Anunciado originalmente como Project Dragon, Rune Factory: Guardians of Azuma é o mais recente título da série da Marvelous que mescla elementos de simulação de fazenda e RPG de ação. Apesar de funcionar mais como uma espécie de spin-off, o novo jogo representa um dos passos mais ousados da franquia, trazendo mecânicas inéditas e refinando diversos sistemas tradicionais.
Uma jornada por um mundo fragmentado
A história do novo Rune Factory se passa nas terras orientais de Azuma, um local marcado por um evento cataclísmico conhecido como Celestial Collapse (Colapso Celestial), o qual foi causado pela queda de um misterioso objeto. Como consequência desse fenômeno, fragmentos do mundo foram espalhados pelos céus e mares, o fluxo das runas foi interrompido e os deuses da natureza desapareceram, deixando o mundo em ruínas.
Nesse cenário devastado, assumimos o papel de um protagonista sem memórias: o rapaz Subaru ou a garota Kaguya. Após sonhar com um embate entre dois dragões gigantes, o herói escolhido tem uma visão com uma jovem misteriosa, que revela que ele é um Earth Dancer (Dançarino da Terra). Além disso, ela lhe entrega um tambor mágico e pede sua ajuda para restaurar o equilíbrio da região.
Depois de alguns eventos e de conhecermos Woolby, uma ovelhinha que afirma ser descendente de um dragão lendário e se torna nosso companheiro de viagem, descobrimos que a jovem enigmática é, na verdade, a deusa da primavera. Nesse contexto, partimos em uma jornada para restaurar as vilas que representam as quatro estações do ano e reconstruir toda a região de Azuma.
Rune Factory sempre apresentou histórias que, embora simples, conseguem manter o jogador engajado graças aos seus personagens carismáticos. No entanto, Guardians of Azuma dá um passo além, trazendo maior ênfase na narrativa e apresentando indivíduos que exercem papéis mais ativos na trama. Enquanto a primeira metade do jogo se concentra na revitalização das quatro cidades sazonais e no resgate de seus deuses guardiões, a segunda parte mergulha na origem dos protagonistas e nos acontecimentos que levaram ao Colapso Celestial.
No geral, embora traga algumas situações e conveniências típicas de tramas de animes, a história de Rune Factory: Guardians of Azuma é cativante e supera os padrões da franquia. Lamentavelmente, este é mais um capítulo da série que não conta com legendas em português, o que pode ser um obstáculo considerável, especialmente diante da grande quantidade de diálogos e textos.
Relacionamentos mais expressivos
Um dos pilares fundamentais de Rune Factory — e dos simuladores de fazenda em geral — é a possibilidade de interagir e criar laços com os personagens. Em Guardians of Azuma, é possível desenvolver relacionamentos com mais de 30 habitantes, sendo que 16 deles são candidatos a romance (oito homens e oito mulheres) e todos vão sendo introduzidos gradualmente à medida que o jogador avança na campanha.
Neste jogo, ao conversarmos com os indivíduos, temos acesso a diferentes opções de atividades, como ir à cachoeira, fazer compras, almoçar juntos, contar piadas, conversar sobre o passado ou visitar o santuário. Nesse sentido, cada pessoa reage de forma distinta a essas abordagens e, caso a escolha agrade, a cena se estende com uma animação especial e um diálogo adicional que revela mais particularidades sobre a envolvida.
Vale destacar que essa mecânica pode ser utilizada apenas uma vez por dia com cada personagem, e escolher uma opção que ele não goste pode diminuir a barra de afinidade. Graças a esse sistema, as peculiaridades de cada indivíduo são exploradas de uma forma mais profunda, pois a formação do vínculo vai além de simplesmente entregar presentes aleatórios até descobrir suas preferências.
Um aspecto que torna todo esse sistema de interação ainda mais interessante é o visual do jogo, que está acima de tudo o que já vimos na franquia até então. Desta vez, em vez dos tradicionais retratos em estilo anime durante as conversas, temos ações e reações muito bem representadas diretamente pelos personagens modelados em cel-shading. Além disso, a grande maioria dos diálogos é completamente dublada por um elenco japonês de peso (também há opção de vozes em inglês).
É importante destacar ainda que esses indivíduos podem ser recrutados como aliados durante as expedições ao atingirmos um certo nível de afinidade. Nesse sentido, fortalecer os laços com eles é essencial, pois suas habilidades mais poderosas são desbloqueadas conforme a intimidade aumenta, tornando-os aliados significativamente mais úteis em combate.
A despeito de todos esses méritos, um ponto que pode desapontar os fãs mais antigos é a impossibilidade de entrar na maioria das casas e estabelecimentos das cidades. Embora o mundo seja visualmente vibrante e repleto de vida, essa limitação pode acabar reduzindo um pouco a sensação de imersão para alguns jogadores, pois, com poucos locais para adentrar, as rotinas dos personagens acabam parecendo menos dinâmicas e movimentadas.
Cultivando e reconstruindo
Como não poderia ser diferente, Guardians of Azuma também possui um forte foco nos elementos de agricultura e pecuária, permitindo que o jogador cultive inúmeros tipos de hortaliças e domestique vários monstros. Como já mencionado, o jogo traz quatro vilas que representam as estações do ano, o que significa que cada uma delas é propícia para a plantação de diferentes vegetais, como arroz no solo do outono e morango na região da primavera.
O grande diferencial desta edição de Rune Factory é o seu sistema de revitalização das cidades. Com ele, podemos criar diversos tipos de alojamentos, estruturas, comércios e objetos decorativos para preencher locais específicos em cada vila. À medida que o centro urbano se desenvolve, mais pessoas passam a morar no local, as quais podem ser atribuídas a diferentes funções e serviços.
O interessante é que, além de um custo diário, cada um desses NPCs possui habilidades distintas, como maestria no cultivo, melhor proficiência no cuidado de animais ou o conhecimento necessário para gerenciar uma forja. Assim, o jogador é convidado a distribuir esses indivíduos com sabedoria entre os diferentes estabelecimentos para obter os melhores resultados.
Com uma boa administração desse sistema, é possível automatizar todo o trabalho na fazenda, incluindo a coleta de pedra e madeira, recursos essenciais para diversos tipos de construção. Embora essa abordagem possa causar um estranhamento inicial por se afastar do formato tradicional da série, ela se mostra assertiva a longo prazo e se encaixa muito bem na proposta do título. Afinal, as quatro cidades se tornam gigantes em níveis mais avançados e gerenciá-las simultaneamente pode ser bastante desafiador. Assim, ao distribuir as tarefas, conseguimos otimizar nossa eficiência ao longo dos dias.
É importante mencionar que a personalização é bastante intuitiva e oferece uma liberdade muito agradável. Além de podermos posicionar as estruturas com a câmera padrão em terceira pessoa, somos capazes de mudar a perspectiva para uma vista aérea, que proporciona um panorama muito mais amplo da área total e simplifica bastante a decoração. Além disso, temos indicadores claros em cada objeto que demonstra se ele já está sendo utilizado em alguma das vilas.
Para quem aprecia o trabalho manual, também é possível realizar tarefas como plantar, regar e colher utilizando qualquer uma das duas câmeras disponíveis. Outro ponto positivo é o sistema de inventário, que se conecta diretamente ao baú de armazenamento. Isso permite que os recursos obtidos sejam automaticamente transferidos para o estoque quando a bolsa estiver cheia, além de possibilitar o uso imediato dos itens guardados na fabricação, na culinária e no cumprimento de missões.
Por fim, vale ressaltar que a maioria dos elementos posicionados nas vilas concede bônus passivos, seja para melhorar atividades como cultivo e pesca, seja para fortalecer o protagonista com aumento de atributos como vida ou força. Dessa forma, investir na revitalização das vilas não só é recompensador, como também cria um ciclo constante de progresso e aprimoramento.
Combate acessível e divertido
Um dos aspectos que diferencia Rune Factory dos demais simuladores de fazenda são os seus elementos de RPG de ação. Em Guardians of Azuma, a campanha nos leva a explorar áreas abertas ao redor de cada vila, além de algumas dungeons e ilhas celestes. Como nos títulos anteriores da série, a dificuldade normal é bastante amigável, por isso é recomendável que jogadores mais experientes optem pelo modo difícil para aproveitar melhor os combates.
Além dos monstros, esses locais abrigam diversos itens que podem ser utilizados no rico sistema de fabricação. O mundo também apresenta alguns elementos relacionados a determinadas missões secundárias que se estendem por toda a campanha, como encontrar estátuas de sapo para um garoto, coletar cogumelos estranhos para que um senhorzinho descubra se são venenosos ou limpar a fachada de pequenos santuários.
Embora esses elementos de preenchimento de conteúdo sejam básicos e, por vezes, repetitivos, o game compensa constantemente o jogador com novas receitas — seja de construções para a vila, refeições, armas ou acessórios. Esse detalhe faz com que explorar cada cantinho do mundo seja, no fim das contas, uma atividade bastante recompensadora.
Esta nova entrada da série também apresenta avanços consideráveis com respeito aos combates, proporcionando uma câmera que acompanha o personagem de forma mais precisa, colisões mais impactantes e a adição do arco e flecha, uma arma inédita até então.
Além dos ataques padrão, que desencadeiam combos, há um botão dedicado à esquiva que, quando acionado no momento exato, ativa um efeito de câmera lenta nos inimigos que nos permite desferir uma série de ataques consecutivos. Também é possível equipar uma arma secundária e alternar entre ela e a principal livremente, o que adiciona mais dinamismo às batalhas.
Outro ponto importante é que os chefes possuem uma barra de vulnerabilidade que vai se preenchendo conforme recebem ataques. Quando essa barra é completada, o inimigo entra em um estado de atordoamento, tornando-se mais suscetível a dano. O jogo também conta com um sistema de fraquezas elementais e pontos fracos, que aceleram esse processo e incentivam uma abordagem mais estratégica.
Outra novidade é a introdução dos Sacred Treasures (Tesouros Sagrados), como o tambor mencionado no início, que são desbloqueados gradualmente ao longo da campanha. Cada um desses artefatos carrega um elemento específico e possui um combo próprio, além de duas habilidades especiais exclusivas. Assim como as armas tradicionais, os instrumentos podem ser alternados livremente durante os confrontos, o que amplia ainda mais o nosso leque de possibilidades.
Guardians of Azuma também apresenta uma espécie de árvore de talentos, com diversas ramificações recheadas de benefícios voltados para diferentes atividades, como interações sociais, culinária ou combate. Esse sistema ainda contempla individualmente os diferentes tipos de armas e instrumentos sagrados, promovendo uma progressão mais personalizada.
Essa mecânica também se destaca por promover uma boa integração entre os diversos sistemas do jogo. Para exemplificar, investir nas interações com os personagens pode desbloquear habilidades que aumentam o valor de venda dos produtos agrícolas. Além disso, a árvore de talentos é essencial para manter a experiência sempre renovada, já que muitas das especializações introduzem novidades na jogabilidade, como novas opções de interação ou golpes adicionais nos combos.
Embora simples, o sistema de combate de Guardians of Azuma é eficaz e oferece ao jogador uma boa variedade de abordagens. Aqui, cada arma e Tesouro Sagrado conta com padrões únicos de movimento, alcance, velocidade e elemento próprio. Essa variedade, combinada ao sistema de fraquezas elementais e ao desafio imposto por alguns chefes, incentiva a formação de equipes equilibradas e a busca constante por equipamentos melhores. Além disso, a introdução gradual dos instrumentos divinos e as múltiplas ramificações da árvore de habilidades mantém o jogo sempre renovado.
Uma renovação bem-vinda
Combinando com competência os elementos clássicos de simulação de fazenda, um sistema de combate mais fluido, novas possibilidades de personalização, uma narrativa mais envolvente e um elenco repleto de personagens carismáticos, Rune Factory: Guardians of Azuma se destaca como um ótimo jogo e representa um avanço significativo para a franquia. Mesmo sem fazer parte da linha principal numerada, o título consegue gerar bastante entusiasmo sobre os futuros rumos da série.
Prós
- Mesmo com certas conveniências, a história é envolvente e recheada de personagens carismáticos, todos muito bem dublados;
- Os modelos e as animações dos personagens durante os diálogos tornam o jogo bastante expressivo e bonito, representando um avanço visual significativo para a franquia;
- Sistema de relacionamentos robusto, com diversos candidatos a romance, interações variadas e melhorias de habilidades atreladas à afinidade;
- Embora simples, o sistema de combate é divertido, dinâmico e oferece alternativas interessantes;
- A introdução gradual dos Tesouros Sagrados e os múltiplos efeitos da árvore de talentos mantém a jogabilidade sempre renovada;
- O sistema de revitalização das cidades, aliado ao gerenciamento dos trabalhadores, funciona muito bem dentro da proposta do jogo, oferecendo um alto grau de personalização e criando um ciclo constante de progresso com recompensas e melhorias permanentes para o jogador.
Contras
- Embora recompensadoras, as atividades secundárias disponíveis na exploração do mundo são muitos básicas e tendem a se tornar repetitivas;
- A proposta de reconstrução pode causar estranhamento por se afastar do formato tradicional da série e limitar o acesso ao interior da maioria dos estabelecimentos;
- Ausência de legendas em português.
Rune Factory: Guardians of Azuma — PC/Switch/Switch 2 — Nota: 8.5Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Farley Santos
Análise produzida com cópia digital cedida pela Marvelous USA