Davey Wreden: uma viagem pelos jogos do brilhante criador de The Stanley Parable

A imaginação de Davey Wreden produziu jogos com dilemas fundamentais do videogame.

em 12/07/2025

Tudo começou com um simples mod de Half-Life 2. De fato, Davey Wreden provavelmente não sabia onde estava se metendo quando criou a primeira versão de The Stanley Parable. O jogo logrou um sucesso estrondoso, tendo inclusive influenciado a famosa série de TV Ruptura. Aqui, iremos nos debruçar sobre os componentes da obra do artista, com a exceção de alguns jogos do itch.io (que são coleções de piadas nonsense). 

The Stanley Parable e o anseio por liberdade 

Davey Wreden conquistou o sucesso e a fama no mundo dos jogos indie com o lançamento do referido The Stanley Parable, jogo lançado como tal em 2013 e também confeccionado por William Pugh. Na obra, o jogador controla um satisfeito trabalhador de escritório (chamado, adivinha: Stanley) que sai de sua sala para descobrir que todos os seus colegas desapareceram. Logo ao começar a aventura, ouvimos a charmosíssima narração do ator britânico Kevan Brighting. Contudo, tudo muda quando Stanley se depara com duas portas uma ao lado da outra, e o narrador descreve-o percorrendo o caminho da esquerda.
Como em todo o restante do jogo, o jogador pode optar pela porta que desejar.
A partir daí, o jogo passa a se definir pelo confronto entre os desejos de Stanley e as determinações do narrador. Ao longo da jornada, o ordinário trabalhador se depara com uma instalação de controle mental, reproduções de outros jogos (nomeadamente, Minecraft e Portal) e até um museu do desenvolvimento do próprio jogo, contando até com a voz de sua curadora. Em alguns dos caminhos, o clamor por liberdade chega a partir inclusive do narrador. Já no que diz respeito ao significado, The Stanley Parable carrega muitas ideias relacionadas à autonomia e ao livre-arbítrio, mas pode-se dizer que possui um tema central: a tensão entre os impulsos do jogador e o projeto do criador do jogo. 

The Beginner’s Guide e a busca por um destino

Cerca de dois anos depois, chegou à Steam a segunda obra de Davey Wreden. Trata-se de The Beginner’s Guide, mais um jogo que inovou ao contar uma história que subverte expectativas — e que será exposta aqui com todos os spoilers. Dessa vez, a narração é do próprio Davey, que acompanha o jogador ao longo de uma coletânea de pequenos jogos supostamente criados por um amigo dele, apelidado de Coda. A jornada teria um objetivo: compreender exclusivamente através de seu trabalho quem é a pessoa que criou tais experiências.

De início, nosso guia expressa uma forte admiração por Coda, enaltecendo a imaginação e a criatividade por trás de seus experimentos com o desenvolvimento de jogos. Contudo, algo já incomodava o narrador: a ausência de um destino, de uma conclusão clara para os jogos ou até da possibilidade de eles serem jogados sem alterações no código. Conforme o jogo avança, os temas dos jogos passam a envolver prisões, grades e a rebelião contra uma máquina que deixou de produzir algo muito importante. Dessa forma, surge em Davey uma preocupação com Coda: esse estaria sofrendo, ansioso ou até deprimido. Por fim, Coda deixou uma mensagem para o narrador através de um último jogo, impossível de ser jogado normalmente como tantos outros anteriores. 
"Querido Davey,  Obrigado pelo seu interesse nos meus jogos. Eu preciso te pedir que não fale mais comigo."
Trata-se de um ponto de virada na perspectiva de Davey, ele se dá conta de que estava projetando suas próprias inseguranças e depressão nos jogos de Coda, e que não conhecia de fato quem era o desenvolvedor dos jogos. Sua própria necessidade de validação externa o fez modificar as experiências e enviá-las para outras pessoas, na tentativa impossível de compreender um artista através de sua arte. As mudanças incluíam a curiosa adição de um poste de luz no final de cada jogo, para representar a chegada a um destino. Vale destacar o caráter fictício de toda essa história, especialmente na medida em que o Davey Wreden narrador é um personagem e seu amigo desenvolvedor não existe. Mesmo assim, o impacto emocional da jornada é bem real. Em um dos segmentos de texto no fatídico último jogo enviado por Coda, lê-se: 

“Se houvesse uma resposta, um significado, isso te faria mais feliz?”

The Stanley Parable: Ultra Deluxe e a ontologia do balde

Em 2022, o primeiro jogo de Davey Wreden retornou com o lançamento do seu remake e pseudo-sequência The Stanley Parable: Ultra Deluxe. Sim, pseudo-sequência. O que ocorre é que o jogo contém todo o jogo original, mas também uma quantidade significativa de “novo conteúdo”, incluindo uma proposta de sequência. Dentre as adições, encontramos um buraco supostamente infinito, uma “zona da memória” com ciclos de nostalgia cada vez mais curtos, e questões existenciais envolvendo a pergunta fundamental: o que é e o que não é um balde?
"Isso é... um balde?"
Mesmo com o onipresente surrealismo, o jogo expande os temas do original de maneira bem consistente, chegando a certas conclusões lógicas de alguns dos dilemas inicialmente apresentados. Pode-se citar a relação entre o jogador e o criador do jogo como um sólido exemplo. Em um trecho novo da versão Ultra Deluxe, o narrador confessa que tudo o que ele sempre precisou foi um receptáculo para suas ideias e criações; elas não fariam sentido sem ter alguém para vivenciá-las. 

Wanderstop e a tranquilidade da satisfação

O jogo mais recente de Davey Wreden é Wanderstop, obra baseada na tranquilidade de fazer e servir chá. A história começa com a até então invicta guerreira Alta perdendo sua força, chegando ao ponto de não conseguir mais levantar sua espada. Então, ela parte para uma floresta em busca de uma famosa mestre que poderia ajudá-la. Em sua busca, nossa protagonista acaba se cansando, até que encontra um gentil dono de loja de chá chamado Boro. Esse a acolhe e propõe que ela descanse lá até recuperar suas forças. A partir daí, Alta se dedica a auxiliar Boro no cotidiano da lojinha de chá. Isso consiste em plantar e colher os ingredientes, preparar o chá, e servi-lo para os clientes.
Os personagens são um dos pontos altos do jogo.
Alta resistiu a essa rotina sem grandes objetivos, conclusões ou recompensas. Parecia a antítese da sua vida anterior, uma sequência de vitórias claras e bombásticas. Com o passar do tempo, ela se acostuma a seu novo ritmo de vida. Não é difícil encontrar conexões entre os temas de Wanderstop e os de seus antecessores na obra de Davey Wreden; os dilemas sobre a presença de um destino nos jogos e sobre a tensão entre jogador e criador do jogo ironicamente encontram uma satisfatória resposta em um modelo de jogo diferente. Um em que não existem objetivos marcados por punições pelo fracasso e recompensas pelo sucesso, mas somente a tranquilidade de viver aproveitando as pequenas coisas da vida. 

Por fim, cabe citar uma fala da curadora do museu, presente desde o The Stanley Parable original:

“Ah, olhe para esses dois. Como eles querem destruir um ao outro. Como eles querem controlar um ao outro. Como ambos querem ser livres. Você consegue ver? Você consegue ver o quanto eles precisam um do outro?”

Revisão: Beatriz Castro

Siga o Blast nas Redes Sociais
Felipe Jungstedt
Cientista social em formação, apaixonado por todo tipo de joguinho (com um amor especial pelos indies e pelos da Nintendo). Você provavelmente vai me encontrar ouvindo música enquanto jogo Spelunky 2 ou tirando a poeira de algum Zeldinha clássico.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Você pode compartilhar este conteúdo creditando o autor e veículo original (BY-SA 4.0).