Nos anos 80 e início dos 90, videogames já eram um mercado bilionário, porém sem um lugar com holofotes apenas para si. As grandes empresas da época, como Nintendo, SEGA e Atari, exibiam seus produtos na Consumer Electronics Show (CES), evento voltado a eletrodomésticos e tecnologia de consumo, mas os jogos sempre ficavam em segundo plano. Literalmente: estandes pequenos, localizados em áreas afastadas ou improvisadas, como tendas no estacionamento.
A indústria estava amadurecendo, e os executivos sabiam disso. O público crescia, os jogos ficavam mais ambiciosos, os valores de produção aumentavam, mas o respeito que recebiam nos grandes eventos não acompanhou essa evolução. Em vez de ser parte da conversa cultural, os videogames ainda eram tratados como brinquedos.
A criação da E3: o videogame toma o centro do palco
A mudança começou com a fundação da IDSA (Interactive Digital Software Association), hoje conhecida como ESA (Entertainment Software Association). A ideia: criar uma feira feita por e para a indústria de jogos eletrônicos. Um evento com espaço digno, para negócios, imprensa, desenvolvedores e distribuidores. Um lugar onde os jogos fossem protagonistas.
1995: consoles, confrontos e um palco histórico
A primeira edição foi marcada por uma disputa direta entre SEGA, Sony e Nintendo, cada uma com seu próprio plano de dominação. As apresentações eram tensas e cheias de expectativa, mas ainda seguiam o estilo dos tempos de CES: diretas, formais, conduzidas por executivos em paletó, sem os grandes espetáculos ou trailers cinematográficos que marcariam os anos seguintes. Surgia uma nova era, contudo, com os dois pés ainda no passado, um momento de transição, onde a indústria começava a entender como transformar marketing em entretenimento.
SEGA: a jogada surpresa que virou desastre
Vinda do enorme sucesso com o Mega Drive (Genesis) e ainda empolgada com o seu papel de rival direta da Nintendo na geração 16-bit, chegou à primeira E3 com a confiança em alta. Durante sua apresentação, o presidente da SEGA of America na época, Tom Kalinske (que foi o principal motivador na criação da E3), subiu ao palco com a intenção de chocar o mercado.
Diante de uma plateia formada por jornalistas, varejistas e parceiros de negócios, Kalinske anunciou que o SEGA Saturn, o console da nova geração da empresa, já estava à venda nos Estados Unidos, por $399,00. Nada de data futura, nada de pré-venda. Era um "shadow drop" com ambição histórica: surpreender concorrentes, tomar a dianteira e capitalizar sobre o entusiasmo da transição tecnológica.
O problema é que ninguém além da SEGA estava pronto para isso.
Varejistas ficaram furiosos. Apenas quatro grandes redes haviam sido avisadas com antecedência, o que deixou o restante do mercado de fora do lançamento. Desenvolvedores ficaram ainda mais frustrados: diversos jogos planejados para o Saturn não estavam prontos, e não houve tempo para criar campanhas promocionais ou alinhar estreias simultâneos. O público, por sua vez, mal sabia da existência do console e muito menos que ele já estava disponível. O "golpe de mestre" rapidamente se revelou um tiro no pé.
A decisão, que pretendia posicionar a SEGA como líder da nova geração, teve efeito contrário. Quebrou relações com comerciantes, irritou parceiros, fragilizou o line-up de lançamento e entregou à concorrência uma vantagem estratégica sem esforço. O Saturn, entregue ao mercado sem títulos fortes nem suporte consistente, nunca conseguiu se recuperar.
O episódio se tornaria um dos momentos mais infames da história da SEGA, não apenas pelo erro de execução, mas por representar o início de sua queda no mercado de consoles. A primeira E3, que era para ser o renascimento da marca em nova geração, acabou se tornando o começo de seu declínio.
NINTENDO: Virtual Boy e promessas no ar
Em meados dos anos 90, ainda era vista como o centro gravitacional da indústria. Seus consoles dominavam vendas, suas franquias eram ícones culturais, e sua influência no mercado era inquestionável. Muitos esperavam que a gigante japonesa comandasse a primeira E3, porém, o que se viu foi o oposto: uma apresentação morna, pautada por discursos defensivos e promessas sem substância.
O destaque da empresa no evento foi o Virtual Boy, um console experimental que prometia imersão em realidade virtual com gráficos em vermelho monocromático e uma proposta difícil de explicar. O aparelho gerava desconforto físico real e confusão geral sobre seu propósito e nem mesmo o carisma de personagens como Mario foi capaz de dar credibilidade àquela estranha aposta.
Além disso, a companhia aproveitou o palco para falar sobre o Ultra 64, codinome do que mais tarde se tornaria o Nintendo 64, mas ao contrário do que fizeram Sony e SEGA, que apresentaram consoles tangíveis, com datas, preços e jogos, a Nintendo trouxe poucos detalhes técnicos e nenhuma demonstração jogável.
Para manter o público interessado em seu ecossistema até que o próximo console chegasse ao mercado, a empresa não deixou de apresentar grandes títulos para o Super Nintendo, que ainda era um dos consoles mais populares do mercado. Entre os revelados estavam Donkey Kong Country 2: Diddy's Kong Quest e Killer Instinct, produções que elevaram o nível gráfico e técnico do SNES, mantendo seu catálogo relevante diante da crescente concorrência.
Contudo, boa parte da apresentação foi dedicada a alertas sobre pirataria, questões legais e defesas corporativas sobre sua posição no mercado, um tom institucional e burocrático que destoava completamente do momento e da expectativa. Enquanto os concorrentes usavam o palco para vender o futuro, a Nintendo parecia preocupada em proteger o presente, passando a sensação de estar um passo atrás das rivais, algo inédito até então.
SONY: PlayStation assume a liderança com um único golpe
Na E3 de 1995, a Sony não era mais uma incógnita, era uma ameaça em crescimento, pois o PlayStation havia sido lançado no Japão poucos meses antes, em 3 de dezembro de 1994, com recepção calorosa e vendas promissoras. A missão da empresa em sua primeira E3, portanto, não era simplesmente anunciar um console, mas posicionar o PlayStation como o novo líder da indústria global.
A apresentação começou com um tom quase corporativo, na qual executivos da Sony explicaram o porquê de seus investimentos nos videogames, falando sobre o amadurecimento tecnológico do setor e a mudança no perfil dos consumidores. Eles sabiam que estavam invadindo o território de gigantes como Nintendo e SEGA, e por isso foram diretos em suas intenções.
Um dos principais destaques da empresa era seu uso do CD como mídia padrão. Enquanto a Nintendo ainda insistia em cartuchos, e a SEGA oferecia uma transição confusa, o PlayStation adotava o CD-ROM desde o início. Isso significava custos de produção mais baixos, maior capacidade de armazenamento e liberdade criativa para os desenvolvedores, conquistando o apoio de diversas publishers já na largada.
Depois de apresentar jogos como Twisted Metal e Warhawk, a Sony deixou para o final o momento que iria cravar a conferência na história, que foi quando o executivo Steve Race subiu ao palco, caminhou até o microfone e disse apenas: “299”.
Era o preço de lançamento do PlayStation nos Estados Unidos, $299,00. Cem dólares abaixo do SEGA Saturn, divulgado horas antes. Foi um golpe cirúrgico e absolutamente devastador para a competição. A plateia, composta por jornalistas, varejistas e desenvolvedores, explodiu em aplausos e risos. Com três números, a Sony vencia a E3.
Com uma presença sólida no Japão e agora uma ofensiva agressiva no Ocidente, o PlayStation deixava de ser promessa e passava a ser o epicentro da nova geração. O “299” não foi só o início da trajetória do PlayStation nos Estados Unidos, foi a confirmação de que a Sony havia chegado para liderar o mercado.
O impacto imediato: vitórias, erros e consequências
Enquanto SEGA, Sony e Nintendo disputavam o futuro, outras duas empresas tentavam se manter relevantes no presente: 3DO e Atari. Ambas fizeram conferências durante a primeira E3, mas suas participações soaram mais como despedidas disfarçadas de renascimentos.
A E3 1995 mudou o rumo da indústria imediatamente. A Sony saiu como grande vencedora e o PlayStation, lançado oficialmente meses depois, dominaria o mercado com apoio massivo de desenvolvedores e consumidores.
A SEGA, com o Saturn mal lançado e sem apoio de grandes publishers, iniciou um declínio que culminaria na saída do mercado de consoles poucos anos depois.
A Nintendo, ainda forte em propriedades intelectuais, pagaria caro por seus atrasos e escolhas conservadoras, só retomando o protagonismo no mercado de consoles de mesa com o Wii uma década depois.
Mais do que mudar o destino de empresas, esta edição inicial ensinou à indústria algo fundamental: comunicação é poder.
Futuras edições
Nas décadas seguintes, a E3 se consolidou como o palco central da indústria dos videogames. Para além do que uma feira de negócios, virou um espetáculo global onde Sony, Nintendo e a novata do mercado Microsoft disputavam atenção e prestígio. “Ganhar a E3” se tornou uma expressão comum entre fãs e imprensa, uma mistura de percepção pública, impacto de anúncios e momentos memoráveis.
Foi ali que surgiram algumas das apresentações mais lendárias da história dos jogos: a revelação do Wii pela Nintendo, a estreia de Halo 2 no Xbox, Final Fantasy VII Remake e God of War (2018) pela Sony, entre tantas outras.
O calendário da indústria também foi moldado. As empresas se preparavam o ano inteiro para aquele momento e a imprensa se mobilizava como se fosse uma Copa do Mundo. A audiência parava para assistir a conferências ao vivo como quem acompanha finais esportivas.
Seu modelo também inspirou outros eventos, como a Gamescom, a Tokyo Game Show, e mais recentemente, os formatos digitais como o Nintendo Direct, State of Play, Xbox Showcase e a Summer Game Fest, em que as empresas passaram a preferir falar diretamente com seus públicos e o modelo centralizado da E3 começou a parecer obsoleto.
A última edição física da E3 foi em 2019 já a de 2021 foi realizada online devido à pandemia de COVID-19. Em dezembro de 2023, a ESA (Entertainment Software Association), organizadora do evento, anunciou o cancelamento definitivo da E3, citando mudanças estruturais na indústria e “novas formas das empresas se conectarem com seus fãs”.
Assim, depois de quase três décadas, foi oficialmente encerrada, não com um último grande show, mas com um comunicado discreto, mudando assim o mês de junho de toda a indústria dos videogames desde então.
Saudade nostálgica
Hoje, com a E3 cancelada por tempo indeterminado, surge a dúvida: sentimos falta da feira em si ou do que ela representava? Não era só um evento, era o ringue onde gigantes brigavam em tempo real. Era a emoção do inesperado, do confronto direto, da plateia reagindo, era algo que não pode ser replicado com os eventos online atuais.
Hoje em dia os anúncios acontecem, entretanto, magia da disputa ao vivo desapareceu. Talvez a E3 1995 não tenha sido apenas o começo de uma feira, mas sim o começo de uma forma de sonhar com videogames, de conectar milhares de pessoas pessoalmente e milhões online por um simples objetivo: presenciar o que a indústria que amamos tem de melhor para oferecer.
Revisão: Thomaz Farias