Assim como Kingdom Come: Deliverance, Chernobylite figura na lista de jogos que começaram no Kickstarter e encontraram grande sucesso entre um público nichado. O projeto inicial ultrapassou a meta de campanha em 2019 e foi lançado no Steam em acesso antecipado.
Agora, Chernobylite 2: Exclusion Zone planeja dar continuidade ao universo seguindo passos bem parecidos com o combo Kickstarter + Steam + acesso antecipado. Um planejamento que até é bem estruturado, se não fosse pela qualidade do jogo em si, que, mesmo em fase inicial, não me deixou nem um pouco animado.
De volta à Zona de Exclusão
No novo jogo, somos apresentados ao protagonista Cole Grey, que busca uma vida melhor para sua esposa e filho entrando para o ramo dos Planewalkers, exploradores que adentram diversas realidades paralelas para procurar Chernobylite, um mineral surgido do acidente nuclear de Chernobyl. Ele é uma poderosa fonte de energia e impulsionou a vida da humanidade.
O começo do jogo apresenta o personagem e seu drama, criando até uma atmosfera interessante de um homem que, em busca de dar o melhor para sua família, acaba perdendo tudo. Entretanto, boa parte dessa experiência é manchada por animações faciais e corporais que fariam Skyrim, no longínquo ano de 2011, chorar.
Como é um projeto em acesso antecipado, é possível argumentar que são apenas moldes. Porém, pelo modo como a demo está estruturada, não consigo ter tanta fé de que isso será consertado no futuro. Todas as interações entre NPCs, diálogos e até o novo combate em terceira pessoa carecem de fluidez e inspiração em seus movimentos e apresentação.
Às vezes, mais é menos…
Compreendo que não é intenção dos desenvolvedores competir com STALKER, Metro ou qualquer outra série pós-apocalíptica com foco no Leste Europeu. Mas não é possível deixar de citar alguns desses projetos, principalmente STALKER, que é basicamente o pai de todo grande jogo nuclear de sobrevivência em Chernobyl.
Desde o primeiro jogo, Chernobylite conseguiu se distanciar desses outros títulos, oferecendo uma experiência mais fantasiosa, com um universo e mecânicas próprias e originais. No segundo jogo, isso fica ainda mais evidente com a ideia dos Planewalkers e das dimensões paralelas exploradas. Ainda assim, é possível ver que o esforço para se afastar desses projetos acabou resultando em um amálgama que não me parece tão interessante.
A adição da ação em terceira pessoa, que lembra uma versão sem energia de um combate Soulslike, não parece trazer inovação ao projeto. O sistema de classes é tão genérico e previsível quanto qualquer RPG das últimas três décadas. Uma classe focada em armas de longa distância, outra em combate corpo a corpo e outra em magia? Quem nunca viu isso antes?
Existem momentos tão sem inspiração que causa até desânimo. Como uma batalha de chefe que consiste de um inimigo com a exata mesma skin de outros monstros comuns, só que com duas serras nas mãos, girando em sua direção em algum pântano sujo genérico. Sem falar na IA dos inimigos, que só conseguem correr em linha reta em sua direção.
Até no visual, que se distancia cada vez mais do clássico dessaturado dos jogos ambientados no Leste Europeu, o jogo adota tons quase cartunescos, com inimigos tão vazios visualmente quanto os cristais verdes hipersaturados do mineral Chernobylite. Pelo menos a performance, em meio a essas questões, se mantém sólida, o que é surpreendente para um projeto de orçamento tão modesto.
Radiação e mais radiação
Alguns aspectos se mantêm com certas melhorias em relação ao jogo anterior, como o sistema de construção de bases, que, apesar de lembrar bastante Fallout 4, ainda tem seu espaço nesse tipo de jogo. É possível perceber um esforço dos desenvolvedores em adicionar mais cutscenes e momentos cinematográficos, especialmente com a aparição do antigo protagonista, Igor, no fim da demo.
É provável que o gameplay loop seja baseado na ideia de atravessar diversos portais para mundos desconhecidos e enfrentar ameaças constantes. No entanto, o pouco que vi desses mundos me ofereceu apenas terrenos vazios, pequenos e mal planejados — como duas estradas paralelas cercadas por sítios radioativos e árvores velhas, uma paisagem possível de se encontrar em qualquer Fallout, STALKER, Metro ou até mesmo Tarkov.
O uso da Unreal Engine melhora os gráficos e aprimora a imersão com seu realismo, mas os problemas de direção de arte citados anteriormente fazem com que essas melhorias pareçam vazias. Até os elementos de RPG, amplamente mencionados nos materiais promocionais, parecem uma versão pasteurizada de mecânicas que já vimos em centenas de outros jogos.
Seria possível sonhar?
Com o acesso antecipado chegando em breve, tive dificuldades para enxergar um caminho onde Chernobylite 2: Exclusion Zone se estabeleça como um projeto sólido. Felizmente, a base de fãs parece interessada no novo jogo, e acredito que dará o apoio necessário aos desenvolvedores para refiná-lo. Não é necessário reinventar a roda, claro, mas é importante trazer algum diferencial, mesmo que seja com os mesmos ingredientes. Só o tempo dirá se a equipe conseguirá alcançar esse equilíbrio.
Revisão: Ives Boitano