Admito: vendo opiniões positivas pela internet, eu esperava que Lone Fungus fosse bom, mas não imaginei que seria tanto assim. Desenvolvido solitariamente pelo sueco Sebastian “Basti” Brkic, com apoio de financiamento coletivo no Kickstarter, e lançado em 2023, a inspiração em Hollow Knight é bastante clara: controlamos um pequeno cogumelo pelas ruínas de um antigo reino subterrâneo.
O último de nós dos fungos
Esse é um mundo vasto, interconectado e cheio de perigos, que deve ser atravessado com o uso da mecânica de pogo. A lógica é golpear o chão para ganhar impulso para cima e funciona em certos tipos de superfícies, como estacas pontiagudas. É uma ideia já vista em Hollow Knight, mas implementada com muito mais ênfase em Lone Fungus, tornando-a a base principal da gameplay de plataforma que é o grande foco do jogo.
Partindo disso, a aventura rompe a linearidade e dá boa abertura, sem uma ordem predeterminada para enfrentar chefes e alcançar os objetivos. É o tipo de exploração que não dá direções exatas, confiando na diligência de quem joga para encontrar seus próprios caminhos.
Após certo ponto, o cogumelo é informado de sua missão: ele é o Fungo Solitário, o último de sua espécie, que deve ascender até a superfície e repovoar o mundo. Existem dez tipos de cogumelos e, para garantir seu retorno, cada um deixou sua essência em um feitiço. Cabe ao escolhido adquirir todos eles para abrir o caminho para fora do subterrâneo e salvar seu povo da extinção.
É uma história mais desenvolvida do que eu esperava. Mesmo sem muitos detalhes específicos, há uma narrativa de mistério ancestral, estabelecida pelos diálogos — sem português brasileiro — com os chefes e com as diversas estátuas de cogumelos incumbidas da tarefa de guiar o herói da profecia em sua tarefa. Há vários pontos de vista sobre a missão, mostrando que as coisas não são tão simples como parecem.
Mesmo tendo três finais diferentes, o desenrolar da trama não leva a grandes surpresas ou decisões importantes, mas aborda temas mitológicos com competência e contribui para o charme de Lone Fungus. Isso é importante, pois o jogo não alcança o mesmo efeito com suas propriedades visuais.
Graficamente, temos uma bela pixel art com agradável ar de 16-bits. É sem dúvidas eficaz, com detalhes que agradam aos olhos e tornam as áreas distintas entre si. No aspecto temático, porém, a coisa é simples demais, sem formar uma identidade organicamente marcante nem provocar curiosidade diante dos escombros de seus mistérios.
Recursos opcionais para todos os gostos
Além de ficarem marcados no mapa em pontos distantes, os feitiços são magias de ataque que, além disso, interagem com passagens bloqueadas, podem ser rebatidos com a espada para diferentes efeitos e, ainda por cima, podem ser usados como apoio para o pogo.
Além deles, o herói obterá muitas outras habilidades de ataque e movimento, completando uma gameplay muito dinâmica e profunda, do tipo que atende às necessidades dos jogadores menos hábeis e, ao mesmo tempo, incita os ases dos platformers a testar combinações e possibilidades complicadas para descobrir vantagens e dominar os desafios.
É sempre bom ver atenção dada a aspectos de qualidade de vida em jogos em geral, ainda mais em um tão desafiador. Lone Fungus faz bom uso de opções para transformar a dificuldade em um espectro, atendendo tanto a quem quer menos dela quanto a quem quer mais.
A primeira forma na qual essa questão se manifesta é no próprio game design: o conteúdo de plataforma mais difícil é completamente opcional. Ou seja: cada pessoa vai até onde conseguir, sem prejuízo à progressão. Eu mesmo deixei vários por fazer e não foi por falta de tentativa. A maioria das salas de desafio de plataforma até permite visualizar todo o trajeto para se preparar melhor, uma concessão muito bem-vinda.
A segunda é nas opções que amenizam mecânicas complexas, oferecendo até a implementação de mais plataformas para ajudar o cogumelo a sair pulando com mais segurança.
Outro bom exemplo nesse campo é o mapa, que possui inspiração em Hollow Knight: as partes recém-exploradas só aparecem depois de passar por um ponto de salvamento. Calma, o bom exemplo não é esse, que é um conceito bastante criticado no famoso jogo, mas sim o fato de podermos mudar para uma abordagem que exibe logo a sala inteira assim que entramos nela. Ativei esse recurso assim que o percebi e não olhei para trás.
A cartografia é ainda mais eficiente pelos seus muitos marcadores automáticos e por nos agraciar com 50 marcadores personalizados de mais de dez tipos para usarmos onde quisermos.
Por fim, as opções que regulam a dificuldade também são do tipo numérico: aumente seus pontos de vida, modifique seu dano causado e também o recebido, para mais ou para menos.
Em suma, Lone Fungus tem uma riqueza de elementos de qualidade de vida, evidenciando uma sensibilidade que preza pela diversão e engajamento de cada um segundo seus próprios termos, sem impor um parâmetro rígido.
Mesmo assim, completar 100% ainda é dureza — cheguei ao final verdadeiro em 17 horas, havendo explorado ao meu máximo, mas ainda em 71% de completude. Esses 29% restantes envolvem tanto os segmentos de plataforma que deixei de lado quanto segredos que eu não sei como resolver e, com certeza, outros cuja existência eu nem mesmo descobri.
Como mais um ponto de qualidade de vida, logo antes do chefe final encontra-se um item que emite um aviso sonoro quando passamos diante de paredes escondidas. Além disso, vários lugares do mapa ficam marcados com uma interrogação, incentivando o retorno aos corredores explorados.
Desvios melhores que os caminhos
Lone Fungus incorre em certa incongruência entre seu conteúdo principal e o opcional. É até difícil explicar, mas vou tentar ser claro. É como se o caminho principal sempre fosse mais simples do que as ramificações, dando a impressão de que o longo esqueleto básico foi feito primeiro e, depois, as partes de maior substância foram encaixadas ao redor dele.
Dessa forma, parece não haver uma integração orgânica entre esses dois tipos de segmentos, que acabam sendo muito distintos em termos de requinte de gameplay. Na prática, eu apenas explorava rapidamente por toda parte até encontrar as conexões, santuários e salinhas sem saída que trazem bons desafios de plataforma com uma recompensa em seu final.
Os inimigos comuns também caem nessa mesma medida e não são memoráveis, sem sair do mero básico que vemos no gênero. Isso quer dizer que eles não fazem bom proveito do sistema de combate e nunca exigem mais do que o ataque de espada, então basta cair matando ou, quando conveniente, passar direto pelos bichos.
Essas criaturas parecem ainda mais banais por não serem fonte de qualquer elemento de melhoria (como dinheiro para comprar itens, por exemplo). Portanto, não há neles incentivo de diversão ou de recompensa, sendo, no fundo, meros obstáculos à exploração.
Felizmente, os chefões compensam e são muitos: mais de 30. As lutas são dinâmicas, desafiadoras e exigem aprendizado. Pela boa abertura do mundo, muitas delas não são obrigatórias e é sempre possível sair para explorar outras cercanias no caso de ficar travado contra algum chefe particularmente difícil.
O mundo profundo em mecânicas, recompensas, caminhos e segredos, que eu descrevi antes, também atuam para minimizar o efeito desses pontos baixos e manter Lone Fungus no lugar de destaque que merece.
Cogumelo pequeno, mundo grande
Lone Fungus é um metroidvania surpreendentemente sofisticado, com exploração intrincada de um vasto mundo não-linear, uma miríade de acessórios e habilidades, dezenas de chefes para enfrentar, dúzias de desafios de plataforma, toneladas de conteúdo opcional e tantos segredos que eu nem consigo mensurar. Tudo isso é mais do que suficiente para compensar pelas partes menos impressionantes, como a pouca expressão visual do mundo e os inimigos comuns que não aproveitam bem o sistema de combate. Tomado como um todo, é realmente uma obra admirável de um desenvolvedor solo.
A propósito, uma sequência já vem por aí: Lone Fungus: Melody of Spores deve ser lançado em outubro ou novembro de 2025, evitando o furor da janela de lançamento de Hollow Knight: Silksong. Chegará primeiro para PC (Steam) e, em um futuro ainda sem previsão, para consoles.
Prós
- Um mundo vasto e intrincado com alto potencial de não-linearidade;
- As mecânicas de plataforma apresentam constante evolução ao longo da aventura, mantendo a movimentação sempre interessante;
- Dezenas de bons chefes para enfrentar;
- Muitos recursos de qualidade de vida e modificadores de dificuldade;
- Uma quantidade surpreendente de conteúdo opcional e secreto, com numerosos desafios para testar habilidades e descobrir recompensas.
Contras
- O visual, embora bonito e eficaz, não ajuda a firmar uma identidade artística única;
- Os caminhos principais são pouco criativos, carecendo de desafios e de inimigos comuns que façam bom proveito do sistema de combate;
- Sem português brasileiro.
Lone Fungus — PC/Switch — Nota: 8.5Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Heloísa D'Assumpção Ballaminut
Análise produzida com cópia digital adquirida pelo redator













