Análise: AI Limit traz ação rústica em um mundo pós-apocalíptico clichê

O título desenvolvido pelo CE-Asia traz um sistema de combate com base sólida, mas faltou carisma e refinamento ao pacote como um todo.



AI Limit é a definição exata de um produto claramente desenvolvido com uma metodologia voltada a agradar certa parcela consumidora do mercado de jogos. É uma fórmula já conhecida, baleada, que se baseia na dificuldade como virtude e cujo minimalismo narrativo serve para potencializar esse aspecto de jogabilidade. Com um mundo desolado que parece ter sido escolhido a dedo de uma prateleira de clichês visuais do pós-apocalipse e um enredo que progride com o freio de mão puxado, a produção do CE-Asia até entrega um alicerce sólido no combate e oferece dezenas de horas de campanha, mas logo se mostra carente de cor (tanto literal quanto figurativamente) em uma experiência plenamente esquecível.

Minimalismo como muleta

Em AI Limit, o jogador está no controle de Arrisa, uma jovem que desperta em um esgoto de um mundo decadente. Como era de se esperar de quem acorda nesse tipo de local, ela não tem memórias ou sequer uma pista a respeito de sua identidade. Tendo isso em vista, logo fica claro que o primeiro objetivo acaba sendo ter que escapar daquele local em um primeiro momento para, então, recuperar suas lembranças e, por consequência, descobrir mais a respeito daquele mundo onde se encontra.

Depois de adquirir um equipamento básico, a progressão da campanha logo se revela dependente dos chamados ramos (branches, no original), pequenas mudas que podem ser germinadas em pontos específicos e funcionam como checkpoints nos quais o jogador também pode evoluir as próprias habilidades e desbloquear novos fragmentos da história, que são apresentados através de flashbacks.




A questão é que, da mesma forma que um game abundante em cutscenes acaba sendo prejudicado pelo excesso de uma experiência cinematográfica, exposições minimalistas, quando desequilibradas, podem acabar se atrapalhando no extremo oposto. Isso é porque a narrativa de Arrisa se manifesta por meio de cenas bastante vagas e sucintas, com diálogos reduzidos que pouco contribuem, de fato, para o andar da trama.

É constante a sensação de mistério no ar, mas as revelações dificilmente parecem acontecer no tempo correto do enredo, demorando demais para engrenar. AI Limit dosa sua exposição à conta-gotas, e a impressão que fica é que ele nunca se desenvolve de verdade — a não ser na reta final. Isso acaba sendo um problema, porque há uma parcela maior da campanha cujo progresso deveria ser estimulado, apresentando ganchos capazes de segurar sua audiência.

Arrisa, por sua vez, é uma boneca vazia. Trata-se de uma protagonista que segue uma filosofia de tábula rasa e, pela maior parte do tempo, funciona meramente como um avatar básico do jogador naquele mundo, mais do que como uma agente ativa que colabora para  sua evolução. Essa não deixa de ser uma abordagem válida, mas é comum que, nela, o jogador possa, ao menos, personalizar a aparência da personagem, a fim de torná-la sua própria representação. Isso até é possível aqui, mas as opções são relativamente limitadas.

Longos e intermináveis corredores

Não é incomum que histórias simplistas em videogames fiquem em segundo plano em detrimento de um novo mundo a ser explorado — o que também conta como narrativa de forma ampla. AI Limit, entretanto, também não consegue se destacar nesse aspecto, já que essa construção não ajuda muito a valorizar o pacote, uma vez que a navegação do mundo é notavelmente tediosa.

A todo momento, a direção de arte parece tentar forçar um sentimento de desolação e melancolia ao impor uma imutabilidade visual insossa, consistente apenas de ambientações industriais estéreis, como fábricas abandonadas e esgotos — isto é, quando, pontualmente, não surge um deserto a fim de quebrar um pouco essa sequência visual quase monocromática.

Embora sejam paisagens coerentes com o clima pós-apocalíptico, parece que o estúdio responsável foi incapaz de impor qualquer charme visual que o distinguisse de uma tentativa de tornar aquele mundo desolado realmente diferente e único em relação a outros mundos desolados. Tudo bem que a régua acaba sendo altíssima, mas a principal comparação que se torna evidente acaba sendo com Nier: Automata — cuja ambientação é consideravelmente parecida, mas, ao mesmo tempo, consegue traduzir a melancolia da solidão em cenários distintos e, principalmente, coloridos, sem necessariamente exaurir o jogador.

Pontualmente, também é válida a colocação de que tais cenários, com texturas relativamente elaboradas, entram em desarmonia com a agradável estética de anime dos personagens e que, inclusive, trata-se do atributo que mais chama a atenção imediata de AI Limit. Esse aspecto cartunesco de certos elementos chega a contrastar, de um jeito não muito interessante, com o marasmo cinzento dos ambientes.




Essa monotonia paisagística acaba pesando negativamente no desbravamento dos cenários. A despeito de haver um ou outro segredo escondido durante as sequências de exploração transversal (ou o estabelecimento de certos caminhos interessantes, que conectem novas seções com outras mais antigas), a prática logo se torna um exercício cansativo de repetição. A navegação é linear e os pontos de salvamento são muito esparsos uns dos outros. Considerando que são as tais ramificações, isso só intensifica a sensação de que nada realmente acontece no desenrolar da trama.

Além disso, não se trata de um incentivo à cautela ou um estímulo à sobrevivência. A travessia acaba sendo apenas um passeio frustrante, já que é fácil simplesmente seguir em frente pelos longos corredores, sem ter que lidar com os inimigos que por eles rondam.



Sync System aparado pelo parry

Tudo bem, AI: Limit traz uma ambientação genérica. Tendo isso em vista, toda a atenção acaba se voltando à jogabilidade e, por incrível que pareça, aqui o game não faz feio. A base do gameplay gira em torno da possibilidade de equipar três tipos de armas principais: duplas, armas longas e pesadas, da mais ágil à mais lenta, cujas velocidades dos ataques são inversamente proporcionais à força dos golpes, como era de se esperar.

As primeiras impressões do combate prático não são exatamente boas, uma vez que o ritmo é truncado, a física dos ataques parece carecer de impacto prático e os próprios inimigos se mostram bastante passivos no início. Contudo, trata-se de um desses jogos cuja evolução dos atributos propositalmente faz com que a jogabilidade vá ficando cada vez mais prática e fácil, mesmo que os próprios inimigos não apresentem muita variedade ou inteligência.

O maior diferencial mecânico reside no Sync System, um medidor cujo valor vai aumentando com a utilização dos golpes normais e que eleva o dano infligido nesses mesmos ataques de forma proporcional. Em contrapartida, ele vai sendo consumido quando Arrisa sofre dano ou utiliza golpes especiais, como o ataque laser à distância.

No geral, trata-se de um sistema interessante, que acaba estimulando um estilo mais ofensivo de gameplay. O problema geral do combate, entretanto, é que a persistente falta de polidez dos movimentos e a variedade limitada de oponentes acabam reduzindo todas as possibilidades de jogabilidade ao sistema de parry, já que ele se mostra consideravelmente desbalanceado em relação a outras táticas em potencial.




Para os veteranos desse tipo de jogabilidade truncada, entretanto, o desafio proposto é relativamente baixo. O esforço dos desenvolvedores em criar obstáculos se resume a alguns inimigos comuns com dificuldade desproporcional — por vezes, mais perigosos que os próprios chefes —, além de animações prolongadas (tanto dos bosses quanto das próprias habilidades, o que as tornam inviáveis na prática), ataques de morte instantânea e um sistema de atordoamento mal calibrado.

Complementarmente, vez ou outra, AI: Limit também apresenta algumas quedas de desempenho ou bugs que, caso sanados, poderiam até minimizar os defeitos gerais de design e, por consequência, deixar a jogatina mais fluida. Outra recorrência está no hitbox incoerente de certos oponentes, sendo que parece que o espaço ocupado por eles não condiz, necessariamente, com uma superfície passível de dano — algo que fica bastante evidente nos combates contra os chefes.




O sistema de câmera, incluindo a trava nos inimigos, nem sempre ajuda, principalmente por se tratar de um estilo de jogo mais punitivo que não deveria abrir margem para atribuição da culpa diante de um fracasso. A impossibilidade de pular as cinemáticas antes dos bosses também é uma prática esquisita, principalmente pelo pressuposto de que é natural que o jogador tenha que enfrentá-los mais de uma vez até conseguir assimilar seus movimentos.

Jogável, ainda que ordinário

Embora a estética de anime chame atenção à primeira vista, AI: Limit entrega uma jogabilidade funcional, porém reducionista, por rapidamente se tornar previsível à medida que o jogador domina o sistema de parry. A experiência como um todo é capenga, faltando consistência e identidade, presa a uma abordagem cinzenta e excessivamente protocolar dentro de seu gênero. 

Salvo um ou outro problema técnico, o jogo ainda precisa piorar muito para ser considerado ruim. Ele até tem valor para o público-alvo nichado que tenta atingir, mas o fato de querer “pagar de mistério” (usando um jargão das ruas) o tempo todo acaba minando qualquer possibilidade de se tornar uma experiência factualmente memorável ou suficientemente cativante, capaz de fazê-lo se destacar na multidão.

Prós

  • Estética de anime consegue chamar atenção imediata;
  • Sistema de combate relativamente sólido e que oferece algum diferencial com o Sync System;
  • Para os que se sentirem cativados, a campanha é relativamente longa, podendo durar duas ou até três dezenas de horas, dependendo do ritmo.

Contras

  • Apesar não ser feia, a ambientação visual é genérica e cansativa;
  • Narrativa minimalista desequilibrada cujo progresso lento dificulta o envolvimento;
  • Navegação repetitiva, linear e tediosa, com longos corredores e checkpoints esparsos.
AI Limit — PC/PS5 — Nota: 6.0
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Mariana Marçal
Análise produzida com cópia digital adquirida pelo redator
OpenCritic
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João Pedro Boaventura
É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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