Em maio de 1986, com Yuji Horii à frente do game design, Akira Toriyama responsável pelo carismático design dos personagens e Koichi Sugiyama cuidando da trilha sonora, Dragon Quest chegava ao Japão, inaugurando uma série que definiria os alicerces dos RPGs japoneses. O jogo simplificava elementos complexos dos RPGs de PC e de mesa da época para o Famicom (Nintendinho), tornando o gênero acessível a um público muito mais amplo.
Menos de um ano depois, em janeiro de 1987, Dragon Quest II: Luminaries of the Legendary Line expandia os conceitos do antecessor. Os combates individuais deram lugar a um grupo de três heróis, cada um com funções específicas, enfrentando diversos inimigos simultaneamente. Além disso, Alefgard, reino de DQI, tornava-se apenas uma parte de um mundo muito maior, ampliando drasticamente o escopo da aventura.
Desde então, ambos os títulos receberam diversas revitalizações; contudo, mesmo nas versões mais recentes para Switch e dispositivos móveis, ainda carregavam limitações próprias da época original. Agora, quase quarenta anos depois, Dragon Quest I & II HD-2D Remake surge como a forma definitiva de experimentar essas jornadas lendárias, combinando o belíssimo visual em HD-2D e melhorias de jogabilidade que finalmente modernizam a experiência sem comprometer a essência dos clássicos.
O legado de Erdrick e as jornadas de seus descendentes
Em Dragon Quest I, acompanhamos um jovem descendente do lendário herói Erdrick, que, no passado, salvou o reino de Alefgard. Seguindo a orientação de uma voz misteriosa surgida em sonho e o pedido do rei de Tantegel, ele parte em uma jornada para derrotar o terrível Dragonlord, que sequestrou a princesa Gwaelin e espalhou o caos pelo mundo, enchendo as terras de monstros e desespero.
Já Dragon Quest II se passa décadas depois, em um mundo que desfrutou de anos de paz, onde descendentes do herói fundaram três novos reinos além de Alefgard: Midenhall, Cannock e Moonbrooke. Porém, essa tranquilidade é abruptamente interrompida quando o castelo de Moonbrooke é destruído pelos servos do feiticeiro Hargon.
Nesse cenário, o príncipe de Midenhall parte em busca de seus primos — a princesa de Moonbrooke, o príncipe de Cannock e a princesa de Cannock (introduzida como personagem jogável nesta nova versão) — para, juntos, enfrentarem Hargon e honrar o legado de Erdrick.
É importante destacar que, embora os primeiros jogos da franquia tenham estabelecido muitos dos conceitos que a definiriam, foi apenas em Dragon Quest IV que os companheiros do herói passaram a ganhar nuances e motivações mais claras. Assim, apesar do carisma constante proporcionado pelo inconfundível design de Akira Toriyama, era naturalmente difícil criar uma conexão com os protagonistas e aliados nos três primeiros títulos.
É justamente nesse contexto que o remake se destaca, buscando tornar a narrativa mais sensível. Em Dragon Quest I, além do objetivo de derrotar o Dragonlord, o protagonista revela uma curiosidade crescente sobre seu ancestral lendário e a misteriosa voz que o instigou em sonhos. Além disso, a história se torna mais rica com novos arcos e personagens que auxiliam o herói de maneiras variadas, oferecendo pequenas tramas paralelas que conferem maior profundidade ao mundo de Alefgard.
Dragon Quest II vai ainda mais longe, apresentando inúmeros novos diálogos entre os príncipes, incluindo momentos de discórdia e apoio que ajudam a definir suas personalidades e acrescentam emoção à jornada. Essa entrada também introduz novos indivíduos e subtramas, com destaque especial para a princesa de Cannock, que se mostra genuinamente engraçada e divertida.
Outro ponto importante é que a figura de Erdrick ganha maior destaque, e ambos os jogos recebem elementos que reforçam a conexão entre si e com Dragon Quest III HD-2D Remake. Essa ligação, embora não seja tão intensa a ponto de impedir que os títulos sejam jogados isoladamente, é sólida o suficiente para transmitir a sensação de um único universo se desenrolando em diferentes épocas, superando a forma como os originais estabeleciam essa continuidade.
As tramas ganham ainda mais peso graças à excelente dublagem em japonês, com opção também em inglês. No entanto, esse mérito poderia ser ainda maior, já que há diversas situações importantes em que a dublagem não é utilizada. Vale destacar ainda que, mais uma vez em um título da Square Enix, o português não está disponível entre as opções de legenda.
Mundos fascinantes e divertidos de explorar
O verdadeiro brilho de Dragon Quest até os dias atuais reside na sensação de aventura que a série consegue transmitir, apoiada por uma ambientação impressionante. Nesse sentido, a exploração em Dragon Quest I & II HD-2D Remake mantém-se fiel aos detalhes que marcaram os originais, mas ganha nova vida graças ao extraordinário visual HD-2D, que combina sprites deslumbrantes com fundos 3D ricos em detalhes e ótimos efeitos de iluminação, além de incluir ambientes totalmente inéditos.
Ambos os jogos preservam o modelo de um vasto mapa-múndi, repleto de áreas internas como cidades, cavernas, torres e castelos. Assim como no mais recente remake de Dragon Quest III, voltam a aparecer os Secret Spots — pequenas áreas espalhadas pelo mundo que geralmente oferecem recompensas interessantes e são visualmente destacadas por meio de árvores mais densas ou montanhas.
Como é típico na série, as cidades apresentam nuances próprias, e cada pequena linha de diálogo dos NPCs contribui para caracterizar o universo. Nesse sentido, além de oferecer dicas sobre segredos aos jogadores mais atentos e relembrar frequentemente os feitos de Erdrick, essas conversas também revelam o impacto dos horrores causados por Dragonlord e Hargon sobre o mundo.
Pela primeira vez, ambos os títulos passam a contar com as Mini Medals — um elemento introduzido originalmente em Dragon Quest IV e que se tornaria uma das marcas registradas da série. Podemos trocar esses objetos por itens valiosos, incluindo equipamentos. Considerando que a obtenção de dinheiro em Dragon Quest tende a ser lenta, essa mecânica reforça ainda mais a importância da exploração e recompensa a curiosidade do jogador.
Outra novidade interessante é a possibilidade de definir comandos rápidos para o uso de habilidades e itens durante a exploração, tornando-a muito mais dinâmica. Além disso, é possível ativar uma opção que exibe os Secret Spots no mapa e os baús nas dungeons. No entanto, como essa função não abrange itens ocultos em outros elementos do cenário, o jogador que quiser descobrir tudo ainda precisará explorar e investigar por conta própria.
É importante lembrar que, mesmo nas versões mais recentes, o primeiro jogo possuía um conteúdo mais modesto, o que estendia a duração da campanha com a necessidade de grinding em diversas situações. Neste remake, porém, o problema foi contornado: além de diversos novos pontos da trama e cenários que se conectam à campanha central, o mundo foi preenchido com mais áreas e artigos relevantes.
Essa densidade de recompensas faz com que o jogador, com apenas um mínimo de curiosidade, esteja constantemente explorando novos locais e consiga se fortalecer de forma natural durante toda a jornada, eliminando a necessidade de interromper o progresso para dedicar tempo apenas ao farm.
Por outro lado, Dragon Quest II surpreendeu em seu lançamento original por expandir consideravelmente o mundo explorável e oferecer ao jogador uma ampla liberdade para cumprir os objetivos da campanha na ordem desejada. Essa liberdade, no entanto, também trouxe alguns problemas de ritmo, já que certas regiões do mapa e determinados eventos pareciam existir mais para alongar a aventura do que para enriquecer a narrativa principal.
O remake do segundo jogo ameniza bastante essas questões ao introduzir novos diálogos e arcos narrativos que tornam a progressão dos eventos mais coesa, mas não elimina completamente essa sensação. Ainda existem momentos — embora mais raros — em que certos trechos do cenário ou pequenos objetivos dão a impressão de servir apenas para estender a jornada, sem adicionar relevância significativa à trama ou recompensas realmente envolventes.
A despeito dessa ressalva, o mundo de Dragon Quest II está ainda mais impressionante e recompensador nesta nova versão — especialmente após a obtenção do navio, que nos permite explorar praticamente qualquer região e cumprir parte dos objetivos principais em ordem livre. O escopo da aventura se expande ainda mais com a inclusão de áreas submarinas, que escondem itens valiosos, um novo arco narrativo e fragmentos a serem descobertos que revelam mais sobre a origem e o passado deste mundo.
Uma aventura solitária e um grupo mais amplo
O sistema de combate por turnos, que consegue mesclar simplicidade e profundidade, também é uma das marcas registradas da série. Dragon Quest I & II HD-2D Remake preserva essa essência ao mesmo tempo em que adiciona elementos que tornam as batalhas mais fluidas e visualmente envolventes, mantendo os golpes em primeira pessoa, mas exibindo os heróis de costas durante a seleção de comandos.
Além dos ataques padrão, temos as Abilities (geralmente envolvendo golpes especiais com armas) e as Spells (magias), ambas consumindo MP. Nestes remakes, é possível adquirir esses dois tipos de maestrías através do uso de pergaminhos encontrados em diversos cenários, o que mais uma vez reforça a relevância da exploração minuciosa do mundo. Agora também é possível escolher diferentes níveis de dificuldade, acelerar as animações de luta e ativar uma opção que revela as vulnerabilidades dos inimigos.
Outra novidade interessante introduzida em ambos os jogos são os cinco Sigils, que no Dragon Quest II original estavam disponíveis apenas como itens-chave narrativos. Desta vez, além de possuírem um papel específico na história de cada título, eles passam a oferecer efeitos distintos durante o combate.
Por exemplo, o Soul Sigil faz com que certas habilidades assumam uma forma diferente quando o HP do usuário estiver abaixo de 50%, incentivando decisões táticas arriscadas. Já o Star Sigil concede recuperação de MP ao utilizar o comando de defesa, elevando a utilidade de uma ação básica que, em muitos RPGs, normalmente é pouco explorada.
Em Dragon Quest I, o combate continua focado no herói solitário, mas agora ele enfrenta múltiplos inimigos, o que exige um gerenciamento mais cuidadoso dos recursos, especialmente do MP, cuja reposição por itens continua sendo bastante limitada.
O número de habilidades disponíveis para o herói aumentou consideravelmente em comparação ao título original e às suas revitalizações anteriores, o que torna os confrontos mais variados e divertidos. Esse incremento é especialmente relevante nas batalhas finais, que exigem um domínio maior dos diferentes talentos do personagem.
Apesar disso, devido à sua estrutura individual, as possibilidades estratégicas permanecem um tanto limitadas. Por exemplo, a habilidade Wild Side, que permite repetir uma ação, acaba sendo subutilizada: como ela consome um turno para ser aplicada e não há aliados para dar suporte, na prática, são raros os confrontos em que seu uso seja vantajoso. Afinal, nos embates mais complexos, é difícil se dar ao luxo de só poder se curar no terceiro turno.
Por sua vez, Dragon Quest II apresenta um grupo completo, expandindo o time original de três para quatro integrantes. O Príncipe de Midenhall se destaca pela força física, mas não possui acesso a magias, enquanto a Princesa de Moonbrooke lidera em poder mágico ofensivo. Já o Príncipe e a Princesa de Cannock têm perfis mais híbridos e voltados ao suporte.
Neste segundo título, também houve um aumento significativo tanto das Spells quanto das Abilities disponíveis. Assim, devido às diferentes nuances físicas, mágicas e de resistência de cada personagem, surgem inúmeras combinações estratégicas, permitindo ao jogador elaborar táticas variadas e aproveitar plenamente o potencial de cada membro do grupo.
Por fim, é importante notar que ambos os títulos preservam diversos elementos tradicionais que podem parecer rígidos para quem não está familiarizado com a franquia, como a necessidade de reviver personagens e remover maldições na igreja, o inventário individualizado e a impossibilidade de escolher alvos específicos em grupos de inimigos idênticos. Dessa forma, mesmo com as modernizações, esses remakes dificilmente vão mudar a opinião de quem possui aversão à série.
Celebrando os primórdios do gênero
Mais do que simplesmente revitalizar dois jogos, Dragon Quest I & II HD-2D Remake é uma celebração das origens do JRPG. Ao aprimorar o combate com novas mecânicas e habilidades, expandir a narrativa com diálogos e arcos que fortalecem os laços emocionais com os heróis e tornar a exploração do mundo ainda mais recompensadora, a Square Enix conseguiu modernizar a experiência central sem abrir mão da essência e simplicidade encantadora que os tornou grandes clássicos do gênero.
Prós
- Visualmente deslumbrante, com a técnica HD-2D mesclando sprites clássicos com fundos 3D detalhados e ótimos efeitos de iluminação;
- Excelente revisão narrativa em ambos os títulos, com novos diálogos, arcos e personagens que fortalecem a conexão emocional com os heróis e enriquecem o universo dos jogos, além de uma ótima dublagem em japonês (também há vozes em inglês);
- Fortalecimento da trilogia Erdrick, com elementos adicionais que reforçam a ligação entre os três jogos e aumentam a sensação de universo contínuo, mas ainda permitindo que possam ser jogados separadamente sem exigir conhecimento prévio;
- Exploração constantemente incentivada e recompensadora, principalmente graças aos Secret Spots, Mini Medals e pergaminhos que concedem novas habilidades;
- Conteúdo adicional e motivos para explorar o mundo eliminam a necessidade de grinding no primeiro jogo, algo que sempre esteve presente mesmo em suas revitalizações anteriores;
- Sistema de combate divertido e com consideráveis possibilidades estratégicas (especialmente em Dragon Quest II), enriquecido com um vasto leque de habilidades e pelo uso dos Sigils.
Contras
- Apesar da ótima dublagem em japonês, muitas cenas importantes não contam com vozes;
- Alguns poucos trechos e objetivos de Dragon Quest II parecem estender desnecessariamente a duração da campanha, sem oferecer grandes recompensas ou considerável relevância narrativa;
- A estrutura de herói solitário em Dragon Quest I limita um pouco as táticas de combate, tornando algumas habilidades subutilizadas;
- Ausência de legendas em português.
Dragon Quest I & II HD-2D Remake — PC/PS5/XSX/Switch/Switch 2 — Nota: 8.5Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Heloísa D’Assumpção Ballaminut
Análise produzida com cópia digital cedida pela Square Enix

















