Desenvolvido pelo estúdio Rogue Snail, Hell Clock é um desafiador RPG de ação com elementos de roguelike, inspirado em um dos episódios mais violentos da história do Brasil. O jogo oferece uma experiência rica tanto em aspectos culturais quanto em jogabilidade. Tivemos acesso antecipado a uma versão para a imprensa, que inclui dois dos três atos da aventura, e contamos aqui um pouco do que esperar de Hell Clock.
O massacre de Canudos sob uma nova ótica
Hell Clock tem como inspiração a Guerra de Canudos, conflito ocorrido entre 1896 e 1897, no sertão da Bahia. O embate envolveu o governo da recém-proclamada República Brasileira e os seguidores de Antônio Conselheiro, líder religioso que fundou o arraial de Canudos.
Antônio Vicente Mendes Maciel, conhecido como Antônio Conselheiro, foi um pregador itinerante que criticava veementemente a República, defendia a restauração da monarquia e pregava valores religiosos conservadores. Em 1893, fundou o povoado de Canudos às margens do rio Vaza-Barris, na Bahia.
Pintura que retrata Arraial de Belo Monte, que se tornaria Canudos, antes dos ataques. |
O arraial rapidamente se tornou um refúgio para sertanejos pobres, ex-escravizados, indígenas e outros grupos marginalizados, crescendo de forma acelerada e sendo visto pelo governo como uma ameaça ao novo regime republicano.
Temendo que Canudos representasse um foco de resistência monarquista, o governo iniciou uma ofensiva militar em 1896, enviando quatro expedições do Exército. As três primeiras foram derrotadas por sertanejos mal armados, mas altamente motivados a defender o povoado.
Canudos em 1897, registrado por Flávio de Barros, fotógrafo do Exército |
Euclides da Cunha, 1866-1909 |
Anos depois, em 1902, a Guerra de Canudos foi retratada de forma marcante no livro Os Sertões, de Euclides da Cunha, que acompanhou o conflito como jornalista. A obra se tornou um clássico da literatura brasileira e contribuiu para eternizar a tragédia de Canudos na memória histórica do país.
Em Hell Clock, assumimos o papel de Pajeú, figura histórica retratada como o principal homem de confiança de Conselheiro, líder militar de Canudos e um dos nomes centrais do conflito. No jogo, Pajeú retorna do mundo dos mortos com uma estranha habilidade: a capacidade de adentrar o inferno em busca da alma de Antônio Conselheiro, com a missão de levá-la à paz e libertar as vítimas do massacre.
No entanto, ele retorna com uma maldição: um relógio que limita o tempo que pode permanecer no submundo, forçando-o a recuar quando o tempo se esgota. A cada nova incursão, o jagunço coleta artefatos e relíquias que o fortalecem para enfrentar os perigos crescentes do inferno e cumprir sua missão.
Com a ajuda de João Abade — outro personagem histórico que ganha destaque no jogo —, Pajeú precisa se fortalecer a cada nova descida ao mundo dos mortos para resgatar o líder de Canudos e dar um novo destino às almas sacrificadas em um dos episódios mais sangrentos da história do Brasil.
Ação consagrada com um tempero nacional
Hell Clock é um RPG de ação com elementos de roguelike que apresenta inspirações claras em jogos como Diablo e Hades, tanto na estética quanto na dinâmica e na apresentação geral. No entanto, segundo a equipe da Rogue Snail, a principal influência para o desenvolvimento veio de outro ARPG: o jogo Path of Exile.
No controle de Pajeú, o jogador desce repetidamente ao inferno para enfrentar criaturas demoníacas e coletar espólios. A cada incursão, é possível fortalecer o personagem com armas e equipamentos cada vez mais poderosos, essenciais para o progresso na jornada.
O foco do jogo vai além da força bruta: a velocidade é fundamental. O tempo é limitado, e explorar demais o mapa pode custar segundos preciosos. Jogadores que gostam de vasculhar cada canto precisarão repensar sua abordagem, pois o cronômetro impõe uma pressão constante.
Quando o tempo se esgota, Pajeú é automaticamente derrotado e retorna à superfície, levando apenas as relíquias coletadas. Esses itens podem ser equipados na casa de Conselheiro antes da próxima tentativa.
Derrotar inimigos concede pontos de experiência. Ao subir de nível, o jogador pode escolher entre três melhorias para aprimorar seu arsenal. Além disso, ao final de cada sala, um altar oferece bônus pessoais — como aumento de saúde ou energia para habilidades especiais — em troca de moedas de ouro adquiridas durante a jornada.
Conforme a descida avança, o nível de dificuldade aumenta consideravelmente. Por isso, é essencial pensar com estratégia em como fortalecer Pajeú, garantindo que ele esteja preparado para enfrentar hordas de inimigos e chefes cada vez mais desafiadores.
Um sistema de meta progressão é desbloqueado na casa de Conselheiro, permitindo investir joias adquiridas durante as incursões em melhorias permanentes. Entre os benefícios estão aumento de dano, pontos de vida adicionais, mais poções, maior chance de acertos críticos e maior taxa de aparecimento de itens valiosos.
Essa mecânica estimula a rejogabilidade, incentivando o jogador a experimentar novas combinações, aprimorar sua performance e se tornar o sertanejo mais temido do inferno em sua missão de resgatar a alma de seu mentor.
Um destaque para o cenário indie nacional
O lançamento de Hell Clock estava inicialmente previsto para este mês de junho, mas foi adiado para o próximo dia 22 de julho. Segundo a equipe da Rogue Snail, esse tempo adicional será dedicado ao polimento do jogo e à melhoria do conteúdo de endgame. Além disso, o modo Ascensão — que originalmente chegaria após o lançamento — estará disponível já no lançamento, em formato beta, oferecendo ainda mais conteúdo desde o primeiro dia.
Durante o Steam Next Fest, que ocorre no momento da publicação deste artigo, uma versão de demonstração aprimorada está disponível. Ela oferece mais conteúdo em relação à demo anterior e, como bônus, permite migrar o progresso para a versão final do jogo. Fica aqui o convite para você experimentar Hell Clock antes do lançamento oficial.
Com base em tudo o que conferimos nesta versão antecipada, posso afirmar com sinceridade: estamos diante de um dos títulos mais promissores do cenário independente brasileiro, em estágio avançado de desenvolvimento e próximo de conquistar seu espaço entre os grandes.
Hell Clock entrega mecânicas familiares aos fãs do gênero, como sistemas de aprimoramento de armas, equipamentos e uma metaprogressão robusta, que recompensa os jogadores dedicados com builds poderosas e criativas.
A apresentação visual impressiona, com uma direção de arte marcante, enquanto a trilha sonora, inspirada na cultura sertaneja, aprofunda a imersão e cria um sentimento de familiaridade ao se basear em raízes culturais brasileiras. Um destaque especial vai para a excelente localização, com dublagem de qualidade nos principais personagens, como Pajeú e João Abade, além de citações emblemáticas da obra Os Sertões, de Euclides da Cunha, em momentos-chave da narrativa.
Hell Clock é uma obra profundamente brasileira em sua essência, mas que reúne qualidades suficientes para se destacar no cenário indie internacional. Com uma das experiências mais ricas já produzidas no Brasil em 2025, é um título para se acompanhar de perto — e que, certamente, ainda será muito comentado ao longo do ano.
Um bom brasileiro
Hell Clock surpreende não apenas por sua jogabilidade sólida e desafiadora, mas também por sua identidade única, construída sobre uma base histórica nacional, creio eu, nunca antes explorada nos games. Ao combinar elementos tradicionais dos RPGs de ação com uma ambientação inspirada na Guerra de Canudos, o título da Rogue Snail entrega algo verdadeiramente original e com alma brasileira.
A direção artística marcante, o sistema de progressão envolvente, a dublagem de qualidade e o cuidado com os detalhes narrativos fazem de Hell Clock uma das produções independentes mais promissoras do ano. Se o polimento final corresponder ao que já foi apresentado até aqui, o jogo tem tudo para se tornar um marco no cenário indie — e um orgulho para o desenvolvimento nacional.
Com lançamento marcado para 22 de julho, vale muito a pena ficar de olho em Hell Clock. Seja pela jogabilidade frenética, pelo desafio constante ou pela maneira respeitosa e criativa com que resgata um episódio trágico da história do Brasil, esta é uma experiência que promete deixar sua marca no cenário independente de jogos brasileiro.
Aproveite e experimente a demo hoje mesmo, disponível para PC via Steam.
Revisão: Ives Boitano
Texto de impressões produzido com chave de acesso fornecida pela Mad Mushroom