Análise: The Siege and the Sandfox é um metroidvania deslumbrante que coloca a furtividade e a narrativa no centro

A bela apresentação é o maior destaque, mas pode não ser o bastante para compensar as travessias trabalhosas e sem incentivos à exploração.

em 03/06/2025
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Posso não ser preciso, mas creio que a primeira vez que vi The Siege and the Sandfox foi em 2018. Foi amor à primeira vista, o que significa que eu espero esse jogo há mais tempo do que o próprio Hollow Knight: Silksong. De lá para cá, houve alguns anos de silêncio, levantando a hipótese de que a produção havia sido cancelada, com apenas alguns vislumbres de esperança uma vez ou outra.

Não sei por quais problemas a desenvolvedora britânica Cardboard Sword passou nesse percurso mas, no final das contas, ela conseguiu fazer de seu jogo uma realidade, já disponível para PC. Quem acompanha as análises do GameBlast talvez saiba que todas as minhas análises são no PS5, mas fiz questão de abrir uma exceção para esta obra que se define como um “stealthvania”, isto é, um metroidvania inteiramente focado na furtividade. Para abreviar, chamarei o jogo de Sandfox.



Uma noite, uma narradora, mil e uma histórias

Em ciclos de desenvolvimento tão prolongados, talvez a pergunta central seja: a obra final fez a espera valer a pena? Essa pergunta precisa de duas respostas, uma no campo artístico e outra na execução da gameplay.

Em questão de apresentação, Sandfox é impecável, um verdadeiro deleite estético em todos os sentidos. A rica pixel art é ostentada de imediato, causando logo uma maravilhosa primeira impressão de que esse é um dos mais belos jogos construídos nesse estilo visual.



A ambientação tem inspiração árabe, com uma antiga cidade murada que remete ao imaginário de As Mil e uma Noites. As cores invadem os cenários escuros, trazendo toda uma paleta de azuis, cinzas e rosas que representam muito bem a penumbra noturna. A arquitetura é requintada com colunas, arcos, cúpulas e arabescos, mas também com as opressivas paredes de pedra das prisões escuras onde o Raposa foi jogado (sim, os textos estão em português brasileiro).

O sorrateiro Raposa, protagonista que dá nome ao jogo, é ferido de morte pela própria rainha e lançado à masmorra profunda em uma armação para encobrir o crime da soberana, assassina do rei. O problema todo acontece enquanto a cidade sofre o cerco de um exército inimigo, então é claro que o Raposa sobrevive à traição e, sem tempo para descansar, precisa escapar do subterrâneo e descobrir os segredos palacianos.



Essa história não é apenas contada em texto, uma vez que Sandfox também encarna o espírito de conto árabe ao colocar uma narradora ao estilo de Sherazade para acompanhar toda a aventura, desfiando uma trama com a voz agradável e imersiva de Amelia Tyler, que também atuou como narradora em Baldur’s Gate 3. O design de som preenche a atmosfera sutilmente com passos, tilintar de moedas, gotejar ecoante em cavernas, murmúrios de vozes e ranger de grades.

A música segue a mesma linha temática, com melodias instrumentais envolventes que ratificam a forma como, artisticamente, cada detalhe foi feito com muito esmero e, juntos, formam um conjunto muito coeso e imersivo.

A gameplay, porém, não tem o mesmo equilíbrio.



Um acrobata ferido e com um instinto de furtividade básico demais

Primeiro, é bom deixar claro que Sandfox não tem combate, enveredando puramente pelos caminhos da furtividade. Os sistemas são simples, mas eficientes, com representações visuais para os sons que o Raposa emite e as posições dos guardas. Ele pode se abaixar e tem desenvoltura para parkour nas paredes, mas, no geral, a movimentação é contida e de baixo alcance.

Na verdade, ele é até mais lento do que eu esperava, com pulos de pouco alcance e movimentação um tanto pesada. os controles nem sempre são precisos nos pulos, de maneira que eu tive que repetir vários trechos de plataforma simplesmente por achar que o movimento seria o bastante para agarrar uma beirada, mas não era.



A intenção, portanto, é que adotemos uma abordagem compassada e cautelosa, sem tentar sair pulando e escalando tudo por aí num piscar de olhos. Por algum motivo, o pulo quando se está parado é mais alto do que durante uma corrida, forçando a uma interrupção que incomoda por quebrar o fluxo do movimento, o que, creio eu, combinaria melhor com a proposta do jogo e o tornaria mais divertido.

Em diversos momentos, tive que parar antes de um pulo para agarrar ou saltar na parede para decidir se o pulo adequado seria o de corrida ou o parado, sob o risco de errar o alvo, cair para o cenário abaixo e ter que dar a volta para retornar ao local e repetir a ação.

Com medidores de alerta dos guardas, caixas para se esconder e equipamentos que expandem as técnicas do Raposa e até permitem nocautear guardas ao cair sobre eles, podemos ver que Sandfox realiza a furtividade de forma eficaz, mas ainda básica demais, sem novidade que distingua seu protagonista e sua gameplay de outros exemplos do estilo (a comparação mais apropriada no stealth em 2D é Mark of the Ninja).

Ao menos essa dinâmica não é muito punitiva, pois o Raposa só é capturado se um guarda encostar nele. Dessa forma, se for visto, ainda há chance de escapar e esperar a poeira baixar para tentar novamente. Dito isto, não senti que o jogo me forçou a esperar muito com frequência, pois os guardas logo deixam a perseguição de lado e retornam às suas posições iniciais.

O diferencial da proposta é justamente aliar esquemas furtivos à estrutura de metroidvania, um tipo de jogo que costuma investir muito em combate, aqui trocado pela pura travessia. Essa mistura não traz benefícios suficientes para destacar Sandfox na gameplay.



Ser a Raposa é trabalhoso

Ao adquirir uma nova habilidade em metroidvanias, eu gosto de sair do caminho principal por um tempo para revisitar os locais por onde já passei, à procura de novidades, colecionáveis e segredos. Sandfox foi uma exceção nisso, pois foquei em seguir os passos aonde a campanha parecia querer me levar, ainda que nem sempre isso seja claro. Há certa flexibilidade nisso, mas, no fundo, senti uma profunda falta de incentivo à exploração meticulosa que, normalmente, é minha parte favorita no gênero.

Há dois motivos para isso. Para começar, as áreas são tortuosas e com vários guardas para passarmos sem sermos vistos. Sim, isso já era esperado em um jogo de furtividade e é executado com razoável sucesso. O problema é que essa dinâmica torna o retorno a locais anteriores algo trabalhoso e repetitivo, algo que poderia ser solucionado com uma engenhosa estrutura de atalhos ou, de forma mais simples, a mera adição de mais pontos de viagem rápida (há poucos) para rápido reposicionamento ao planejar as rotas. Esse recurso realmente faria muita diferença na apreciação dos espaços.

O outro motivo é a falta de incentivo para tais retornos. Existem colecionáveis para procurar e missões secundárias para completar, mas praticamente toda a relevância desses elementos é de natureza narrativa. Além de não acrescentarem à gameplay ou à progressão de personagem, o próprio potencial de contribuição narrativa desses itens consiste em uma ou duas frases, ficando aquém do que a narradora já proporciona organicamente.

Em resumo: explorar fora dos trilhos é trabalhoso e não é recompensador em termos práticos nem em estéticos. Para compensar, Sandfox deixa essa parte majoritariamente opcional, sem se impor na nossa trajetória. Isso é ao mesmo tempo um atenuante ao fato da exploração deixar a desejar e, também, uma contradição para a ampla estrutura de mundo interconectado à qual se propõe.

Voltando à pergunta inicial: Sandfox fez a espera valer à pena? Artisticamente, sim, e até superou minhas expectativas, especialmente pela narradora dublada. A gameplay de travessia, porém, tropeça em vários momentos, especialmente em problemas que ainda podem ser consertados, como a maior eficiência da viagem rápida, maior precisão nos pulos e agilidade da movimentação para melhor continuidade do fluxo da travessia. Nesse quesito, não atendeu ao meu esperado, mas ainda tem chances de melhorar.



Uma raposa deslumbrante, mas pouco versátil

Para apreciar The Siege and the Sandfox, é preciso ter em mente que quase tudo nele é voltado à construção da atmosfera e narrativa e à gameplay de furtividade. A proposta de ser um “stealthvania” é legítima, mas as mecânicas básicas e a navegação trabalhosa pelos cenários não contribuem para que a pura travessia seja interessante o suficiente para fazer valer a pena. Fica a recomendação a quem quer apreciar uma estética belíssima e imergir em uma fantasia das mil e uma noites ao som de uma narradora que acompanha cada passo da jornada.

Prós

  • Pixel art detalhada e belíssima, entre as melhores em jogos de plataforma 2D;
  • Ótima ambientação de inspiração árabe, reforçada pelo design de som, as músicas instrumentais e a ótima narração dublada em inglês, que segue ao longo de toda a campanha e aprofunda a imersão;
  • Textos em português brasileiro.

Contras

  • O caráter trabalhoso do backtracking, os poucos recursos de qualidade de vida e a falta de concretude para as recompensas tiram o incentivo à devida exploração e acabam tornando as travessias cansativas;
  • A simplicidade das mecânicas de furtividade caem na repetição e não compensam o grande foco que o jogo coloca nesse conceito;
  • O movimento pesado tem imprecisões e leva à interrupção da agilidade esperada da proposta.
The Siege and the Sandfox — PC — Nota: 6.5
Revisão: Alessandra Ribeiro
Análise produzida com cópia digital cedida pela PLAION

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Victor Vitório
Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies. Veja minhas análises no OpenCritic.
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