O problema de um mercado marcado sempre por tendências como o de games é que, quando um jogo
alcança um sucesso absoluto (que vem quase do nada), não é incomum que o resto
da indústria logo tente identificar a fórmula desse episódio para replicá-la,
adaptando-a dentro do que se acredita ser algo minimamente distinto para
justificar sua existência como produto e como entretenimento. Dito isso,
desenvolvido pelo estúdio 7Quark, de Taiwan,
Yasha: Legends of the Demon Blade nada mais é do que um Hades com
mitologia japonesa como plano de fundo.
Roguelite — e bota lite nisso
A premissa básica de qualquer roguelike (ou, em sua versão mais branda,
roguelite), como gênero, é a repetição. É criar um fluxo em que o
jogador é estimulado a ficar repetindo as mesmas tarefas de incursão até
finalmente conseguir concluí-las, com o diferencial de estar mais poderoso a cada
jogatina, o que, normalmente, também oferece algumas variações a fim de evitar
que a experiência caia no marasmo.
Pois bem, a questão é que Yasha: Legends of the Demon Blade não oferece
qualquer variação que seja em sua empreitada. De início, o jogador tem a
possibilidade de escolher entre três personagens distintos de jogabilidade
diferente apenas a um nível superficial, uma vez que os comandos são quase os
mesmos — ataque rápido, ataque forte, aparada (parry) e corrida
(dash). Daí, a mudança mais substancial entre eles é como cada
um conta com seus padrões de ataque próprios, decorrentes das armas distintas
que empunham.
Consequentemente, Shigure, a samurai demônio; Sara, a garota Oni; e Taketora, o tigre
ninja, contam com sete armas com habilidades próprias, sendo possível equipar
duas por vez a fim de alterná-las em combate, dependendo do personagem. Eles
também protagonizam suas linhas de história particulares, mas esse é o máximo
de variação que o game vai oferecer ao jogador.
Isso é porque cada um deles conta com uma narrativa fragmentada em três
capítulos que, por sua vez, consistem sempre nos mesmos níveis, com a mesma
estrutura, o mesmo design, quase os mesmos inimigos e os mesmos chefes. São
incursões que duram aproximadamente meia hora cada e avançam um pouco da trama
do jogo.
Ainda que com essa estrutura estática, o título poderia oferecer aspectos de
personalização que amenizassem esse sentimento de frustração pela repetição.
Afinal, é um roguelite, o jogador já está predisposto a ficar repetindo-o
quantas vezes forem necessárias, desde que haja alguma sensação de progresso.
Porém, se ela existe, é quase irrisória. Para se ter uma ideia, a evolução
permanente de cada um dos personagens se resume às armas que podem ser
empunhadas — nem todas úteis — e aos seus atributos, cujo aprimoramento
contribui pouco para que a experiência de jogo apresente mudanças substanciais
entre as incursões do começo e as que poderiam ser consideradas
late game.
Ou seja, Yasha fracassa em entregar aspectos de aleatoriedade e personalização
de cenários e situações que um roguelite normalmente exigiria. São sempre as
mesmas fases estáticas e os únicos fatores aleatórios para cada partida acabam
sendo os upgrades temporários. Chega a ser um produto muito repetitivo até
para um gênero que tem a repetição como estrutura fundadora.
Com essa carência de habilidades variadas, o título, como um todo, é escasso e
pode ser monótono. Nem mesmo desafio prático ele consegue oferecer. Um jogador
habituado com o estilo não vai precisar de mais do que uma ou duas tentativas
para conseguir fechar cada capítulo e avançar na história — que é muito
desinteressante, por sinal.
Os chefões, por exemplo, embora consigam atrair para si quase toda a
criatividade investida no game, não são difíceis. Eles contam com os mesmos
padrões de ataque entre os capítulos, não apresentando quase nada de diferente
quando precisamos enfrentá-los pela segunda ou terceira vez.
Para complementar, a progressão da dificuldade é do tipo que atesta de vez a
superficialidade de Yasha como um produto, já que os desenvolvedores optaram
pela tática duvidosa de só aumentarem a vida e a resistência dos oponentes,
transformando-os em esponjas de dano que servem mais para testar a paciência
do jogador do que a habilidade com os controles.
Certo, terminei os três capítulos do meu primeiro personagem ao, basicamente,
jogar a mesma campanha três vezes, sempre contra os mesmos chefes e
percorrendo as mesmas fases. Posso trocar de protagonista e manter meus
atributos?
Não! A única forma de jogar com outro personagem é começando um
novo save do zero. A única novidade do pós-jogo é o desbloqueio de variáveis
que servem para aumentar a dificuldade de cada incursão, mas é complicado ter
disposição para mais uma bateria composta pelas exatas mesmas fases e
estruturas.
A narrativa ao menos vale o esforço? Também não, uma vez que ela tem uma
escrita completamente fora de mão, achando que é engraçada demais, mas sem
ser, ao mesmo tempo em que, às vezes, tenta se colocar como emocional demais,
mas também sem conseguir. Para complementar, fica um pouco difícil processar
toda informação escrita que o jogo traz porque tanto a opção de progredir em
português quanto em inglês se apresentam bem deficitárias.
“Esses gajos são como um enxame interminável de gafanhotos”
Tradução geralmente é um tema espinhoso a se abordar porque a ausência dela
é fruto de um processo que vai além da simples implementação por parte das
desenvolvedoras, uma vez que compreende também as decisões por parte da
produção, publicação e negócios. É uma operação que concerne um esforço
externo cuja existência ou não vai além de uma menção nos prós e contras.
Dito isso, no instante em que há o comprometimento em introduzi-la em seu
produto, é de importância mercadológica que ela seja feita com qualidade
porque trata-se de um indicativo de que houve um esforço despendido em
relação a determinadas audiências. O que Yasha: Legends of the Demon Blade
faz, nesse aspecto, é o atestado de que talvez seja até preferível abrir mão
dessa preocupação a passar vergonha.
Sem a expertise necessária para fazer um controle de qualidade da tradução
de um idioma que os responsáveis pelo projeto não dominam, a localização
para português é, no mínimo, risível. Embora os créditos do jogo não
permitam afirmar com segurança de que se trata de uma adaptação feita por
inteligência artificial, tudo indica de que é o caso aqui, com construções
gramaticais sem sentido algum ao mesmo tempo em que mescla o dialeto de
português de Portugal (demónios, gajos) com o do Brasil (de fato no lugar de de facto).
A versão em inglês, uma língua considerada universal no que diz respeito ao
Ocidente, também não fica para trás, uma vez que consegue se embananar em
uma quantidade considerável de construções que tornam as descrições das habilidades (especialmente das armas) ambíguas e de difícil
entendimento,
desnecessariamente longas em sua função, além de exercer um agravante na exposição da narrativa que já parece sem graça por si só.
A parte mais frustrante de Yasha: Legends of the Demon Blade reside no fato
de que a jogabilidade básica, no pouco que consegue oferecer, funciona muito
bem. O movimento é fluido e, por mais simplistas que sejam os comandos, eles
se mostram precisos e imersivos.
A questão é que gameplay é considerado o critério mais
importante em um jogo, uma vez que é o que define o videogame como uma mídia
própria — e ele diz respeito não só ao controle prático, mas também como
ele se relaciona com todo o resto do ecossistema do título. De tal forma, fica
difícil fazer jus ao potencial apresentado diante de estágios tão insossos e
chefes tão pouco desafiantes.
Nota-se que outro aspecto que consegue carregar o jogo nas costas é a
apresentação. É um game bastante colorido e agradável aos olhos, exalando
algum carisma no design dos chefões e, embora sejam sempre os mesmos entre
os capítulos, os três cenários básicos que os constituem — praia, floresta e
templo — são bem atrativos a um nível visual.
Apesar desse acerto, por algum motivo, todos os assets parecem em
baixa qualidade, ainda que com os gráficos no máximo. Ilustrações, modelos
tridimensionais, texturas, etc, tudo parece ser .jpegs comprimidos, cheios
de artefato. Esse revés fica evidente durante certas cutscenes que, em vez
de serem renderizadas em tempo real, são praticamente
screenshots estáticas do momento em tela — o que não seria um
problema se a qualidade não caísse drasticamente por causa dessa compressão
esquisita.
A trilha sonora também merece a própria menção positiva, trazendo algumas
melodias empolgantes arranjadas dentro de um estilo próximo aos das músicas
folclóricas japonesas. O tema principal, que embala tanto a animação de abertura quanto o menu principal, representa o ápice da experiência logo de
cara, já que, daí para frente, é só ladeira abaixo.
Como uma lâmina sem fio
Apesar de Taiwan ter se consolidado como um polo criativo relevante na
indústria de jogos da Ásia, Yasha: Legends of the Demon Blade parece não
acompanhar essa evolução. Com suas estruturas repetitivas, pouca diversidade
de gameplay e carência de dificuldade, o jogo parece um produto que mais
corrobora com a visão equivocada que os jogadores mais preconceituosos têm
desse mercado do que realmente faz jus ao atual estado de desenvolvimento
dele. É uma tentativa superficial de surfar na onda do Hades como se a
audiência não tivesse capacidade de discernimento no que diz respeito à
qualidade desta derivação em relação à do material que lhe deu origem.
Prós
- Jogo se sustenta basicamente na apresentação, tanto visual quanto sonora;
- Controles individuais até que mostram potencial (embora nunca desenvolvido).
Contras
- Carência de estágios e cenários distintos que trariam diversidade às jogatinas;
- Pouca variedade possível de builds temporárias ao longo de cada incursão;
- Upgrades permanentes se resumem a atributos;
- Jogadores habituados com o gênero dificilmente vão precisar de mais de um ou dois rounds para superar cada um dos capítulos;
- Impossibilidade de se alternar entre os personagens em um mesmo save ou mantendo os upgrades permanentes já adquiridos;
- Assets gráficos parecem em baixa resolução ou simplesmente comprimidos de forma inadequada;
- Tradução atroz tanto em inglês quanto em português;
- Narrativa com dificuldade em acertar o tom (problema possivelmente agravado pela tradução).
Yasha: Legends of the Demon Blade — PC/PS4/PS5/Switch — Nota: 4.0Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Beatriz Castro
Análise produzida com cópia digital cedida pela Game Source Entertainment