“Convergence” é o sétimo e último episódio da segunda temporada de The Last of Us, encerrando uma parte da história mas deixando uma porta gigantesca para uma nova perspectiva para os espectadores. Apesar da ótima qualidade da produção, afinal é HBO, a série falhou em seu segundo ano em entregar uma história competente e tão interessante quanto sua contraparte digital.
Sem inovar como o episódio “Long, Long Time” da primeira temporada, que mostrava um vislumbre na vida dos personagens Bill e Frank, este ano da série aposta em mudanças mais pontuais, que falham em ser uma nova perspectiva sobre essa narrativa, sendo versões mais fracas ou convencionais que as reviravoltas do roteiro original.
Convergência
Todas as peças estão em rota de colisão. Ellie se aproxima de seu objetivo final, Tommy faz estrago na cidade, Jesse e Dina se aproximam, Ellie conta a verdade ao amigo. Todos os personagens e seus dramas estão em rota de convergência no capítulo final, assim como o mundo ao seu redor, já que os Lobos e os Serafitas estão na fase derradeira de sua guerra civil.
O cenário caótico é perfeito para ilustrar as batalhas externas e internas que estes personagens estão vivendo. Dina teme morrer pelo seu filho, Jesse também, quando descobre a paternidade. Ellie se mantém no objetivo e busca a sua vingança acima do bem-estar dos outros.
Em base, todos os personagens estão indo para os lugares interessantes que a trama preparou para eles, mas eu sinto que a forma como eles trilham esse caminho é um tanto quanto fraca. As cenas de conflito ideológico entre Ellie e Jesse beiram o ridículo, tendo em vista como a série usa da convenção narrativa para pintar a garota como uma protagonista.
Jessie enfatiza o como a personagem tem agido de forma impulsiva e irresponsável, apenas para ser respondido com um discurso extremamente de mal gosto sobre como Ellie está nem um pouco preocupada com a apreensão e o bem-estar dos habitantes de Jackson.
Essa fala até tem alguma concordância teórica com a personagem, mas, na prática, visto como ela agiu nos últimos episódios, parece quase uma forma de tentar aproximar a personagem à sua contraparte dos jogos através de falas de efeito do roteiro.
Covardia
Mais uma vez trago o exemplo do episódio “Long, Long Time” da primeira temporada para ilustrar o que imagino de uma adaptação de games. No episódio, Mazin e Druckmann escolheram personagens pouco explorados nos jogos para criar uma narrativa 100% original e competente para mostrar um microcosmos daquele apocalipse, expandindo horizontes dos fãs e contando algo interessante para os espectadores.
Algo assim aconteceu no último episódio, onde tivemos adição de uma cena inédita para os fãs do jogo com o pai de Joel, criando também uma camada muito necessária de contexto sobre paternidade e trauma geracional que é abordado no roteiro tanto da série quanto do game.
Entretanto, boa parte da segunda temporada buscou uma forma um tanto quanto execrável de tentar se distanciar do material original e caminhar com as próprias pernas. Ao mudar o rumo, o roteiro não criou nada novo em sua maior parte, não adicionou um grande episódio ou sequência que transforma a forma como vemos essa história.
Tirando momentos como a invasão de Jackson, ou o primeiro episódio que contextualiza a comunidade, boa parte das escolhas de produção de Mazin acabam indo na ideia de pegar algum evento chave do jogo e alterá-lo levemente. O problema é que a maioria dessas modificações mal são interessantes, geralmente sendo versões mais vazias ou diluídas do que acontece no jogo.
Um exemplo claro está na morte de Owen e Mel. Eu tinha certeza absoluta, pelo caminho que a série estava trilhando, que eles não teriam coragem de manchar sua protagonista com a morte do casal. A Ellie de Mazin precisa de proteção, justificativa, idealização, tudo que uma narrativa convencional de TV tem.
Ela matar uma grávida com uma faca no pescoço e atirar no seu parceiro depois de uma luta corporal intensa pela vida seria demais. A saída? Um tiro acidental em Owen que pega de raspão em Mel. Consegue ver como os produtores pegaram um ponto chave do jogo, no qual Ellie se defende de ambos e é possível ver seu ódio e ira encarnarem enquanto mata os dois a sangue frio, e levam pra um tom abaixo na versão live action?
Contraponto
Nessa segunda temporada, a impressão é que escolham uma forma de adaptar muito datada, que consiste em copiar precisamente alguns momentos, diluir o significado do roteiro em algo mais brando e ter vergonha de criar algo realmente novo em cima dessa base.
Diferente da primeira temporada, que conseguia manter um equilíbrio maior entre suas especificidades, o segundo ano chegou calmo, se tornou gigante e morreu sem mesmo chegar à praia. As sequências de episódios que sucedem a morte de Joel são sofríveis, com os exatos problemas que falei de diminuição de tom, diluição de roteiro, além de um problema generalizado com a performance de Bella Ramsay.
Bella é uma atriz versátil e cheia de talento, isso é indiscutível, mas em nenhum momento da temporada ela conseguiu me convencer que ela era a Ellie crescida e traumatizada que a história pedia. Somente nas cenas de flashback com Joel ela se destacou de verdade. Sinto que o porte físico, talvez a forma de se expressar, ou até como a direção a filma interferiu no processo de identificação com o personagem pra mim.
Conformidade
O segundo ano de The Last of Us tinha uma das tarefas mais difíceis de adaptar uma história recheada de nuances, escolhas difíceis, personagens complexos e narrativa pouco convencional. Porém o rumo que a produção seguiu foi exatamente de focar nas partes mais superficiais de todo o projeto, entregando uma história que tem uma base forte mas mal consegue demonstrar.
Infelizmente chego ao final da temporada com um gosto amargo na boca: se antes eu estava animado para saber o que a dupla Mazin e Druckmann estavam preparando, hoje eu temo pelo futuro da adaptação e me questiono se realmente voltaria para ver um terceiro ano da produção da HBO.
Revisão Farley Santos