Análise: Codex Lost tem um impressionante mundo interconectado de dar inveja a qualquer soulslike

Um grimório rústico que não deve ser julgado apenas pelo acabamento, mas pela magia minuciosa de suas páginas.

em 20/11/2024

Se Codex Lost passa a primeira impressão de ser uma obra de baixo orçamento, é porque, de fato, o é. Porém, qualquer apreciador de soulslikes e RPGs de magia se enganaria em julgar o livro apenas pela capa e perderia a chance de encontrar as muitas maravilhas que estão em suas páginas.

É impressionante que um jogo dessa escala tenha sido feito por uma única pessoa, o inglês Mark Bannister, da Freemana Games. Para não reforçar uma visão superficial do jogo, vamos começar pelos pontos fortes, que se destacam em seu meio e valorizam muito o todo da obra.



Em busca dos tomos perdidos

Codex vem do latim e significa códice, o livro na forma como o conhecemos hoje. Os tomos perdidos do título fazem referência a cinco grimórios poderosos, escritos pelos Antigos na língua da criação para dar prosperidade ao mundo. Sedentos por esse dom, cinco lordes roubaram os códices e os usaram para impor seu domínio sobre uma terra que seria assolada pela decadência.

Essa é a história contada na abertura e, sim, esse é o momento em que são mostrados os cinco chefões principais que o Curador, nosso protagonista silencioso, deverá destruir. Ele veio de uma origem desconhecida, chamado pela Biblioteca para recuperar seus objetos de poder e restaurar a ordem.

No caminho, o Curador passará por muitos lugares diferentes e conhecerá NPCs excêntricos, e devidamente dublados para monologar suas idiossincrasias, filosofias e disparates, seja um corvo revoltado pela negligência dos curadores nos muitos anos de ausência, ou um empolgado dono de bar em terra desolada que quer que consigamos clientes para sua bebida. Todos devidamente dublados, é preciso dizer, assim como a falta de textos em português brasileiro.



Um labirinto perfeito

Sem dúvidas, o maior mérito de Codex Lost está na arquitetura do mundo de jogo. É, de longe, o soulslike com maior interconectividade espacial que já joguei. Vi-me constantemente encontrando novas áreas a torto e a direito, em uma clara tendência em multiplicar caminhos que conferem uma dinâmica de exploração extraordinária. 

Se você jogou o primeiro Dark Souls, provavelmente se lembra de quando descobriu o elevador que leva da catedral do sino de volta ao começo; é uma sensação de lógica espacial e compreensão de caminhos que dá profundidade ao ambiente como um lugar concreto. É como se, não importa quão longe sigamos, de repente, sabemos exatamente onde estamos. Em Codex Lost, foram muitos, muitos mesmo, os momentos em que tive esse tipo de surpresa tão agradável quanto admirável.



A dinâmica é de chegar a um local e decidir explorá-lo por completo, mas logo se deparar com caminhos para mais um, dois, três lugares distintos, cada um levando a mais outros. Vamos seguindo de canto em canto, cada vez mais longe até que, uma hora depois, nos vemos de volta a um lugar já conhecido.

A quantidade também é acompanhada de variedade, de forma que as áreas não parecem meras repetições, ainda que se concentrem no núcleo dos RPGs, como florestas, campos, cavernas, ravinas, ruínas, vilas, castelos e igrejas. Os locais amplos merecem destaque, se estendendo em horizontes distantes que revelam várias camadas e apontam novos destinos em meio a caminhos dotados de verticalidade bem planejada.



É claro que há um porém. Ou melhor, dois. As ramificações são tantas que, para alguns, a coisa toda pode parecer um tanto labiríntica. Há pontos de teleporte para agilizar as idas e vindas, mas um mapa, por mais simples que fosse, seria de grande ajuda. Sem isso, só podemos contar a memória espacial e das direções gerais de uma bússola mágica.

Como um soulslike de mundo semiaberto, para apreciar o que ele tem a oferecer é preciso ter curiosidade para explorar e vontade de se perder antes de poder se achar. Mesmo assim, com o passar da jornada, o aventureiro será cada vez mais imerso em diferentes locais e conexões para lembrar, o que pode ser uma sobrecarga desestimulante.

O segundo porém é menor: as conexões consistem em telas rápidas de loading, marcadas por um pontilhado para avisar ao jogador. É claro que esse artifício deve ter facilitado muito a vida do desenvolvedor, excluindo a necessidade de precisão milimétrica no encaixe das áreas, mas a pequena quebra da continuidade da abertura tira um pouco da força de coesão desse mundo — mas só um pouco.



Mesmo assim, minhas horas de jogo passaram sempre movidas pela vontade de ir além, avançar, descobrir mais segredos, caminhos e atalhos, e também sempre recompensado por mais descobertas de locais acima e abaixo da superfície.

Sempre que eu avistava os pontinhos que indicavam uma transição entre áreas, era despertada a curiosidade de conhecer que novo local ou nova conexão inesperada eu encontraria. Exploração é uma de minhas atividades favoritas em videogames e Codex Lost não apenas me deixou imensamente satisfeito nesse ponto, mas também impressionado.



O outro aspecto central é o combate, no qual a mesma proeza não é alcançada.

“Espada e feitiçaria”, mas sem espadas

O combate é inteiramente focado em magia, o que é uma restrição se compararmos com as grande variedade de builds presentes no estilo “souls raiz” que Codex Lost se propõe a ser. Mesmo assim, temos abordagens diversas proporcionadas por um sistema robusto de feitiços.

As magias são divididas em oito categorias, como fogo e veneno, nada que já não estejamos acostumados. Todas têm cerca de dez feitiços e as mais básicas de cada ramo são curtas, praticamente corpo a corpo, e não consomem pontos de magia para serem usadas. Esses pontos, chamados de Mana, são regenerados com o tempo, mas muito lentamente, então é preciso gerenciar o uso com cuidado para não se ver sem recursos além dos poderes mais elementares.



As magias são aprendidas por receitas de itens encontrados na exploração e como recompensa por derrotar inimigos, um sistema de crafting que não cansa e tem uma finalidade prática que recompensa o olhar atento.

Em resumo, o combate é uma questão de gerenciar a distância dos inimigos, as vulnerabilidades elementais e o consumo de Mana. Não é dos mais ágeis ou precisos e a ação parece mais simples do que deveria. Em geral, a qualidade dos embates oscila de razoável e mediano para baixo, sem nunca superar seus pares como o faz no design de mundo, mas funciona bem o bastante para não comprometer a aventura.



Um códice que precisa de revisão

O estado rústico do projeto se manifesta muito mais em questões de acabamento do que em impedimentos de gameplay e progresso. Não encontrei bugs, mas, no conjunto, Codex Lost ainda precisa de bastante polimento para se tornar uma experiência mais suave. Não creio que supérfluos, como a falta de animação ao abrir baús ou a baixa variedade de visuais dos mantos do Curador, sejam o mais importante, então deixarei esse tipo de minúcia de lado para focar no que acho que atrapalha a experiência.

Um problema na gameplay é a falta de feedback de impacto. A principal diferença entre acertar uma esquiva ou ser atingido é a porção diminuída na barra de vida. Há um discreto brilho vermelho no manto do Curador, mas que se confunde em meio à ação de luzes arcanas, faltando algum tipo de resposta audiovisual que indique o dano com mais eficiência. Cada morte é acompanhada por um soluço na performance, aumentando a sensação de que o fim é súbito e, às vezes, uma surpresa para quem jurava que havia desviado a tempo.



Ainda no combate, é preciso balanceamento, especialmente das longas distâncias que os inimigos nos perseguem. Aqui, usar a velha tática souls de passar correndo em meio aos monstros para evitar a repetição dos percursos acaba formando uma pequena multidão raivosa em nosso encalço, tornando a jornada por esse mundo vasto mais complicada do que o necessário.

A interface como um todo tem aspecto simplista, como um rascunho que ainda seria aprimorado. As fontes cruas e brancas que povoam todos os menus e textos lembram designs do início dos anos 2000, o que até combinaria se o jogo tivesse a intenção de emular o visual de jogos da época, mas fica uma mistura estranha entre polígonos e iluminação mais modernos com menus de aparência antiquada.



A navegação pelos menus também merece ser repensada. Jogando no PS5, o esquema segue o do PC, usando o analógico esquerdo para fazer as vezes de mouse e mover o cursor por toda a tela até poder “clicar” no ponto que deseja.

Esse recurso inesperado me fez achar que o jogo havia travado de cara no menu principal, pois não vi o pequeno cursor em sua estranha posição inicial no extremo superior esquerdo da tela. É possível acelerar o movimento do cursor, mas, a meu ver, não fica rápido nem prático como eu preferiria, então seria benéfico que houvesse opção de usar os direcionais para percorrer as entradas dos menus. A propósito, o RPG é compatível com teclado e mouse no PS5.

O visual está aquém dos padrões de outros jogos do estilo, mas considerei justificável, eficaz e, às vezes, até realmente bonito, especialmente quando observamos grandes panoramas. É preciso ser pragmático e partir do pressuposto que existem limites técnicos para a produção de um soulslike 3D de mundo grande feito por uma pessoa só.



Não achei um impedimento para meu bom proveito, mas cabe a cada um ver o trailer e decidir se os “gráficos de PS3 com luz e efeitos de PS4 e menus de PS2” são obstáculos reais para si. O design de som também deixa a desejar, com alguns ruídos deslocados em qualidade e lutas que parecem silenciosas demais para o que é mostrado na tela.

Maestria e limitação em um soulslike só

Impressionante como um projeto de um desenvolvedor solo, Codex Lost é um vasto RPG de ação que brilha pelo design de mundo mais intrincadamente interconectado que já vi em um soulslike, um belo convite para os apreciadores de exploração baseada na curiosidade e descoberta. O aspecto artesanal e a falta de polimento em certos campos podem afastar parte do público em geral, mas, apesar das limitações, os entusiastas do gênero serão recompensados com uma aventura de feitiçaria que vale a pena conhecer a fundo.



Prós

  • O design de mundo é expansivo e interconectado com maestria, proporcionando uma exploração que é sua própria recompensa e um destaque no gênero soulslike;
  • A verticalidade de certas áreas oferece belos panoramas com uma boa apreensão do lugar e suas possíveis ramificações;
  • Bom sistema de magias elementais, aprendidas por meio de crafting que valoriza a exploração por itens;
  • NPCs dublados.

Contras

  • O combate precisa de polimento e balanceamento para transmitir corretamente o que acontece na tela e evitar agrupamentos de inimigos em longa perseguição ao Curador.
  • Em geral, a apresentação audiovisual é rústica, com limitações que, embora justificáveis pelo tipo de produção, podem atrapalhar a experiência estética;
  • Menus pouco claros e com navegação de cursor não intuitiva;
  • Quanto mais se avança pelo mundo, a abertura e a falta de guia ou mapa tornam a jornada mais labiríntica do que deveria ser;
  • Sem português brasileiro.
Codex Lost — PC/PS5/XSX — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: PS5

Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Jandusoft
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Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies. Veja minhas análises no OpenCritic.
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