Metal Gear Solid 3: Snake Eater — há 20 anos, Kojima reinventava a espionagem nos games

Com narrativa cinematográfica, personagens complexos e um gameplay inovador, o jogo marcou uma geração e é até hoje o favorito de muitos fãs da série.

                         

Em meados dos anos 2000, a Konami estava no auge de sua fase criativa, e o nome de Hideo Kojima já era sinônimo de ambição narrativa nos videogames. Após o sucesso de Metal Gear Solid e sua sequência, Sons of Liberty, muitos se perguntavam qual seria o próximo passo da série. A resposta veio em 2004, com o lançamento de Metal Gear Solid 3: Snake Eater, uma prequela ousada que trocava a ficção futurista pela tensão da Guerra Fria.


Lançado em 17 de novembro de 2004, pela primeira vez antes na América do Norte e um mês depois no Japão. O título levou os jogadores para 1964, em plena Guerra Fria. Pela primeira vez, a saga deixava os ambientes urbanos e tecnológicos para se aventurar nas florestas soviéticas, com direito a pântanos, cavernas e campos inimigos.

Dirigido por Hideo Kojima, o game trazia um olhar inédito para a origem do personagem que, futuramente, seria conhecido como Big Boss, o vilão da série até aquele presente momento. Em uma mistura de espionagem, drama e geopolítica, Snake precisaria infiltrar-se em território inimigo, resgatar um cientista e, mais difícil ainda, enfrentar sua própria mentora: The Boss.

A história é emocionante e repleta de reviravoltas, colocando o protagonista diante de um dilema doloroso: cumprir sua missão e eliminar sua antiga mentora ou desobedecer ordens e poupar a vida daquela que considera uma figura materna. Snake é consumido pela dúvida e pela frustração, enquanto tenta entender os motivos da traição de The Boss e se prepara para o inevitável confronto. Hideo Kojima conduz esse conflito com maestria e entrega um drama pessoal carregado de simbolismo e emoção.
       

O salto técnico e narrativo

A jogabilidade de MGS3 expandiu as bases da série. Além das já conhecidas mecânicas de furtividade, o jogador passou a cuidar da alimentação, tratar ferimentos manualmente e usar roupas camufladas para se esconder.

Pela primeira vez, a floresta era tão inimiga quanto os soldados soviéticos. Era preciso se adaptar, se esconder e sobreviver em um ambiente hostil e, ao mesmo tempo, escolher com inteligência quem matar (se é que há necessidade de mortes) e quem deixar passar.

O jogador era lançado em campo com um vasto arsenal de ferramentas que exploravam ao máximo o potencial do PlayStation 2. Microfones direcionais permitiam ouvir inimigos à distância, sensores de proximidade faziam o controle vibrar diante de ameaças, e radares auxiliavam na furtividade. Mais uma vez, Kojima ia além do básico e ampliava a conexão entre jogo e jogador.

A ambientação na selva era novidade. A camuflagem precisava ser adaptada ao local, exigindo atenção às cores do cenário. Caçar animais para manter Snake alimentado se tornava essencial, assim como aplicar os primeiros socorros de forma precisa, cada ferimento exigia um tipo específico de tratamento.

                



O comunicador passou a ser amplamente utilizado para aprofundar a narrativa, enquanto as cutscenes longas e com estilo cinematográfico se tornaram marca registrada da experiência. Tudo isso contribuía para uma trama densa, que abordava temas como traição, patriotismo e sacrifício.

Os combates contra chefes foram um espetáculo à parte. A Cobra Unit apresentou vilões únicos, com estratégias que exigiam paciência, criatividade e atenção. A batalha contra The End, um sniper centenário que se funde à vegetação, se tornou uma das mais icônicas dos videogames, uma verdadeira caçada entre dois predadores.

Após 20 anos os gráficos permanecem incríveis para o Playstation 2, pouca coisa pode vir a incomodar aqueles que quiserem testá-lo hoje. Além do fato de que já existem remasterizações dele para consoles mais atuais.

E a trilha sonora? Digna de 007. A música tema “Snake Eater”, interpretada por Cynthia Harrell, ajudou a criar o clima de filme de espionagem clássico. Todas as composições do jogo, inspirada em produções do cinema, reforçaram a dramaticidade e a imersão da história.

Fan Art: Orioto


Quando o maior inimigo é quem te ensinou tudo

Se Metal Gear Solid 3 é lembrado com tanto carinho duas décadas depois, muito se deve aos personagens memoráveis e multifacetados que habitam sua trama. Snake pode ser o protagonista, contudo, não é uma figura solitária, ao seu redor gravitam nomes como The Boss, Ocelot, Volgin e EVA, cada um com camadas de complexidade, carisma e contradições.

No centro de tudo está o relacionamento entre Snake e The Boss, e um dos mais poderosos já apresentados em um videogame. Esse laço vai além da dinâmica entre soldado e comandante, há uma devoção por parte de Snake, que vê em sua mentora não apenas uma superior, mas uma mãe, alguém que moldou seu caráter, seus valores e sua visão de mundo.

The Boss representa tudo o que ele acredita ser o ideal de um soldado. Ela é reverenciada como uma lenda viva, uma mulher que lutou na Segunda Guerra Mundial, que fundou a unidade FOX, e que parece sempre estar um passo à frente, tanto no campo de batalha quanto na filosofia por trás da guerra. Snake não a admira apenas por suas habilidades, mas por sua convicção, por sua coragem de carregar fardos que poucos suportariam. Por se tratar de algo tão denso, faz se necessário entrar em spoilers a seguir!

Por isso, a reviravolta que a coloca como antagonista atinge em cheio. Sua suposta traição aos Estados Unidos não é apenas um conflito geopolítico, é uma ruptura emocional devastadora para Snake. Ele é forçado a confrontar a mulher que o ensinou tudo o que sabe, questionando não apenas a lealdade dela, mas também a validade dos conhecimentos que lhe foram passados.




Ao longo do jogo, esse dilema é constantemente evidenciado nas falas de Snake, nos silêncios durante as cutscenes e em sua hesitação diante da missão. A ordem de eliminá-la não é apenas o objetivo final, é um rito de passagem brutal, no qual ele precisa renunciar à inocência e à admiração para se tornar aquilo que o mundo exige: o Big Boss.

A cena final entre os dois é carregada de simbolismo e dor. O preço dela ser concluída é a destruição da identidade do protagonista. Ele não emerge como herói, mas como um homem quebrado, moldado pela perda e pela verdade amarga que a guerra impõe: talvez, no fim das contas, um soldado não signifique tanto para seu país quanto foi levado a acreditar.

Tal vínculo é construído com cuidado, para que, quando o inevitável confronto chegue, ele não seja apenas o clímax da narrativa, mas uma ferida emocional tanto para o personagem quanto para o jogador. E é nesse momento-chave, no exato instante em que você puxa o gatilho, que nasce o trauma que irá reverberar por toda a saga. Snake cumpre sua missão, porém, ali para ele, sob o campo de flores brancas, não nasce um herói… nasce o peso de se tornar o Big Boss.

              



O legado de uma lenda

Com mais de 20 prêmios e aclamação tanto da crítica quanto do público, Metal Gear Solid 3 é lembrado como um dos maiores jogos de todos os tempos. Ele marcou o auge técnico e narrativo da série no PlayStation 2, elevando o padrão da espionagem tática nos games e preparando o terreno para o futuro de Big Boss.

Ainda hoje, é amplamente considerado o melhor da série por muitos fãs. Ganhou versões remasterizadas em HD, atravessou gerações, e agora retorna em um remake intitulado Metal Gear Solid Δ: Snake Eater, que reacende o fascínio por esse capítulo inesquecível da franquia tanto para quem deseja reviver, quanto para quem vai experimentar pela primeira vez.

Vale lembrar que Snake Eater foi um dos últimos grandes projetos conduzidos com a “visão intacta” de Hideo Kojima, antes de sua saída da Konami. Isso o torna não apenas um marco narrativo, mas também um registro de um tempo em que jogo, criador e público estavam em sintonia máxima. O seu legado permanece como o de uma lenda, pela combinação do que conta e pela maneira magistral como nos faz sentir ao contar.

Se você nunca rastejou pela selva russa, encarou The End em um duelo de sniper ou chorou com o desfecho de The Boss, talvez esteja na hora de pegar o controle e encarar sua missão. “Commencing Operation Snake Eater”.
Revisão: Thomaz Farias



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Vincenzo Augusto Zandoná
Apaixonado por games desde que nasci, gosto de passar horas tagarelando sobre, principalmente Metal Gear! Ah e também faço café...
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