South of Midnight é exatamente isso: um sussurro poético vindo das raízes esquecidas do Sul dos Estados Unidos, onde cada canto carrega uma história, e cada sombra guarda uma canção. Desenvolvido pela Compulsion Games, o título não é apenas uma aventura; é um conto vivo, com alma, sotaque e saudade.
Quando o estranho brilha: a força do autoral
Seja pela enxurrada de remakes ou pela exaustão criativa que paira sobre a indústria, estamos cada vez mais acostumados ao previsível. São tantos jogos parecidos, tão seguros em suas fórmulas, que quando algo minimamente diferente aparece, algo que ousa ser estranho, autoral e imperfeito brilha. South of Midnight fez isso comigo já no primeiro trailer.Seu visual em stop motion, ligeiramente torto e profundamente encantador, havia saído de um sonho folclórico. Aquela cena de um bluesman gigante tocando em meio ao pântano me prendeu de forma especial. Salvei o nome do jogo na hora, eu precisava vivê-lo.
Dias depois, peguei-me tirando o pó do violão para tentar “arranhar” Death Don’t Have No Mercy, a música do trailer. Foi ali que percebi: eu já estava conectado à alma do jogo. Desde então, passei a aguardar com carinho uma obra que, logo de cara, já parecia ter coração. E ele tem.
Hazel Flood: uma heroína costurada com alma
South of Midnight me transportou para o Sul profundo dos Estados Unidos e me apresentou Hazel Flood, uma jovem à procura de sua mãe Lacey, levada junto da casa por uma forte tempestade.Hazel é carismática, engraçada e encantadora; ela possui uma graça que prende o jogador com poucos minutos de gameplay. Em busca de ajuda, ela vai até a casa de sua avó Bunny, uma figura excêntrica. Ao longo do caminho, nossa protagonista começa a perceber o ambiente ao seu redor de forma diferente.
Sussurros do passado, espinhos, monstros e “tramas da realidade” se revelam, como se ela enxergasse os fios que compõem o espaço-tempo. É justamente na mansão de Bunny que sussurros a compelem a abrir um misterioso baú. Contendo velhas agulhas de tecelã, estes equipamentos a auxiliarão em sua aventura. É a partir daí que a jovem Flood decide partir em sua jornada sozinha.
Jogabilidade contemplativa
Ao longo de 14 capítulos, acompanhamos a jornada de Hazel enquanto ela amadurece, desbloqueia novas habilidades, cruza caminhos com figuras marcantes e enfrenta criaturas saídas de pesadelos folclóricos.As sequências de combate são simples, mas simbólicas: ao final dos confrontos, quem está no controle deverá desfazer um “nó” — um emaranhado nascido das dores não resolvidas que assombram o mundo. A variedade de monstros não é vasta, mas cada um carrega em si uma expressão das angústias do universo narrativo, mais evocativos do que desafiadores.
Entre os confrontos, o jogo oferece momentos de respiro: trechos de plataforma que flutuam, enigmas delicadamente costurados ao ambiente e pequenas pausas para contemplar — seja a luz filtrada por entre as árvores ou os sussurros ao longe como ecos do passado.
South of Midnight não quer te apressar; ele quer que você sinta cada passo, cada silêncio, cada costura feita entre um mundo despedaçado e outro que ainda pulsa com vida.
Sinto falta de jogos assim, gameplays singelas dessa forma. Porém o game comete um dos erros que títulos de plataforma não podem ter que é entregar todo ouro de uma só vez. Para manter o jogador investido, games assim precisam ir distribuindo novidades durante toda a jogatina, senão ficam repetitivos, o que é o caso do título aqui analisado.
Nas primeiras horas de jogatina, já nos são apresentadas as habilidades que utilizaremos conforme toda a aventura, o que tira o senso de progressão do jogador, pois passa a sensação de que só estamos caminhando em prol da continuidade da história.
Trilha sonora que canta antes de contar
Entre todos os elementos que compõem essa tapeçaria narrativa, talvez o que mais tenha me marcado foi a trilha sonora. Profundamente enraizada nas tradições musicais do Sul dos Estados Unidos, ela mistura o blues melancólico com o folk ritualístico, entrelaçados às vozes infantis quase etéreas que narram, em forma de canção, as lendas de cada boss que está por vir.Há nessa sonoridade um eco da cultura cajun. Ritmos que carregam memórias, espiritualidade e resistência. É como se o próprio jogo cantasse suas histórias antes de mostrá-las, evocando uma atmosfera mítica. Trilha sonora essa que ouço enquanto redijo com carinho a análise desta obra.
Tudo parece ter textura: da pele dos personagens às árvores retorcidas pelo tempo, cada elemento pulsa com uma energia quase tátil. É uma beleza que desafia o senso comum do “realismo gráfico” e encontra poder justamente na imperfeição.
Esse estilo visual, além de ser um diferencial estético, é parte essencial da linguagem do jogo. Ele reforça a ideia de que estamos diante de um conto folclórico, transmitido de geração em geração sob o calor abafado do sul profundo.
Cada frame é um quadro pintado com alma, evocando as tradições visuais que caminham junto das músicas, das histórias, das dores e encantos da cultura cajun. E assim como a trilha sonora, a arte de South of Midnight também sussurra — não para impressionar com grandiosidade, mas para tocar com delicadeza.
Para alguns jogadores, o efeito do stop motion pode causar a sensação de que o jogo está rodando a menos fps. É possível desligar esse recurso nas configurações, deixando o jogo mais fluido. Ele não faz com que o jogo rode de forma mais leve, apenas retira visualmente o efeito.
Para alguns jogadores, o efeito do stop motion pode causar a sensação de que o jogo está rodando a menos fps. É possível desligar esse recurso nas configurações, deixando o jogo mais fluido. Ele não faz com que o jogo rode de forma mais leve, apenas retira visualmente o efeito.
Um conto que vale ser ouvido
Sua beleza estética, trilha sonora marcante, ambientação poética e narrativa sensível fazem dele um dos jogos mais autorais do ano. Ainda que peque por repetitividade, e combates pouco desafiadores, sua proposta não está em ser grandioso, mas em ser profundo.
Para quem busca algo diferente, algo que sussurre em vez de gritar, esta é uma jornada que vale a pena ser sentida.
Prós
- Trilha sonora autoral de impressionar;
- Visual diferente e belíssimo;
- História envolvente;
- Ambientação poética e sensorial;
- Jogo autoral e fora do padrão.
Contras
- Gameplay repetitiva;
- Combates pouco desafiadores;
- Introduz muitos elementos logo no início, reduzindo o senso de progressão;
- Efeito de stop motion pode incomodar alguns jogadores.
South of Midnight — Xbox Series X|S/PC — Nota: 7.5Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Vitor Tibério
Análise produzida com cópia digital adquirida pelo próprio redator