Final Fantasy IX é a carta de amor definitiva ao passado da série e um dos maiores RPGs já feitos

Relembre o título que resgatou a fantasia clássica da franquia, trouxe personagens inesquecíveis e segue como uma das melhores obras da Square Enix.

em 27/06/2025
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Lançado originalmente em julho de 2000 para o primeiro PlayStation, Final Fantasy IX marcou, de muitos modos, o retorno e o fim de uma era. Em um momento em que a franquia flertava cada vez mais com o futurismo e a ficção científica, o nono título numerado da série fez o caminho inverso, resgatando as raízes medievais e a atmosfera fantasiosa que definiram os primeiros jogos.

Com a produção e o roteiro a cargo do próprio Hironobu Sakaguchi, criador da franquia, o jogo nasceu como uma homenagem ao legado construído pela série ao longo das décadas de 80 e 90. O resultado não foi apenas uma reverência aos seus antecessores, mas um RPG memorável, repleto de carisma, emoção e identidade, que permanece incrível e sendo um dos melhores representantes de seu gênero mesmo passados 25 anos.

Um elenco que emociona e cresce diante de nossos olhos

A história começa com uma missão de sequestro que, ironicamente, envolve raptar uma princesa que deseja fugir de seu próprio reino. Embora Zidane, um ladrão da trupe Tantalus, seja o ponto de partida da jornada, o enredo logo revela sua verdadeira força: o conjunto. Final Fantasy IX não é apenas sobre um herói com uma espada, mas sobre um grupo diverso e carismático de personagens, cada um com suas cicatrizes, motivações, dúvidas e aprendizados.

Steiner, por exemplo, começa como um cavaleiro rígido e desconectado do mundo, mas evolui à medida que se aproxima de Garnet, a quem jurou proteger, e percebe que a lealdade cega pode ser um fardo e um grande erro. Freya, por sua vez, tem um arco melancólico, marcado pela perda, pelo sentimento de abandono e pelo peso da destruição de sua terra natal.

Garnet, que adota o nome Dagger ainda no início, é uma princesa em fuga tentando assumir o controle do próprio destino e compreender as mudanças sombrias em sua mãe, que começou a atacar outros reinos. Já Vivi é, talvez, o coração emocional da narrativa: um pequeno mago negro que, apesar da aparência fofa e de sua teórica limitação de idade, questiona sua origem, existência e mortalidade, protagonizando um arco que toca em temas profundamente filosóficos.

O grupo ainda conta com Eiko, uma jovem e solitária invocadora que representa o legado de uma raça extinta; Amarant, um mercenário enigmático e arrogante; e Quina, um personagem cômico e imprevisível que aceita viajar com o grupo motivado por sua eterna busca por novos sabores.

O jogo também acerta muito em dar tempo de tela e arcos próprios aos personagens secundários. Marcus e Blank, companheiros de Zidane na trupe Tantalus, têm diálogos marcantes que reforçam o companheirismo do grupo, chegando até a participar de algumas batalhas. Ruby, Cinna, Baku, Beatrix e até antagonistas temporários são apenas mais alguns exemplos de indivíduos que possuem presença narrativa consistente e personalidade definida.

E, claro, não podemos deixar de falar sobre o protagonista com rabo de macaco. Após dois heróis mais "sombrios" (Cloud em FFVII e Squall em FFVIII), Zidane surge como um verdadeiro sopro de ar fresco. Bem-humorado e extrovertido, ele se apresenta inicialmente como um galanteador inconsequente, mas logo revela uma empatia genuína, unindo o grupo não pela força, mas por suas palavras e atitudes.

É justamente por ser esse pilar emocional que o impacto de sua queda, ao descobrir detalhes sobre si mesmo e o seu passado, é tão devastador. Nesse sentido, a forma como seus companheiros o resgatam emocionalmente, enquanto a música Not Alone toca ao fundo, representa não só um dos pontos mais altos de FFIX, mas da franquia como um todo.

Mesmo com uma trama que opta por nuances políticas mais acessíveis e diretas, Final Fantasy IX alcança uma enorme profundidade emocional graças ao seu elenco. Os temas de identidade, perda, propósito e legado são vividos intensamente por personagens que, a despeito de suas aparências com apelo mais juvenil, se mostram incrivelmente humanos. 

Até o antagonista e narcisista Kuja, com sua teatralidade e vaidade excessivas, se revela uma figura trágica, assombrada por sua própria existência e pelo medo da mortalidade. Em vez de simplesmente deter um vilão, neste título, a jornada do grupo e do jogador é também sobre compreender, acolher e enfrentar as verdades dolorosas que os definem.


Um mundo que pulsa fantasia e que vale a pena explorar

O visual de Final Fantasy IX também é um dos mais distintos da franquia. Fugindo do realismo crescente dos episódios anteriores, o jogo adota uma estética mais fantasiosa, com personagens de proporções cartunescas. Mesmo com as limitações do PlayStation original, os cenários pré-renderizados e os ângulos cinematográficos fazem com que o mundo de Gaia seja encantador, cheio de paisagens ricas em detalhes e cidades vibrantes.

Aqui, cada região tem uma identidade cultural e visual própria, como Alexandria e sua paixão por teatro; Lindblum e seu avanço industrial; Treno e sua elite decadente; Cleyra com sua religiosidade e isolamento; e Burmecia, marcada pela tragédia da guerra. Assim, durante a jornada, o jogador consegue sentir que está realmente atravessando fronteiras culturais, políticas e emocionais.

O título também se destaca por rechear seu mundo com conteúdos paralelos com propósito claro e gratificante. Em FFIX, a exploração é constantemente incentivada, com inúmeros itens raros, novas nuances de história e locais secretos espalhados pelo mapa, o que torna cada desvio uma oportunidade de descoberta e recompensa.

Um bom exemplo são os Active Time Events (ATEs), que revelam cenas paralelas para aprofundar relações, mostrar o que os personagens estão fazendo fora da câmera e expandir a vida nas cidades. Por meio deles, acompanhamos situações como Vivi tentando descobrir mais sobre si mesmo, Eiko lidando com sua solidão ou Steiner em interações cômicas com NPCs.

Outra mecânica encantadora ligada ao mundo é o sistema de cartas dos Moogles, o Mognet. Durante a jornada, Zidane e seu grupo ajudam a entregar cartas entre Moogles espalhados pelo mapa, muitas vezes atravessando locais perigosos ou escondidos. Além de oferecer recompensas úteis, o Mognet reforça a sensação de que há vidas acontecendo paralelamente à missão principal, com mensagens que revelam fofocas, sentimentos e preocupações cotidianas — pequenos retratos da vida em Gaia que tornam o mundo ainda mais real.

Outros exemplos incluem os Stellazzio, moedas baseadas no zodíaco que formam uma fábula e concedem tesouros únicos; o sistema de evolução do Chocobo, que nos permite escavar em busca de itens raros e acessar ilhas remotas; a captura de sapos, que fortalece os poderes de mago azul de Quina; e os monstros raros e amigáveis, que recompensam a atenção e a generosidade do jogador.

É importante destacar ainda que não foi apenas Hironobu Sakaguchi que estava profundamente inspirado enquanto planejava e escrevia este jogo, pois a trilha sonora composta por Nobuo Uematsu representa um dos melhores trabalhos de sua extensa e magnífica carreira. Com pouco mais de 100 faixas, ele entregou uma experiência musical vasta e emocionalmente sofisticada, capturando a essência de cada um dos locais que visitamos e situações que vivenciamos. 

Combate intuitivo, mas profundo e coeso com a narrativa

A base do combate de Final Fantasy IX segue o tradicional modelo por turnos com o Active Time Battle (ATB) e resgata a possibilidade de utilizar quatro personagens por batalha, que havia sido reduzida para três em seus dois antecessores. Uma das principais mecânicas deste jogo diz respeito ao aprendizado de habilidades por meio de equipamentos. Com ela, armas, armaduras e acessórios ensinam técnicas específicas, como magias, ataques físicos ou habilidades passivas. Ao manter o item por tempo suficiente, a técnica é aprendida permanentemente.

Outro elemento importante é o uso das Magic Stones, que permite ao jogador ativar habilidades passivas adquiridas por meio dos equipamentos, como resistência a status negativos, aumento de dano contra certos tipos de inimigos ou regeneração automática de HP. Como a quantidade de Magic Stones é limitada, esse sistema adiciona uma camada estratégica de gerenciamento muito interessante, incentivando escolhas cuidadosas de acordo com cada desafio.



Mas o que realmente diferencia o sistema de Final Fantasy IX é o quanto ele está integrado à identidade e trajetória dos personagens. Zidane, por exemplo, possui o comando Steal desde o início, uma habilidade que se mostra especialmente útil ao longo da jornada, já que muitos chefes carregam equipamentos raros ou muito mais poderosos do que os disponíveis naquele ponto da história. Trata-se de uma mecânica eficiente para a evolução do grupo e que, ao mesmo tempo, reafirma a identidade de Zidane como um ladrão experiente e oportunista.

Garnet, por outro lado, tem acesso desde o início a invocações poderosas, mas não consegue utilizá-las de imediato devido às suas limitações de MP. Esse detalhe também reforça sua construção narrativa: trata-se de uma princesa criada em meio ao luxo, ainda aprendendo qual é seu verdadeiro papel no mundo. Assim, sua progressão como invocadora está diretamente ligada ao seu amadurecimento emocional e ao fortalecimento de sua conexão com suas raízes.

Outro exemplo brilhante é a combinação entre Vivi e Steiner. Após uma conversa entre a dupla, o cavaleiro passa a usar a habilidade Sword Magic, que permite canalizar os feitiços do pequeno mago em seus ataques físicos. Essa mecânica não apenas incentiva o uso conjunto dos dois, como também espelha a relação construída entre eles: Steiner, apesar de rígido e veterano, passa rapidamente a admirar e reconhecer o talento de Vivi, chegando até a chamá-lo de mestre.

Até os personagens mais excêntricos, como Quina, têm mecânicas alinhadas à narrativa. Suas magias azuis são aprendidas ao, literalmente, comer inimigos, uma habilidade que pode soar absurda à primeira vista, mas que está diretamente ligada ao seu apetite voraz e ao estilo de vida culinário dos Qus.

Ainda nesse sentido, até mesmo o Trance — sistema equivalente aos Limit Breaks de outros títulos da série, ativado conforme o personagem sofre dano — possui um forte valor emocional. Ele é descrito, dentro do universo do jogo, como uma explosão de sentimentos e, em alguns momentos mais dramáticos, é ativado automaticamente, não apenas como um recurso de combate, mas como reflexo do estado emocional dos personagens. 



Mesmo sendo um sistema bastante intuitivo e acessível, sem exigir tutoriais longos ou combinações complexas para dominar novas habilidades, o combate de Final Fantasy IX surpreende pela profundidade que revela com o tempo. A variedade de estratégias possíveis, aliada à identidade mecânica de cada personagem, nos permite enfrentar os desafios de maneiras muito distintas, incentivando experimentação e adaptação constante. 

Em FFIX, temos um sistema de confrontos que permite ao jogador explorar livremente suas preferências e que, ao mesmo tempo, valoriza profundamente a identidade de cada um dos oito heróis. Em razão disso, mesmo após muitas horas de jogo, ele continua sendo divertido, recompensador e cheio de alternativas.


Mais do que nostalgia: uma obra atemporal

Final Fantasy IX é mais do que uma homenagem ao passado. É uma obra atemporal que entende como contar uma boa história, criar personagens memoráveis, envolver o jogador em batalhas cativantes e construir um mundo que respira vida e emoção. Sua simplicidade aparente esconde uma profundidade de sistemas e enredo que poucos jogos alcançam — e, mesmo 25 anos depois de seu lançamento, continua sendo uma das experiências mais completas e emocionantes que um RPG pode proporcionar.

Revisão: Heloísa D'Assumpção Ballaminut
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Lucas Oliveira
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