Gorogoa: um simples jogo de puzzle sobre a vida e o que fazer com ela

O jogo indie de Jason Roberts engaja com seus enigmas e emociona ao discutir o preço da devoção.

em 23/06/2025
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Quem não tem um sonho pelo qual sacrificaria tudo? Quem nunca teve um objetivo na vida, pelo qual se desgastou até a exaustão? Quem nunca viu uma colorida entidade mágica pela janela, desenvolveu uma obsessão pela criatura e dedicou todo o seu tempo a conquistá-la?


Ok, talvez esse último não seja o seu caso. Mas é o que aconteceu com o protagonista de Gorogoa, jogo de 2017 desenvolvido por Jason Roberts e publicado pela Annapurna Interactive. Na trama, contada apenas com imagens, o personagem principal passa a buscar os elementos — cinco frutas de cores diferentes — que compõem o que aparenta ser um ritual para trazer de volta o ser misterioso com o qual brevemente se deparou. Cabe avisar que este texto contém spoilers de toda a história da obra.

“Eurecas” da jornada

Ao começar a jogar Gorogoa, duas coisas se destacam: a beleza presente na simplicidade das artes e a engenhosidade presente na simplicidade dos puzzles. O jogo consiste em uma grade dois por dois que contém imagens com as quais se pode interagir e que podem ser movidas e sobrepostas umas às outras.  Tais figuras, além de serem frequentemente deslumbrantes, se apresentam como os inteligentes puzzles que o jogador precisa resolver para avançar na jogatina.
É aí que mora o “pulo do gato” de Gorogoa: todos os puzzles são, ao mesmo tempo, instigantes e intuitivos, conferindo ao jogo um ritmo dinâmico, com cada momento de “eureca!” ao fim de mais um enigma. Cada movimento — para dentro, para os lados ou para fora de cada imagem — representa um progresso no caminho para resolver os quebra-cabeças.
Conforme o jogo avança, diferentes cenários adornam o fundo das imagens na grade: montanhas, desertos, cidades destruídas por guerra e em reconstrução são visões que se alternam na tapeçaria que é o desenrolar da história. O único personagem aparece em diferentes momentos de sua vida, expostos de maneira não linear e forçados a colaborar na busca obsessiva apresentada no início da trama.

Respostas da reta final

Tudo muda quando o jovem obtém as cinco frutas e logra contato com a entidade no topo de uma torre. Seja lá o que o silencioso protagonista esperava que acontecesse ao concluir seu objetivo, não foi o que encontrou: a criatura deu as caras, mas, prontamente, desapareceu e o derrubou da altura das nuvens. O personagem perdeu a capacidade de andar — em um momento brutal da narrativa do jogo.
Após isso, vemos sua versão idosa indo até a mesma torre em que se decepcionou tão profundamente. Porém, dessa vez, a perspectiva se alterna entre cada uma das fases da vida do protagonista, cada qual contribuindo com um colorido elemento do ritual. Com isso, a oferenda finalmente é bem-sucedida, e ele se torna um com a entidade.

Sentidos do significado

O autêntico significado de Gorogoa é altamente subjetivo e alvo de muita discussão entre os fãs do jogo. O youtuber Jacob Geller, por exemplo, acredita que a obra trata da relação entre a natureza do tempo e a devoção a um objetivo. Na interpretação mais niilista e pessimista dentro desse panorama, trata-se apenas da denúncia da ausência de sentido na vida, do desperdício de tempo que é dedicar-se a um ideal. 
Contudo, a observação do final da história leva à conclusão de que a mensagem, na verdade, é que o trabalho duro e o tempo gasto valem, sim, a pena — desde que se tenha em mente que a recompensa imediata nunca é garantida; pode ser necessária uma mudança na perspectiva para se obter o resultado desejado.

Objetivos do viver

Carrego comigo uma interpretação que formei na primeira vez em que me aventurei por Gorogoa. Para mim, a obra é simplesmente sobre o caráter dos sonhos, dos objetivos — ou de como quer que se queira chamar as metas da vida. 
Tão lindo quanto o conceito de “sonho” possa parecer, ele representa também um perigo alarmante: trata-se do risco da obsessão, do sacrifício da habilidade em aproveitar as pequenas coisas da vida, sob o pretexto de um objetivo futuro. Quando isso acontece, as metas deixam de representar referências ou guias de como viver e passam a substituir a própria essência do que é viver.
A primeira parte do jogo, antes da queda, consiste na jornada obsessiva e unilateral do jovem protagonista pelas frutas que comporão o ritual. Mesmo com as mudanças de perspectiva para a contínua devoção em outras partes da vida, o ponto de vista principal segue sendo o do jovem obtendo os elementos necessários, culminando em sua oferenda à entidade. 
Após sua fatídica e inevitável frustração, todavia, o ponto de vista do jogador é conduzido ao mosaico composto por todas as fases da vida do personagem. Tal movimento simboliza que nem mesmo todo o sangue, suor e lágrimas de uma certa idade resultarão no objetivo desejado: é preciso uma vida inteira em concordância para alcançar um resultado satisfatório.
É por isso que, apesar da tragédia contida na narrativa do jogo, ele possui um final feliz. Somente quando todas as fases da vida entram em sintonia — somente quando verdadeiramente se experiencia os pequenos momentos da vida — é que os objetivos podem ser plenamente cumpridos, e a autêntica satisfação pode ser alcançada. 

Revisão: Mariana Marçal
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Felipe Jungstedt
Cientista social em formação, apaixonado por todo tipo de joguinho (com um amor especial pelos indies e pelos da Nintendo). Você provavelmente vai me encontrar ouvindo música enquanto jogo Spelunky 2 ou tirando a poeira de algum Zeldinha clássico.
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