivada a interagir com os coelhos amigos para ganhar pontos de relacionamento.
A matemática é direta: ouvir mais rende mais pontos, sem ter que fazer escolhas ou ações específicas para aprofundar a amizade. Basta parar um tempinho para bater papo até o fim sempre que vir um deles parado no caminho. Os pontos servem para desbloquear longas cenas do passado, também opcionais.
Lapin lida com isso de forma comedida, sem cair no drama ou apelar nas tragédias. O tom, em geral, é bastante tranquilo, combinando com as músicas e o visual. Este último aspecto, porém, deixa a desejar.
Os coelhos são bem delineados, mas os cenários destoam deles com suas pinceladas amplas e indefinidas, quase impressionistas. Parecem com arte conceitual ou com pinturas que ainda precisam de mais uma ou duas camadas tintas e linhas mais precisas. Não chega a ser mal-feito ou feio, mas fica ainda menos definido em uma televisão grande, apresentando serrilhados nos sprites.
♫ Eu pulo pra frente, eu pulo pra trás, dou mil cambalhotas, sou forte demais! ♫
A ideia de plataforma de precisão e coelhos combina bastante. Se considerarmos apenas a gameplay, é possível dizer que Lapin joga seguro, atendo-se ao esperado. Os comandos simples: além dos direcionais, a ação envolve apenas um botão de pulo. Assim, não há exatamente uma progressão de habilidade ou complexidade no controle de Liebe em si, deixando a variedade de gameplay a cargo dos cenários.
Cada capítulo tem seu próprio repertório de mecânicas ambientais, que geralmente envolvem fontes de impulso, pontos de apoio e ativação de mecanismos. Cada segmento é bem dividido em salas específicas, sempre salvando o progresso ao mudar para a tela seguinte. Como é conveniente no gênero, a dinâmica de morte e retorno é instantânea, motivando a persistir nas tentativas.
Também seguindo a cartilha desse tipo de jogo, os clímax de alguns capítulos envolvem sequências de fuga, testando o aprendizado adquirido até então.
Lapin perde um pouco a mão na parte da precisão, especialmente quando temos que mudar de direção em pleno ar para nos agarrar a uma parede. Penso que há influência do fato de que o modelo de Liebe, em coerência com o animal, é horizontal, ao contrário da verticalidade ou simetria que os sprites de heróis desse tipo de jogo costumam ter.
O principal, porém, está na baixa manobrabilidade no ar. Pode ser contrário à física da realidade, mas, em games de plataforma, ajustar a direção e o comprimento dos pulos é um elemento importante para fazer a pessoa que joga sentir que tem o devido controle em mãos.
Aqui, saltar de uma parede resulta em uma animação que não pode ser cancelada, sempre percorrendo certa distância mínima em certo ângulo. A maior parte dos cenários e obstáculos é calculada para encaixar com essa premissa, o que ameniza a questão, mas me deparei com vários trechos que repeti justamente por não poder manobrar com a precisão exigida.
Foram especialmente irritantes as partes em que é preciso reposicionar Liebe para ativar um mecanismo — a lógica é tocar e soltar para acionar a mola e tocar de novo logo em seguida para aproveitar o impulso. Fazer isso em uma superfície horizontal é muito simples, bastante realizar dois pulos seguidos, mas, passando para paredes verticais e estreitas, esse reposicionamento é muito menos eficiente, levando a frustrantes períodos de tentativa e erro em que um um único movimento errado comprometia uma sala inteira.
Há ainda um elemento de exploração, incentivando a ficar de olho em possíveis passagens escondidas que levam a salas opcionais. O conteúdo desses locais é tanto de desafio de plataforma quanto narrativo, uma vez que as recompensas são sementes de flores que guardam mensagens da expedição de Jorge.
Levei dez horas para chegar ao final da campanha, lendo tudo o que havia à disposição. No entanto, deixei passar cerca de um quinto das sementes em salas escondidas, o que fornece material para revisitar as fases. Falando nisso, no menu de seleção de capítulos cada um deles é dividido em três partes, constando a relação de segredos que ainda faltam ser encontrados. Acho que essa parte poderia ser mais generosa, com mais subdivisões, mas o que temos atende bem a quem quer rejogar trechos específicos.
♫ This could be para-para-paradise ♫
Em Lapin, a divertida gameplay de plataforma de precisão não se arrisca em inovações, preferindo jogar seguro. Quando somamos o restante da receita, com uma narrativa adorável e bem desenvolvida sobre a jornada de coelhos em busca de um Paraíso que seja seu novo lar, a experiência se torna distinta de uma maneira boa para quem gosta de se envolver com a história, mas não tanto para os que preferem focar apenas na ação ininterrupta.
Prós
- Uma agradável fábula de coelhos humanizados, que se mostra mais profunda do que à primeira vista;
- Boa gameplay baseada apenas no botão de pulo e em mecânicas de cenários, que variam ao longo da campanha;
- Boa dosagem entre segmentos de plataforma de precisão obrigatórios e opcionais;
- As versões para PS5 e PS4 têm textos em português brasileiro.
Contras
- Comandos de baixa manobrabilidade no ar, complicando pulos na parede que requerem precisão;
- Em um gênero tradicionalmente voltado à gameplay, a frequência de diálogos pode parecer disruptiva para parte do público;
- Visuais inconsistentes, com elementos de bordas serrilhadas e cenários de pinceladas pouco definidas.
- Sem português brasileiro no Steam, Xbox e Switch.
Lapin — PC/PS5/PS4/XSX/Switch — Nota: 7.5Versão utilizada para análise: PS5
Revisão: Beatriz Castro
Análise produzida com cópia digital cedida pela Alchemy Games














