Análise: Tainted Grail: The Fall of Avalon é uma sombria homenagem à série The Elder Scrolls

Embora escorregue na performance e jogabilidade, o título da Questline ainda merece ser conferido pelos fãs da saga da Bethesda e de outros WRPGs.

em 27/05/2025
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Há diversos motivos pelos quais a série The Elder Scrolls continua a capturar a imaginação dos jogadores de RPG desde a sua concepção na década de 1990. Dos mundos vívidos e reativos às variações de builds e quantidade de sidequests — cuja complexidade e ramificações muitas vezes superam as das jornadas principais de outros games —, a realidade é que embarcar em uma aventura da franquia é sinônimo de adentrar um universo riquíssimo, com potencial de consumir horas e mais horas em troca de momentos virtuais inesquecíveis.




Lançado originalmente em 2023 via Acesso Antecipado no Steam, Tainted Grail: The Fall of Avalon é uma homenagem à lendária série da Bethesda, mais especificamente a dois de seus capítulos mais famosos: Oblivion e Skyrim. Ostentando uma sombria releitura das lendas arturianas em sua narrativa, este RPG de mundo aberto em primeira pessoa finalmente chega à sua versão final no PC e consoles, e o resultado, apesar de imperfeito, merece ser conferido por fãs do gênero que estejam buscando algo novo, mas familiar.

O retorno do rei

The Fall of Avalon se passa em um universo outrora acometido por uma praga tão misteriosa quanto letal: a Morte Rubra. Há seiscentos anos, o rei Artur foi o responsável por liderar a grande fuga da humanidade para longe da Terra-Mãe, nome do lugar onde a doença se espalhou inicialmente, consumindo todos os reinos lá existentes.

Reunindo os humanos que ainda poderiam ser salvos, o monarca guiou o seu povo até a Ilha de Avalon, dando início ao período que ficou conhecido nos livros de história como a Era da Conquista. Com a ajuda de seu poderoso e fiel amigo Merlin, Artur também purgou Avalon da Estranyeza, uma caótica força mágica, tornando a ilha habitável no processo.

Dessa forma, a humanidade se estabeleceu novamente e o reino de Kamelot, fundado por Artur, viveu períodos de grande paz e prosperidade, mesmo após a morte de seu lendário rei. Seis séculos depois desses acontecimentos, no entanto, a situação é bastante diferente: as antigas lendas foram esquecidas, a Morte Rubra ressurgiu com força total e a Estranyeza também insinua seu retorno sobre a terra.

É nesse complexo e desafiador cenário que você, um indigente padecendo em uma das celas dos sanatórios após contrair a Morte Rubra, pouco a pouco se percebe como escolhido(a) para personificar a mudança pela qual a amaldiçoada ilha de Avalon implora. Com uma narrativa que se molda às suas escolhas e um mundo virtual que reage às suas ações, qual legado você deixará para complementar (ou comprometer) a história do rei Artur?

Depois do soulslike, é a hora do “scrolls-like”

Como mencionado anteriormente, Tainted Grail é um RPG que bebe diretamente na fonte da série The Elder Scrolls. Na prática, isso significa que há aqui um vasto mundo aberto virtual para ser explorado, com centenas de itens para serem coletados (spoiler: a maioria é inútil), dezenas de sidequests e rotas alternativas para dungeons e também vastas composições de builds. 

Sendo perfeitamente honesto, a inspiração na série da Bethesda é tão grande que, se você é um fã inveterado de obras como Oblivion e Skyrim, provavelmente vai apreciar Tainted Grail. Eu escrevo “provavelmente” porque, ao seguir qualquer influência à risca, quase que cegamente, é muito difícil não herdar, mesmo que involuntariamente, também os defeitos das obras originais, que é o caso aqui.

Mas vamos começar pelo maior diferencial do jogo: ao contrário de suas inspirações, The Fall of Avalon abraça com força a temática Dark Fantasy, com vários elementos de terror e horror se fazendo presentes tanto na narrativa quanto na exploração do mundo em si. Não é incomum, por exemplo, testemunhar cenas e construções macabras já nas primeiras horas da campanha, ajudando a transmitir o desconforto e a desolação que marcam este universo.

Como The Elder Scrolls sempre teve como objetivo um público mais amplo (e até mesmo casual), a fantasia sombria é uma linha que a Bethesda nunca teve total intenção em percorrer, então é interessante ver na prática como ela combina bem com a liberdade e a jogabilidade características de um “scrolls-like”. Afinal, todo desvio de rota aqui pode levar a recompensas valiosas, mas também a cenários bem desconfortáveis e/ou violentos. 

Porém, devo mencionar que, por vezes, essa direção criativa me pareceu um pouco forçada em Tainted Grail: em mais de uma ocasião, me peguei pensando que a quantidade de caveiras e sangue na tela combinava mais com as incursões pelas bases infernais de DOOM Eternal do que com este universo propriamente dito. Não obstante, se você é atraído por essa temática, basta saber que os desenvolvedores se dedicaram para implementá-la aqui, criando no processo um dos maiores diferenciais do título.

Pode copiar, mas não faz igual

Por falar em desvio de rota, outra qualidade de The Fall of Avalon é o incentivo à exploração. Após criar seu personagem e ser libertado da sua cela por um arqueiro misterioso, o jogador é livre para explorar a masmorra inicial, e a quantidade de ações, caminhos alternativos e pequenos segredos impressiona já no primeiro contato com o game. É possível, por exemplo, abrir as celas de outros presos, conversar com eles, coletar itens de vários tipos (de colheres a cérebros humanos) e até atacar (furtivamente, ou não) os Monges Rubros que administram o sanatório (e não contavam com sua saída da cela).

“Liberdade para progredir”, então, é uma máxima que se estende por todo o título, recompensando quem realmente decide investir tempo em Avalon. Afinal, nunca se sabe qual NPC no horizonte pode falar algo importante para a lore do game, ou dar início a uma sidequest que concede um item valioso no final. Por outro lado, se você não quiser ajudar ninguém e o seu objetivo for só vagar por aí eliminando vilas inteiras na espada, essa opção também existe (não sem consequências, mas existe).

Essa autonomia sempre foi um dos fatores que explicam os títulos da Bethesda serem tão atrativos e envolventes para os fãs de RPG — há a campanha principal, é claro, mas você não é obrigado a interagir com ela, somente no momento que desejar —, e fico feliz em relatar que a Conquest conseguiu replicar a maior parte dessa magia aqui (um feito que jamais poderia ser menosprezado, especialmente partindo de uma equipe pequena).

Porém, quando se segue à risca um padrão tão estabelecido, corre-se o risco de copiar não somente os acertos, mas também as falhas. E é aí que Tainted Grail começa a deliberadamente escorregar em alguns aspectos cruciais, como a jogabilidade e a falta de clareza de alguns subsistemas, especialmente os relacionados à melhoria do personagem.

Começando pela jogabilidade, o combate é estranhamente pesado para os padrões atuais do gênero e a dificuldade também é desbalanceada. A não ser que você consiga uma armadura pesada na primeira hora de jogo (uma tarefa até possível, mas altamente improvável), qualquer bandido simples será capaz de te mandar para o cemitério do rei Artur em dois ou três golpes, independentemente da dificuldade selecionada. Mesmo com equipamentos melhores, também há alguns saltos bastante abruptos e incômodos nesse sentido, como o chefe da primeira masmorra apresentando um nível de desafio incompatível com o restante da seção.

A solução que encontrei para progredir foi colocar o jogo na dificuldade mais branda enquanto meu personagem não se desenvolvia, mas aí surgiu outro problema: o jogo ficou extremamente fácil, evidenciando a necessidade urgente de um rebalanceamento das opções disponíveis no lançamento.

Outra questão é que subir de nível (sempre um ponto crucial em RPGs) é desnecessariamente burocrático. Os atributos do protagonista são diretamente calculados pela quantidade de vezes que uma ação é repetida, como correr, bloquear golpes ou atacar com uma mão só. Só que, além da repetição à exaustão, também é preciso reunir pontos de experiência suficientes e descansar em uma fogueira disponível no mapa. Somente ao seguir todos esses passos, é possível passar a sentir um princípio de upgrade no personagem.

Talvez o maior problema de todos, porém, seja o fato que Tainted Grail carrega consigo o que em outros países é popularmente conhecido como “jank” ou “Bethesda jank”: um combo de bugs, crashes e uma falta generalizada de polidez em aspectos cruciais, como animações, texturas e rotinas de NPCs (isso para não falar no sofrível modo em terceira pessoa, que apesar de ser reconhecido pelos desenvolvedores como algo experimental, não deveria nem ter sido incluído no estado atual, na minha opinião). 

Além dessa falta de refino quebrar a imersão em vários momentos, visual e mecanicamente falando, a obra da Conquest não difere muito do que um dia já foi oferecido lá na geração do Xbox 360, provando que há um alto e complicado preço a pagar quando as suas maiores influências, apesar de todas as qualidades, são produtos de seu tempo.

No fim, querendo ou não, em 2025, a realidade é que a régua para RPGs está mais alta que em 2011 (ou 2006, no caso de Oblivion); para se destacar verdadeiramente e superar a barreira do seu nicho, é preciso não somente olhar para o passado, mas superá-lo de alguma forma. Apesar de esforçado na proposta (que certamente agradará a fatia mais hardcore do público-alvo, que não se incomoda facilmente com saltos abruptos de dificuldade ou sistemas confusos), The Fall of Avalon não entrega isso.

A otimização (ou falta dela)

Tratando dos aspectos técnicos, o game também não se sai muito bem: usando uma RTX 3060 12GB e um Ryzen 7 5700x para a análise, sofri com quedas na taxa de quadros e microtravamentos relativamente constantes que, juntamente com os gráficos datados, me trouxeram questionamentos sobre a otimização (ou, mais especificamente, a ausência dela).

Ao pesquisar sobre isso, percebi que o problema é antigo, com muitos jogadores esperando melhorias na performance desde o lançamento via Acesso Antecipado, lá em 2023. Esta análise foi realizada no PC, mas como parece que nem mesmo os consoles escaparam do problema, espero que os desenvolvedores olhem com carinho para esse aspecto do título neste período de pós-lançamento da versão 1.0.

No mais, a falta de otimização não é algo que chegou a comprometer a minha experiência (mesmo com os microtravamentos, a taxa de quadros se manteve na maioria do tempo superior ou próxima aos ideais 60 fps no meu hardware), mas é inegável que ela deixa uma má impressão, especialmente com os gráficos datados. 

Para encerrar em um tom mais positivo, porém, destaco a boa trilha sonora — que usa de riffs pesados, instrumentos medievais e ocasionais vocais guturais para adicionar à temática sombria — e a localização para o português, ainda que com os ocasionais erros de tradução, como “costas” em vez de “voltar” para as instâncias de “back” nos menus.

A queda de Avalon e o surgimento de um interessante RPG

Tainted Grail: The Fall of Avalon entrega o prometido: uma carta de amor aos RPGs ocidentais que marcaram época e o coração de muitos fãs. Porém, fica claro que, para furar a bolha do nicho e realmente se destacar (como um dia as suas maiores influências fizeram), é necessário mais polidez em quesitos fundamentais, como a performance e a dificuldade. No fim, a queda de Avalon e a nova ascensão do rei Artur conseguem proporcionar um interessante e desafiador título, que mesmo com as falhas, merece ser conferido pelos fãs do gênero — e isso não pode ser menosprezado.

Prós

  • Homenageia de forma competente clássicos como Skyrim e Morrowind, sendo uma recomendação natural para os fãs desses jogos que buscam algo novo, mas familiar;
  • Oferece ao jogador bastante liberdade para progredir e explorar o seu mundo virtual, com múltiplas sidequests, rotas opcionais e NPCs interessantes para a lore;
  • A temática Dark Fantasy vem a calhar e, mesmo com o ocasional excesso, se prova um diferencial importante na proposta do jogo;
  • Trilha sonora destacada, que contribui para a ambientação do título;
  • Localização em português.

Contras

  • O combate pesado para os padrões do gênero pode frustrar e desanimar, especialmente no começo da aventura;
  • A dificuldade é desbalanceada e apresenta saltos abruptos de desafio;
  • A falta de polidez em aspectos fundamentais, como animações e texturas, dá a impressão de estarmos jogando um jogo antigo em 2025;
  • O modo em terceira pessoa é sofrível;
  • Carece de otimização em vista dos visuais;
  • Ocasionais erros de tradução.
Tainted Grail: The Fall of Avalon — PC/PS5/XSX — Nota: 7.5
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Farley Santos
Análise produzida com cópia digital cedida pela Awaken Realms
OpenCritic
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Alan Murilo
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